domingo, 30 de agosto de 2020

O retorno de Cristo, nas Cartas de São Paulo


 Irmãos, não queremos que ignoreis, irmãos, coisa alguma a respeito dos mortos para que não vos entristeçais, como os outros homens que não têm esperança.

Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, cremos também que Deus levará consigo os que morreram. Eis o que vos declaramos conforme a palavra do Senhor, por ocasião do retorno do Senhor, nós que ficamos ainda vivos não precederemos os mortos.

Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao sinal da trombeta, o mesmo Senhor descerá do céu, e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro, depois nós, os vivos, que ainda estamos na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens ao encontro do Senhor nos ares e assim estaremos para sempre com o Senhor. Consolai-vos uns aos outros com estas palavras” (1.Tes.4, 13-18).

Esta expectativa da proximidade da volta ou retorno do Senhor é um elemento integrante do pensamento teológico de São Paulo desde as suas primeiras Cartas (1.Tes.4,13-18) até as últimas, como Rom. 13,11 e Fil;3,20).

Porque falamos desde as primeiras Cartas? É que de fato, as Cartas aos Tessalonicenses são as duas primeiras peças dos escritos cristãos de todo o Novo Testamento mesmo antes  dos evangelhos. A 1 Tes. foi escrita no ano 50 d.C. 17 anos após a conversão de São Paulo à comunidade de Tessalônica, constituída por não mais de 20 pessoas.

Duas observações a fazer. A primeira é que São Paulo usou a linguagem figurada apocalíptica do Antigo Testamento para falar sobre o imaginário do “retorno” de Cristo. Segundo, porque é que São Paulo fala “aqueles que já morreram”? e: “consolai-vos uns aos outros com estas palavras”?

É porque tinha havido uma peste na cidade e tinham morrido muitos irmãos de Tessalônica, e como eles estavam no aguardo do retorno de Cristo em breve, pensavam que só eles iriam ao encontro de Cristo e os mortos não. Aí São Paulo os acalma dizendo, tenham calma, eles também irão ao encontro de Cristo, e em primeiro lugar.

E você pergunta: Mas esse Jesus nunca voltou assim como eles esperavam. Tem razão. Daí nasceram quatro atitudes. A primeira: vamos aguardando, que a data há de chegar. A segunda: isso nunca vai acontecer, tirem o cavalo da chuva. A terceira: essa vinda está chegando, é a vinda de Jesus por meio do seu Espírito que ele prometeu.

É ele que vem com a força desse Espírito que ele chama Espirito Santo que fortalece, que ilumina e que recorda tudo o que ele ensinou: “Ele me glorificará porque receberá do que é meu e lhes ensinará; tudo o que o Pai possui é meu, por isso eu disse, há de receber do  que é  meu e lhes anunciará” (Jo.16,14-15).

E os da quarta atitude preferiram empurrar tudo para o final dos tempos, trazendo à memória o mesmo retorno que vinha já do Antigo Testamento como “a vingança de Deus” para premiar o sofrimento dos justos e para o castigo do opressor.

E foram buscar a sentença do salmo 90,4 que diz: “mil anos para Deus são como o dia de ontem que já passou” (Sl.90,4). A segunda Carta de Pedro a reproduz: “Mas há uma coisa, irmãos de que não vos deveis esquecer: um dia diante do Senhor é como 1000 anos, e 1000 anos como um dia”.(2 Pd.3,8).

O “retorno de Jesus” que está ainda no imaginário de muitas  seitas cristãs e quem sabe de muitos católicos tem o seu contexto tirado do oráculo que retrata Jesus retornando feito um governador quando voltava de uma viagem, como acontecia na época de Jesus. Os súditos saíam para saudá-lo, seja ele o rei, a rainha, ou o governador, e o acompanhavam em cortejo triunfal até a sua cidade.

Este é o termo oficial para “ir ao encontro do Senhor”, também chamado depois de “parusía”, que está muito irmanado com a “escatologia” e “apocalíptica” do Antigo Testamento, que é a expectativa da vinda de Deus na figura de um Messias (ungido) que daria a vitória final a Israel como povo de Deus e vingança aos seus inimigos.

A apocalíptica de hoje tem em mistura essas quatro atitudes diluídas que fazem parte ainda hoje do nosso imaginário, com o qual a teologia continua-se debatendo.

P.Casimiro   smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

domingo, 23 de agosto de 2020

As intenções teológicas de Lucas.

 Vimos em colocações anteriores três temas sobre as intenções teológicas de Mateus, Marcos e João.  Hoje vamos dar uma olhada sobre as intenções teológicas de Lucas.

1. Introdução- Jesus não escreveu nada no Novo Testamento e nem há qualquer indício que ele tenha instruído seus discípulos a registrar suas palavras ou ações. A Igreja viveu os 4 primeiros séculos sem  o Novo Testamento. Os primeiros Escritos do Novo Testamento foram a Cartas de São Paulo escritas antes dos evangelhos, nos anos 50 d.C. em diante.

Nós não recebemos os textos do Novo Testamento das mãos de seus autores originais, mas de uma forma editada. Não sabemos o nome de nenhum de seus autores além das primeiras sete Cartas de São Paulo. Sabemos que teve uma “escola paulina”, uma “escola mateana” e “uma escola joanina” que contribuíram para esse processo.

O Novo Testamento é o livro da Igreja no sentido que ela o escreveu e editou. Segundo o costume dos historiadores da época, o escritor punha longos discursos na boca de  seus heróis mesmo  não deles. Por isso discursos atribuídos a Jesus, Pedro e Paulo podem não ser deles. (Boring I, 19).

Nenhum dos títulos que aparecem no Novo Testamento foi atribuído por seus autores, mas pela Igreja posteriormente, por exemplo evangelho de Marcos, de Mateus, de João, de Lucas  etc. Por isso os evangelhos são anônimos, sem nome de autor.

1. O evangelho de Lucas e Atos estão muito relacionados com a “escola paulina”. O evangelho de Lucas e Atos são os escritos que trazem longos discursos. Os escritores dos primeiros tempos, como dito atrás, adotavam os métodos convencionais da sua época para fazer história: fabricavam discursos e colocavam na boca dos seus heróis. Assim fizeram Tucídides, considerado o pai da história, Horácio, Tácito e também Josefo, famoso historiador judeu. Por isso os estudiosos afirmam que os historiadores cristãos os imitaram na mesma arte.

E ainda mais: cada historiador tem uma tese e uma teologia própria e por isso  faz os discursos adequados ao seu ponto de vista. Os escritores cristãos, cada um também tinha a sua própria teologia e assim adaptava os discursos à sua teologia.

2. Os primeiros cristãos achavam que estavam vivendo os últimos dias, que incluíam a ressurreição. Estavam convencidos que esses acontecimentos iriam acontecer na vida deles: (“Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao sinal da trombeta, o mesmo Senhor descerá do céu, e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro, depois nós, os vivos, que ainda estamos na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens ao encontro do Senhor nos ares e assim estaremos para sempre com o Senhor”. (1.Tes.4, 13-18). Os 4 evangelistas e suas escolas partilhavam essas certezas.

3 Porém, as gerações iam passando, e as decepções vieram junto porque essas coisas não aconteciam. Quando os esperados fins dos tempos e o reino de Deus vindouro falharam em aparecer, a 2ª e 3ª geração de cristãos desenvolveram  várias formas de responder a esse atraso.

As comunidades de São Pedro resolveram a questão recorrendo ao Salmo 90 que diz: “Mil anos diante de Vós são como o dia de ontem que já passou“ (Sl.90,4). E São Pedro repetiu esse salmo da sua forma: “1.000 anos diante de Deus são como um dia, e um dia como 1.000 anos” (2 Pd.3,8).

4. O evangelho de Lucas resolveu a questão com a sua teologia própria. Ela consta da expressão  que leva a marca dele e de Paulo “Segundo as Escrituras”. Esta teologia de Lucas afirma que o fim dos tempos se concretizou e aconteceu já na vida Jesus e foi manifestado nas ações de Jesus.

Como assim? São Lucas desenvolve que na vida de Jesus tudo obedece a um ”plano de Deus”. Deus tem um “plano para a história”, que obedece ao senhorio de Deus. Em vários lugares Lucas assim descreve esta teologia do plano de Deus, em expressões como “é necessário”, “o que deve acontecer” e “o plano de Deus”. “É necessário que o Filho do homem seja entregue nas mãos dos pecadores, seja morto e ao 3º dia ressuscite” (Lc.24,7). “Ele manifestou o misterioso plano de sua vontade” (Ef. 1,9).

E finalmente na mente dele implodiu e cunhou aquela expressão que ficou célebre “segundo as escrituras”: “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou ao 3º dia segundo as Escrituras” (1 Cor.15,3-4).

5. Na teologia de Lucas este plano de salvação se desenvolve em 3 tempos. Primeiro tempo contando a infância de Jesus e de João; segundo: o tempo de Jesus, e terceiro, o tempo da Igreja. Para o tempo de Jesus, Lucas vai buscar a maneira de narrar no imaginário lendário do Antigo Testamento (Conzelmann). O tempo de Jesus começa com o seu ministério onde afirma que as coisas finais, a escatologia, já está acontecendo na vida de Jesus “Hoje se cumpriu esta Escritura” (Lc.4,21). O tempo da Igreja vai desde o Pentecostes (Lucas é único que traz o pentecostes), até o final da História, a “parusía”.

6. Finalmente, no “tempo da Igreja” Lucas inclui aqui o tempo das nações e do império que, assim como no Antigo Testamento era inseparável da religião. O império e a Igreja eram duas realidades juntas e unidas, e sagradas; no conceito antigo vinham diretamente de Deus. Os povos antigos, entre os quais Israel, não faziam diferença entre Igreja e Estado. Na época de Lucas ainda não havia a moderna separação Igreja-Estado, que só começou no séc.18.

Por  isso encontramos na Bíblia “Todo o poder vem de Deus”, (Rom.13,1) conceito que já não adéqua com os tempos de hoje, e devemos colocar isso na sua época.

Com o tema “intenções da teologia de Lucas encerramos as “intenções da teologia dos evangelhos sinóticos”. Tivemos ocasião de ver que as intenções teológicas dos quatro evangelistas tiveram suas características próprias e teologia diferenciada.

P.Casimiro  smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

domingo, 16 de agosto de 2020

As intenções teológicas de Mateus

 Outra semana vimos as intenções teológicas da Marcos, e João e hoje é a vez de olharmos o evangelho de Mateus, e tentar colocá-lo no seu ambiente.

1. Sobre a igreja.

A palavra “igreja” só se encontra no evangelho de Mateus. Mateus foi escrito no ano 80 depois de Cristo. Local, na Antioquia.

Origem do vocábulo: primeiro, foi aplicado para uma comunidade concreta, a comunidade onde São Pedro era o líder.

Motivação: para se contrapor a outra comunidade paralela da mesma cidade de Antioquia que não aceitava Jesus como o Messias crucificado. Então, para identificar a comunidade liderada pelo apóstolo Pedro ficou escrito “esta é a minha “igreja”, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt.16,18).

Eles não iriam pensar que essa expressão iria ganhar as proporções que ganhou depois para toda a Igreja. Até porque ainda não havia o cânon dos livros canônicos. O Novo Testamento ainda não existia. Só dali a 300 anos no séc IV.

2. Sobre a autoridade de Pedro

Os primeiros apóstolos de Antioquia foram São Barnabé e são Paulo, cf.At.11,25-26. Depois foi para lá também o apóstolo Pedro, e trabalharam  juntos algum tempo e aconteceram atritos entre os dois “Quando porém Pedro veio para Antioquia, enfrentei-o francamente por sua atitude condenável, pois antes de chegarem alguns da parte de Tiago ele comia com os incircuncisos; mas quando vieram aqueles, ele se retraiu e separou-se deles, temendo os circuncisos” (Gl.2.11-14).

Com esse desentendimento São Paulo largou o trabalho em Antioquia e foi fundar as comunidades de Corinto. E começou escrevendo as primeiras Cartas, as chamadas CARTAS PAULINAS, que chegaram também em Antioquia.

Então a comunidade de São Pedro, ou petrina quis destacar a evangelização de Pedro em relação a Paulo, e nos primeiros pergaminhos que estavam sendo escritos do evangelho atribuído depois a Mateus colocaram lá aquelas palavras “ Tu és Pedro, eu  te darei as chaves do reino dos céus” (Mt.18,18), notando que estas chaves só vêm nesse evangelho de Mateus, em nenhum dos outros não tem essas chaves.

Como dissemos antes também, aqui não tinam ideia de que um dia teriam o alcance que tiveram, como aquelas anteriores aplicadas depois para toda a Igreja, e como tendo sido proferidas por Jesus.

3. Sobre a última palavra da Torá: e sobre a expressão “EU VOS DIGO. 

Ao mesmo tempo que esta comunidade se identificava como a “igreja” de Cristo e se considerava como a comunidade messiânica e povo escatológico, herdeiro das promessas do fim do mundo que estava próximo, (Mt.25,31-46 e 5,4), também consideravam o Cristo como a ultima palavra sobre a Torá, e a última palavra de Deus antes do julgamento final. E traduziam essa convicção pelas expressões “EU VOS DIGO” “Ouviram o que foi dito aos antigos, eu porém lhes digo...” (Mt.5,22). Aliás, eles foram também buscar essa expressão ao evangelho apócrifo de Tomé.

4.Sobre a família patriarcal em Mateus e o adultério e o olhar de cobiça. 

Eu porém vos digo, todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma mulher, já adulterou com ela em seu coração” (5,22a). “Aquele que chamar de louco será condenado ao fogo eterno” (5,22b)

Ouçamos o que dizem os eruditos: “Tomando à letra o pecado de chamar louco ou tolo, e de olhar com olhar de cobiça e ser digno do fogo do inferno, estaríamos todos com viagem marcada para lá e ninguém se salvaria” (Koester, História e literatura do cisianismo primitivo, 192). Porém aqui está subentendida uma intenção teológica do evangelho de Mateus em relação à família patriarcal. Qual é? 

Historicamente, era para proteger as famílias palestinas dos ataques tanto das perseguições locais como dos romanos. Na verdade, as famílias dos Sumos Sacerdotes cada uma armava seus próprios esquadrões de assassinos profissionais para extorquir os impostos no campo e dividir entre eles e os romanos. 

E quanto ao divórcio, essas famílias aumentavam as suas propriedades recorrendo ao expediente do divórcio com troca de esposas. Veja como se tinha tornado fácil quando um homem tomar uma mulher e se casar com ela, se ela não tiver mais graça aos seus olhos, lhe dará uma certidão de divórcio” (Dt.24,1).

Com estes quatro itens tivemos ocasião de ter uma ideia das intenções teológicas de Mateus.

P.Casimiro smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br


domingo, 9 de agosto de 2020

As intenções teológicas do evangelho de João

 Data do evangelho de João: por volta de 125 d.C. Local: Na Síria.

Introdução. No início do séc.II começou uma comunidade na Síria, depois das comunidades de Paulo (Corinto) e de Pedro (Antioquia). Foi a comunidade joanina. Era pelo ano 110 d.C. Nessa data já nenhum dos apóstolos era vivo, inclusive o apóstolo João já tinha morrido também.

Esta comunidade foi formada, segundo os eruditos, por cristãos que tinham passado por outras comunidades já mais antigas. E assim começaram rivalizando com essas comunidades. Até porque viviam num ambiente da filosofia gnóstica, muito espalhada nessa área da Síria.


Nesse ambiente é que surgiu a comunidade joanina para recordar a memória do apóstolo João. E foi aí justamente que começaram a ser escritos os primeiros pergaminhos do evangelho de João.


1. Histórico do evangelho de João: o “presbítero João” e o “Discípulo Amado”. 

O evangelho de João foi recebido com muitas suspeitas pelas primeiras comunidades por conta da sua filosofia e teologia gnósticas. Ele circulou primeiro nos círculos gnósticos, e quem o espalhou e comentou primeiro foi Heracleon, mestre gnóstico, para as suas escolas.

Na igreja, os primeiros que falaram nesse evangelho foram São Justino, 150 d.C. e Santo Ireneu, 180 d.C. mas com muitas suspeitas. Quando mesmo ele foi admitido nos livros canónicos foi só em 350 d.C. séc.IV e foi porque nessa época pensaram que o “presbítero João”(1Jo.1,1)” e o “discípulo amado”(Jo.19,26) seriam a mesma pessoa, o  apóstolo João.

Porém, mais à frente e nas últimas investigações certificaram-se  que esse “presbítero João” era um líder das comunidades joaninas, até porque  o apóstolo João já tinha morrido quando o evangelho de João e as epístolas foram escritas.

 “O Que vimos e ouvimos nós vos anunciamos” de 1 Jo.1-4 não é indicativo de que foi escrita por João, mas é uma reivindicação de toda a comunidade como um todo. São Justino em150 d.C. e S.Ireneu em 180 usaram as mesma expressões em suas Cartas.

Aliás no livro de Números do A.Testamento se diz: ”Nós éramos escravos de Faraó” (Num.26,4), e a explicação: Em cada geração um homem deve considerar-se como se ele mesmo tivesse saído do Egito”.

E a outra confusão quanto ao “discípulo amado” averiguou-se que este nome foi dado à sua comunidade, que rivalizava com as outras comunidades


2- Dificuldades de incluir o evangelho de João no livros canônicos

Esta dificuldade era  pelo conteúdo da filosofia gnóstica em que ele se baseava e que ficou ainda muito clara mesmo com a correção para a 2ª edição que chegou até nós, porque a 1ª edição tinha sido rejeitada pelas comunidades da época.

Este evangelho foi primeiramente admitido e aceito nos círculos gnósticos, o que levava muita suspeição pelas comunidades cristãs. E na verdade o 1º comentário ao evangelho de João foi feito pelo mestre gnóstico Heracleon, em 165 d.C., que o introduziu nas escolas gnósticas como atrás já ficou dito.


3- As influências gnósticas no evangelho de João.

3.1- Nos círculos cristãos da comunidade joanina a disputa inicial era sobre se o Messias era um ser humano, de carne e osso, porque se ele era um ser divino não poderia ter matéria; porque a matéria era má e não tinha sido criada por Deus, segundo a filosofia gnóstica.

Porque Deus era intocável e não podia se  misturar com a matéria. Quem criou a matéria teria sido um ser intermédio, o demiurgo que tinha se desprendido da divindade e tornou-se o “senhor deste mundo” ou o “príncipe deste mundo,” como fala o próprio evangelho de João, num dos sinais da  filosofia gnóstica que ainda ficaram no evangelho que leva o seu nome, “Já não falarei mais convosco porque vem o príncipe deste mundo; mas ele não tem nada em mim” (Jo.14,3).

Por isso, as primeiras comunidades joaninas andavam muito misturadas com este gnosticismo, e para elas  Jesus seria só um ser divino. Aliás, no conhecimento que eles tinham de outras religiões, deuses se transvestiam de humanos e vinham passar algum tempo na terra e voltavam para  onde tinham saído.


3.2- A filosofia do “LOGOS”.  Havia outro ramo da mesma filosofia que se baseava no Logos. O Logos era a mesma “Sabedoria” dos Judeus, ou Sofia em grego, que tinha a missão de ser a inteligência do demiurgo. Tanto para os judeus como para os gregos este Logos era companheiro de Deus na criação, e era como deus também pré-existente. No princípio era a Sabedoria que com Deus tinha criado todas as coisas (Prov. 8, 26-27).

Este Logos ou Sabedoria foi traduzido na Biblia como o Verbo,  ou Palavra. No princípio era o Verbo, que no grego era o Logos” (Jo.1,1). O Verbo foi aplicado a Jesus, e só mesmo neste evangelho de João. Logos era um termo-chave tanto no mundo antigo judaico quanto na religião greco-romana. Era o princípio racional que preenchia o universo. Logos é a raiz da palavra Lógica.


3.3- Havia outra corrente que ficou muito ligada ainda às religiões tradicionais, como hoje os que se ligam ao candomblé. Eram os seguidores da deusa Ísis. Nos hinos se cantava assim: “ Eu sou a água viva”; “eu sou a luz da humanidade”; “eu sou o pão da fartura”. Quando esses cristãos se converteram quiseram transferir esses hinos e aplicá-los a Jesus Cristo. Daí todos aqueles “Eu sou” foram escritos nos pergaminhos do evangelho de João. (Boring II, 1223).

Aliás, os cristãos convertidos dos judeus também aplicavam a Jesus os ditos da Torá que era a luz para o Antigo Testamento e a luz da humanidade. Na festa dos Tabernáculos os sacerdotes portavam grandes tochas numa grande procissão da Luz que era a Torá. Por isso, adequava com a mesma coleção dos “cristãos de Ísis”. Assim, a nova luz é Jesus.


4- Os segundos pergaminhos do evangelho de João e a segunda edição.

Estes foram os primeiros pergaminhos do evangelho de João. Porém, os eruditos sustentam que nós recebemos uma 2ªedição do evangelho de João com a insistência na pessoa de Jesus de carne e osso para corrigir as primeiras tendências que olhavam só o lado divino de Cristo


E de uma maneira para nós bastante velada e confusa, nesta 2ªedição vem expressa essa correção em Jo.6.  Não é por acaso que no evangelho de João não vem a instituição da eucaristia mas é substituída por esse  capítulo conhecido como o milagre da multiplicação ou a parábola teológica da multiplicação dos pães, onde o corpo e sangue de Jesus representam a pessoa inteira de Cristo que é objeto da fé das comunidades.

 

5- Para terminar, voltamos àquela observação que foi a dificuldade de aceitar o evangelho de João como canônico, mesmo depois da 2ª edição. Na verdade ficaram ainda muitos rastos da filosofia gnóstica, como aquela citação do demiurgo, ou “o príncipe deste mundo” (Jo.14,3),  ou também “senhor deste mundo” (Jo.12,18). Essa aceitação no cânon só aconteceu no séc. IV. Faltou pouco para que ficasse no rol dos livros apócrifos.


No entanto, como Deus (e a Igreja) escreve direito por linhas tortas a aceitação deveu-se a essa confusão que causou o “engano do nome “o presbítero” e do “discípulo amado” que não sendo o apóstolo João, eles pensaram como sendo o João apóstolo.

P.Casimiro smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

As intenções teológicas de Marcos. O endemoninhado geraseno (Mc.5,1-14)

Passaram à outra margem do lado, ao território dos gerasenos. E assim que saíram da barca, um homem possesso do espirito imundo saiu do cemitério onde tinha o seu refúgio e veio ao seu encontro...Jesus lhe dizia ””Espirito imundo, sai deste homem!” 

...Ora uma grande manada de porcos andava pastando ali junto do monte; E os espíritos suplicavam-lhe: manda-nos para os porcos para entrarmos neles. Então os espirito imundos, tendo saído, entraram nos porcos; e a manada, de uns dois mil, precipitaram-se no mar e afogaram-se” (Mc. 5, 1-14).


Cada evangelho desenvolve uma teologia própria. Vejamos a de Marcos. Esta cena tem a ver com a questão da purificação das mãos antes de comer, e da partilha das refeições de judeus com não judeus. Foi uma luta interna da Igreja que não ficou resolvida depois da morte de Jesus e nem depois da reunião de Jerusalém.


Os cristãos na época de Marcos estavam ensaiando as primeiras viagens missionárias fora dos limites da Judeia. As cenas colocadas aqui são uma parábola teológica sobre o que é puro e não é; tudo é puro, e o evangelho de Marcos quer colocar isso bem claro: que com as ações de Jesus não tem mais animal, nem gente, nem territórios impuros para os pés dos judeus.


Com esta cena forte da “cura do geraseno” o evangelista tem a seguinte lição: como Jesus tinha purificado as terras dos pagãos e não apenas a pessoa individual do “endemoninhado”, então ele declara puros todos os alimentos e todos os territórios. “O que a pessoa come não lhe entra no coração mas vai ao ventre, e daí volta pra natureza, e assim ele declarava puros todos os alimentos” (Mc7,19).


E vem a outra parte paralela do geraseno: “ a manada dos porcos, de uns dois mil, precipitou-se no mar, afogando-se” (Mc.5,13). O território ficou purificado, ao mesmo tempo que a pessoa individual ficou purificada, porque o mar simbolizava o lugar dos monstros, lugar imundo e impuro que é para onde os porcos foram, porque o porco também era imundo. 

Na visão dos estudiosos bíblicos reside aqui a intenção teológica de Marcos em reação a esses dois casos e à sua catequese: a purificação das pessoas e a purificação dos territórios.


Em seguida há uma viagem de Jesus para Jerusalém onde Jesus topa com o cego de Betsaida, e ele o chama de “Filho de Davi”. O mesmo fazem as multidões que nessa mesma viagem aclamam Jesus como “Filho de Davi” após a purificação do templo e a entrada de Jesus em Jerusalém. 

Aqui há algumas intenções de Marcos. A primeira é para dizer que o templo já não existia, já tinha sido destruído no ano de 70 quando as linhas deste evangelho foram escritas, e a segunda é para esclarecer sobre a missão de Jesus.

Sobre o templo: ele já não existia. E agora? Agora é como na Epidemia de 2020: Os judeus que já não dispunham do templo não tinham outro jeito senão ir para as Sinagogas que eram casas mais aconchegadas. 

E os cristãos das comunidades para se considerarem como o espaço da morada de Deus, o novo templo, feito não de pedra e tijolos, mas de pedras vivas que são os cristãos, como disse depois a Carta de Pedro: “Vós também, como pedras vivas, sois edificados como templo espiritual” (1 Pd. 2,5).


E uma terceira intenção ainda: Após estas cenas tem esta ainda: Jesus pergunta sobre Cristo (que quer dizer Messias) e o Filho de Davi, e declarou aos presentes que adequar o Cristo(ou Messias) com o Filho de Davi é um engando profundo: “Continuava a ensinar e propôs esta questão: como dizem os escribas que Cristo (ou Messias) é filho de Davi? Pois se o mesmo Davi falou: disse o Senhor a meu senhor, senta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos sob os teus pés? Ora se o próprio Davi o chamou senhor, como então é ele seu filho?” (Mc. 12,36)


Qual a intenção teológica de Marcos? A questão era responder às perguntas e dúvidas das comunidades se a libertação de Deus viria através da violência militar dos líderes davídicos ou não. Se eles pensavam isso podiam tirar o cavalo da chuva, porque Jesus não era esse Messias (ou Cristo) que segundo Davi iria  usar da violência.


Se Jesus fosse esse Messias davídico, eles podiam esperar dele agir pela violência, e não era esse tal. Dai que Jesus preferiu sempre se apelidar como “Filho do Homem”, que não vinha pela violência mas pelo serviço e doação da vida.

P.Casimiro       smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br