Num certo capítulo das Cartas de Paulo, ele seguiu o caminho
da cosmologia e antropologia de sua época, tendo feito também a plataforma para
a teologia de Agostinho que desembocou na célebre teoria da necessidade do
batismo para a salvação. E, de quebra, se o batismo era necessário para a
salvação, então estavam postas as premissas para a salvação ou não salvação das
crianças que morriam sem o batismo. Logo então, era só colocar a conclusão:
que, sendo necessário o batismo para a salvação, a conclusão vinha direto: que
criança não batizada não se salvava.
Esta teologia bíblica de Agostinho, que por sua vez estava já implícita na
teologia bíblica de Paulo, passou por toda a Idade Média até à época do II concílio
do Vaticano. Onde Agostinho se firmava? Na Carta de Paulo aos romanos, cap.V. E
onde Paulo se firmava? Em Gênesis, cap. 02 e 03. É evidente que a Carta de Paulo
seguia a mesma cosmologia e a mesma antropologia de Gênesis, que hoje não tem
fundamento. Cosmologia define-se como a teoria da formação do mundo, ou cosmo.
Antropologia define-se como o estudo da formação do ser humano, antropos. E
está definido hoje que a cosmologia primitiva não era científica, mas mítica. E
do mesmo modo a antropologia primitiva também não era científica mas mítica.
Por mítica se entende o arrazoado onde não entra a ciência, mas só a
imaginação. Vale dizer, os primeiros humanos imaginavam uma maneira de ‘como’
seria possível o aparecimento das estrelas, das plantas, e do cosmo e da nossa
terra. E sobre o ser humano imaginavam
‘como’ teria sido o aparecimento dos seres humanos na terra. São estas
‘imaginações’ que são chamadas ‘mito’, que hoje mais popularmente se chamam
também de ‘lendas’. Qual é então a narrativa de Paulo, tirada do mito da
‘criação’, e que deu origem à teologia bíblica de Agostinho? O seguinte como
lemos na Carta aos romanos: “O pecado entrou no mundo por um só homem.
Através do pecado, entrou a morte. E a morte passou para todos os homens,
porque todos pecaram” (Rom,5,12-15). A cosmologia da ‘imaginação’ do
Gênesis e a antropologia da mesma ‘imaginação’ são trazidas para aqui por São
Paulo. Porém, hoje a Pontifícia Comissão Bíblica declarou já que essa narrativa do Gênesis se baseia numa
cosmologia ultrapassada. E afirma a necessidade de uma interpretação no hoje do
nosso mundo porque “os textos da Bíblia são a expressão de tradições religiosas
que existiam antes deles, os quais foram
retrabalhados e reinterpretados para responderem a situações novas desconhecidas
anteriormente”. E no início desta colocação começa com a declaração explícita:
“Essa narrativa do Gênesis se baseia numa cosmologia ultrapassada”. (Pont. Com. Bíblica, 1994). Por seu lado,
Agostinho extrapolou ainda mais, e recorreu `a teoria maniqueísta de que a
matéria era má, e só o espírito era bom. Ora, como a criança era gerada pela
matéria má do pai que era o sémen, era gerada em pecado. (Cf. Bárbara Andrade,
em “Pecado original, ou graça do perdão? Paulus 2007, p.121). Esse pecado foi
chamado “o pecado da origem”, ou pecado “original”. A ‘geração’ era a origem do
pecado original, e como tal passava o pecado também para todos os homens. As
consequências são terríveis. Agostinho argumentava que a ‘geração’ embora que
era má e pecaminosa, mas era necessária.
Como se diz, era então um mal necessário. Mas veja a doutrina moral que
daí se desenvolveu por exemplo para o casamento. Como podia ser isso? Sim, que
haja casamento mas somente para que haja filhos, sem nenhum tipo de outras
coisas como afeto, carinho, abraços,
carícias, tudo simplesmente como sexo tipo animal, só porque é necessário para
reprodução. Esta situação, além de vir dos maniqueus também já vinha dos
Judeus, para os quais só o sexo com
reprodução é que podia acontecer, casamento sem filhos não podia. E quantos
mais filhos melhor, sabe porquê? Para trabalhar as terras, porque a terra era a
única fonte de renda para as famílias. (Cf. Eduardo L. Azpitarte, em Ética da
sexualidade e do matrimônio, p.83). Tire daí as conclusões deles porque é que
condenavam o sexo não reprodutivo, e é isso que botaram na sua bíblia. Por isso
quando hoje se invoca a Bíblia sobre sexo e sobre relações sexuais veja as
tradições e ‘contradições ‘humanas’ e antiquadas e obsoletas que pode estar
ouvindo...Paulo transcreveu situações sofridas daquele dualismo de sua teologia
bíblica da carne como sendo má, quando declarou : “Estou ciente de que o bem
não habita em mim, isto é, na minha carne. Com efeito, não faço o bem que
quero, mas faço o mal que não quero. Homem infeliz que eu sou.” (Rom.7,18-19.24). Esta teologia bíblica que moldou a teologia
da Idade Média e a moral não ficou só por aqui mas trouxe consequências. E
entramos na temática do matrimônio. Como dissemos noutra página, a Igreja só começou a marcar a sua presença nos matrimônios no séc.XII, quando o
matrimônio entrou para o número sete dos sete sacramentos. Antes o matrimônio
era só uma questão de família. Os pais acompanhavam os noivos para o quarto,
despiam-nos e iam para o banquete, depois de dar uma bênção para o casal. O
costume da presença do sacerdote começou da iniciativa de um pai que um dia
convidou um padre para essa bênção. Mas a teoria bíblica, e melhor dito maniqueia
da “maldade” da matéria tinha entrado de forma drástica na cabeça do clero. O
sexo era “mau”? Era. No entanto era “permitido” por causa da geração dos
filhos. Mas excluídas carícias, e todos sinais de afeto e carinho, só sexo
igual animal, tudo o resto era pecado. A confissão tornou-se uma sessão de
tortura porque exigia uma sessão de perguntas sem fim. Por isso o Papa
Francisco um dia disse que a confissão não deve ser uma sessão de tortura,
certamente lembrando dessas situações. Outra coisa, já pensamos porque até há
bem pouco tempo o pai não podia abraçar ou beijar os filhos? Não seria também
por esses motivos? E tudo isso vinha, além dos maniqueus, também vinha dos
judeus, porque na ideia deles sexo sem filhos não era permitido, como dissemos
porque tinham que trabalhar as terras da família, a única fonte de renda das
famílias nessa época. Por isso todas as relações e todo sexo que não fosse
produtivo era condenado. Daí você pode enumerar as consequências dos atos não
direcionados à reprodução como eram condenados
e porque é que eram condenados. Podemos então imaginar por quê e por quais vias
muitas leis e muitas morais eles
colocaram na sua bíblia como proibidas e condenadas. Podemos observar e
comparar com isso a herança manifestada na encíclica de Pio XI, condenando o
onanismo pela única razão de não produzir filhos: “criminosa licença essa
que alguns se arrogam, porque só desejam satisfazer seu prazer sem a carga dos
filhos” (AAS,22,1930 359, apud Azpitarte, o.c.p.109). Continua aqui a herança da reprodução herdada
dos judeus. Como observa Azpitarte, “o receio tradicional para o prazer fez com
que a sexualidade perdesse seu caráter festivo para muitos cristãos.” E o mesmo
autor afirma que o prazer só pelo prazer “não era considerado comportamento digno
do cristão. No entanto a experiência de prazer pelo simples fato de sê-lo não
deve ser catalogado como pecaminoso, o
contrário produz tantas patologias.” (o.c.p.111-112).
Conclusão . Às vezes ouvimos isto já tão manjado: "A Bíblia diz". Já dissemos noutra página que uma coisa é a “Bíblia dizia”, outra coisa é “a
Bíblia diz”. A Bíblia dizia para a sua época, não diz isso para hoje. O que
se ouve, como eu ouvi de um eclesiástico que “família é pai e mãe e filhos” nem
sabe que está falando linguagem dos judeus.
P.Casimiro João
smbn
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