segunda-feira, 3 de novembro de 2025

A CRIAÇÃO E O PECADO ORIGINAL EM PAULO E AGOSTINHO.

Num certo capítulo das Cartas de Paulo, ele seguiu o caminho da cosmologia e antropologia de sua época, tendo feito também a plataforma para a teologia de Agostinho que desembocou na célebre teoria da necessidade do batismo para a salvação. E, de quebra, se o batismo era necessário para a salvação, então estavam postas as premissas para a salvação ou não salvação das crianças que morriam sem o batismo. Logo então, era só colocar a conclusão: que, sendo necessário o batismo para a salvação, a conclusão vinha direto: que criança  não batizada não se salvava. Esta teologia bíblica de Agostinho, que por sua vez estava já implícita na teologia bíblica de Paulo, passou por toda a Idade Média até à época do II concílio do Vaticano. Onde Agostinho se firmava? Na Carta de Paulo aos romanos, cap.V. E onde Paulo se firmava? Em Gênesis, cap. 02 e 03. É evidente que a Carta de Paulo seguia a mesma cosmologia e a mesma antropologia de Gênesis, que hoje não tem fundamento. Cosmologia define-se como a teoria da formação do mundo, ou cosmo. Antropologia define-se como o estudo da formação do ser humano, antropos. E está definido hoje que a cosmologia primitiva não era científica, mas mítica. E do mesmo modo a antropologia primitiva também não era científica mas mítica. Por mítica se entende o arrazoado onde não entra a ciência, mas só a imaginação. Vale dizer, os primeiros humanos imaginavam uma maneira de ‘como’ seria possível o aparecimento das estrelas, das plantas, e do cosmo e da nossa terra. E sobre o ser humano  imaginavam ‘como’ teria sido o aparecimento dos seres humanos na terra. São estas ‘imaginações’ que são chamadas ‘mito’, que hoje mais popularmente se chamam também de ‘lendas’. Qual é então a narrativa de Paulo, tirada do mito da ‘criação’, e que deu origem à teologia bíblica de Agostinho? O seguinte como lemos na Carta aos romanos: “O pecado entrou no mundo por um só homem. Através do pecado, entrou a morte. E a morte passou para todos os homens, porque todos pecaram” (Rom,5,12-15). A cosmologia da ‘imaginação’ do Gênesis e a antropologia da mesma ‘imaginação’ são trazidas para aqui por São Paulo. Porém, hoje a Pontifícia Comissão Bíblica declarou já  que essa narrativa do Gênesis se baseia numa cosmologia ultrapassada. E afirma a necessidade de uma interpretação no hoje do nosso mundo porque “os textos da Bíblia são a expressão de tradições religiosas que existiam antes deles,  os quais foram retrabalhados e reinterpretados para responderem a situações novas desconhecidas anteriormente”. E no início desta colocação começa com a declaração explícita: “Essa narrativa do Gênesis se baseia numa cosmologia ultrapassada”.  (Pont. Com. Bíblica, 1994). Por seu lado, Agostinho extrapolou ainda mais, e recorreu `a teoria maniqueísta de que a matéria era má, e só o espírito era bom. Ora, como a criança era gerada pela matéria má do pai que era o sémen, era gerada em pecado. (Cf. Bárbara Andrade, em “Pecado original, ou graça do perdão? Paulus 2007, p.121). Esse pecado foi chamado “o pecado da origem”, ou pecado “original”. A ‘geração’ era a origem do pecado original, e como tal passava o pecado também para todos os homens. As consequências são terríveis. Agostinho argumentava que a ‘geração’ embora que era má e pecaminosa, mas era necessária.  Como se diz, era então um mal necessário. Mas veja a doutrina moral que daí se desenvolveu por exemplo para o casamento. Como podia ser isso? Sim, que haja casamento mas somente para que haja filhos, sem nenhum tipo de outras coisas  como afeto, carinho, abraços, carícias, tudo simplesmente como sexo tipo animal, só porque é necessário para reprodução. Esta situação, além de vir dos maniqueus também já vinha dos Judeus, para  os quais só o sexo com reprodução é que podia acontecer, casamento sem filhos não podia. E quantos mais filhos melhor, sabe porquê? Para trabalhar as terras, porque a terra era a única fonte de renda para as famílias. (Cf. Eduardo L. Azpitarte, em Ética da sexualidade e do matrimônio, p.83). Tire daí as conclusões deles porque é que condenavam o sexo não reprodutivo, e é isso que botaram na sua bíblia. Por isso quando hoje se invoca a Bíblia sobre sexo e sobre relações sexuais veja as tradições e ‘contradições ‘humanas’ e antiquadas e obsoletas que pode estar ouvindo...Paulo transcreveu situações sofridas daquele dualismo de sua teologia bíblica da carne como sendo má, quando declarou : “Estou ciente de que o bem não habita em mim, isto é, na minha carne. Com efeito, não faço o bem que quero, mas faço o mal que não quero. Homem infeliz que eu sou.” (Rom.7,18-19.24).  Esta teologia bíblica que moldou a teologia da Idade Média e a moral não ficou só por aqui mas trouxe consequências. E entramos na temática do matrimônio. Como dissemos noutra página, a Igreja  só começou a marcar a sua presença  nos matrimônios no séc.XII, quando o matrimônio entrou para o número sete dos sete sacramentos. Antes o matrimônio era só uma questão de família. Os pais acompanhavam os noivos para o quarto, despiam-nos e iam para o banquete, depois de dar uma bênção para o casal. O costume da presença do sacerdote começou da iniciativa de um pai que um dia convidou um padre para essa bênção. Mas a teoria bíblica, e melhor dito maniqueia da “maldade” da matéria tinha entrado de forma drástica na cabeça do clero. O sexo era “mau”? Era. No entanto era “permitido” por causa da geração dos filhos. Mas excluídas carícias, e todos sinais de afeto e carinho, só sexo igual animal, tudo o resto era pecado. A confissão tornou-se uma sessão de tortura porque exigia uma sessão de perguntas sem fim. Por isso o Papa Francisco um dia disse que a confissão não deve ser uma sessão de tortura, certamente lembrando dessas situações. Outra coisa, já pensamos porque até há bem pouco tempo o pai não podia abraçar ou beijar os filhos? Não seria também por esses motivos? E tudo isso vinha, além dos maniqueus, também vinha dos judeus, porque na ideia deles sexo sem filhos não era permitido, como dissemos porque tinham que trabalhar as terras da família, a única fonte de renda das famílias nessa época. Por isso todas as relações e todo sexo que não fosse produtivo era condenado. Daí você pode enumerar as consequências dos atos não direcionados à reprodução como  eram condenados e porque é que eram condenados. Podemos então imaginar por quê e por quais vias muitas leis  e muitas morais eles colocaram na sua bíblia como proibidas e condenadas. Podemos observar e comparar com isso a herança manifestada na encíclica de Pio XI, condenando o onanismo pela única razão de não produzir filhos: “criminosa licença essa que alguns se arrogam, porque só desejam satisfazer seu prazer sem a carga dos filhos” (AAS,22,1930 359, apud Azpitarte, o.c.p.109). Continua aqui a herança da reprodução herdada dos judeus. Como observa Azpitarte, “o receio tradicional para o prazer fez com que a sexualidade perdesse seu caráter festivo para muitos cristãos.” E o mesmo autor afirma que o prazer só pelo prazer “não era considerado comportamento digno do cristão. No entanto a experiência de prazer pelo simples fato de sê-lo não deve ser  catalogado como pecaminoso, o contrário produz tantas patologias.” (o.c.p.111-112).

Conclusão . Às vezes ouvimos isto já tão manjado: "A Bíblia diz". Já dissemos noutra página que uma coisa é a “Bíblia dizia”, outra coisa é “a Bíblia diz”. A Bíblia dizia para a sua época, não diz isso para hoje. O que se ouve, como eu ouvi de um eclesiástico que “família é pai e mãe e filhos” nem sabe que está falando linguagem dos judeus.

P.Casimiro João           smbn

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