A
chave para o nosso entendimento: O contraste constante e deliberado entre Pedro
e o discípulo Amado, que, como dito já aqui nestas páginas, era o herói
da comunidade joanina. Vejamos que João
fala do Discípulo Amado como de discípulo, não como de um apóstolo.
Para João, discípulo é a primeira categoria, e a aproximação com Jesus,
mais que a missão apostólica, e é essa prerrogativa que lhe confere a
dignidade.
Em
consequência podemos analisar as seguintes passagens em que João destaca o Discípulo
Amado. 1º: O Discípulo Amado reclina-se no peito de Jesus, enquanto Pedro lhe
faz um sinal pedindo uma informação Jo.13,23.
2º:
O discípulo amado acompanha Jesus até dentro do palácio do sumo sacerdote, e Pedro
só entrou a seu pedido expresso, Jo.18,15
3º:O
discípulo amado corre na frente e mostra mais fé quando foram ao túmulo,
Jo.20,4
4º:
O discípulo amado reconhece Jesus na praia e o mostra a Pedro,Jo.4,7.
5º:
O discípulo amado tem um destino que Pedro não sabe, e é um segredo, “o que te importa?” Jo.21,23.
6º:
O discípulo amado aparece ao pé da cruz, enquanto Pedro negou Cristo, e junto
com os outros o deixou sozinho, Jo.19,27. Vejamos as versões dos outros
evangelhos.
Tais
contrates não podem ser acidentais. Veja bem, os três evangelhos sinóticos
dizem que somente Pedro seguiu Jesus até o palácio do sumo sacerdote,
e Lucas diz que só Pedro correu ao
túmulo, e que o Senhor apareceu a Simão (Lc.24,34). Na verdade,
contrapondo o seu herói ao mais famoso dos apóstolos, a comunidade joanina está
simbolicamente contrapondo a si mesma às igrejas que veneravam Pedro
e os Doze.
Temos
ainda mais provas em “desabono” dos “apóstolos”: “Todos vós me abandonareis e vos dispersareis” Jo.16,19 e a cena
de Tomé, que precisou de crescer na fé depois do puxão de orelhas do mestre,”Tu acreditaste porque viste”,Jo.20,24. Isto
com o objetivo de mostrar como se comportaram os “apóstolos” que não teriam as
qualidades de um “discípulo”. Por todos esses dados, os cristãos joaninos,
representados pelo Discípulo Amado consideravam-se abertamente mais
“discípulos” de Jesus, e a comunidade como a antonomásia ou homônima do Discípulo
Amado. Como assim, o “discípulo amado” seria ela.
Para
vermos mais a individualidade do evangelho de João: Diferenças de cristologias:
A
cristologia de João se baseava na preexistência do Verbo; a dos Sinóticos
vinha da tradição judaica e davídica. A de João devia à filosofia gnóstica, de tal maneira que pôde afirmar
o “Eu Sou” de Jesus como Verbo preexistente. (Jo.1,1 e 8,58). João critica
a cristologia das outras comunidades, por exemplo quando põe Jesus a
desconsiderar Felipe “tanto tempo
convosco e ainda não me conheces, Felipe?” Jo.14,9. E comentando sobre Tomé
como dissemos, porque a fé dele tinha que aumentar até chegar ao “meu Senhor e
meu Deus” (Jo.20,24).
Afinal,
desde as Cartas de Paulo havia a afirmação da preexistência, como em Colocenses,
“ele é a imagem do Deus invisível, o
primogênito de toda a Criação” Col. 1,16. Porém estas passagens são
modeladas no formato judaico da “Sabedoria divina” que também foi criada
no começo das obras de Deus.(Prov.8,22). Partindo daí João faz a ponte
da preexistência, passa pela Sabedoria” e chega ao formato
ou gênero evangélico, e chega à conclusão da tese na fórmula: “Antes que Abraão existisse Eu Sou”
(Cf.R.Brown, o.c.p.47-48).
As
diferenças eclesiológicas. Mateus
pensa numa igreja construída sobre Pedro,
na qual Pedro e os doze têm o poder de “ligar e desligar”. No IV evangelho não
tem nenhuma referência à categoria “apóstolo”, e faz de “discípulo” a
primeira categoria cristã, como já indicado atrás, de modo que a
continuidade vem do testemunho de ser discípulo.
Em
vez da instituição e da tradição judaica mantida por Mateus sobre Pedro,
e em vez das “chaves”, ele dá toda a relevância ao Paráclito. O
Paráclito é o guia para toda a verdade, Jo.16,13. E também, ao contrário dos
Sinóticos, João não traz nenhuma palavra sobre o batismo e a eucaristia,
como ordens de Jesus no final do seu ministério.
Vimos
atrás críticas e diferenças. No entanto os cristãos joaninos não eram os únicos
cristãos do Novo Testamento a condenar outros cristãos como falsos. Vimos na
matéria anterior que iam até o ponto de se chamarem de “anticristos”,1Jo.2,18
(Cf.BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 01/08/2021). Porém, mais do que todos, foram os cristãos
joaninos os que mais excluíram claramente os seus adversários, inclusivamente
os que era associados “aos irmãos do Senhor”.
Para
João, o que era essencial na eclesiologia de João? A presença do
Paráclito, que iria atualizar as palavras de Jesus. Nenhuma instituição ou
estrutura podia substituir esta. Esta visão e esta ênfase darão à eclesiologia
joanina o tom diferente dos Sinóticos. Esta diferença é resultante da
cristologia também diferente.
Por
outro lado, a comunidade joanina se considerava com “as ovelhas certas”, e por
isso escreveu: “Tenho outras ovelhas que
não são deste aprisco (grupo); devo conduzi-las também e ouvirão a minha voz, e
haverá um só rebanho e um só pastor”Jo.10,16. E mais à frente, “para que todos
sejam um” (17,21).
Além
destas rejeições, os estudiosos denotam muito sectarismo e senso de superioridade
de João. De tal modo que o Jesus joanino é um estranho que não foi entendido
pelo seu próprio povo e nem mesmo é um “deste mundo”. Implicitamente, os
cristãos joaninos eram os que entendiam melhor Jesus porque eles também eram rejeitados,
perseguidos, e não “eram deste mundo”. E se baseavam na “alta
cristologia” deles onde eram guiados pelo Paráclito. Até o estilo
literário, com seus simbolismo abstrato, e sua técnica de incompreensão
colaborava para isso.
Conclusão:
Não estaremos muito longe da verdade se concluirmos que todo o evangelho de
João é um tratado para impor a sua tese do “Discípulo Amado” e da superioridade
da atuação do Paráclito sobre a estrutura. Lembrando que os cap.5-12 são uma
oposição aos judeus, e os cap. 14-17 uma oposição ao mundo. Além das indicações
expressas acima do “discípulo Amado,” já vinha preparando o ambiente com as
indicações misteriosas de “o outro discípulo”(Jo.1,35; Jo.13,25; Jo.18,15).
Podemos
concluir com a afirmação inicial: O “Discípulo Amado” é uma construção do
evangelho de João que virou símbolo, e mito e ícone da comunidade joanina.
P.Casimiro João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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