domingo, 15 de agosto de 2021

“Não rogo pelo ‘mundo’. Quem era o “mundo”, no significado cosmológico e teológico no evangelho de João.


 

 Não rogo pelo ‘mundo’, mas por aqueles que me deste, porque são teus” (Jo.17,9). Quem são os do ‘mundo’? No primeiro significado cosmológico, o ‘mundo’ era o cosmos, a matéria. Ele não era criatura de Deus, mas dum ser divino secundário a quem os gregos chamavam “demiurgo”, e o evangelho de João lhe chama “príncipe deste mundo”(Jo.14,30),  porque o ser superior não se misturava com a matéria. No evangelho de João este conceito de ‘mundo” tomou um conceito teológico de coisa má, porque incluía a matéria, como depois para Santo Agostinho e não só. E este apelativo de “mundo” e pertencente ao “mundo” começou sendo aplicado aos não-crentes, mas depois também aos judeus. E dali avançou para os cristãos que separaram-se da comunidade original, os “separatistas” que fizeram outras comunidades. Isto é, “mundo” seria tudo o que era alheio a eles.  (Cf BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 18/7/2021). E estas atitudes passaram também para a 1ª Carta de João: “ E há pecado que conduz à morte, não digo que se  reze por eles” (1Jo.5,16), transformando-se numa recusa a orar por outros cristãos que cometeram o ‘pecado mortal’ de se separarem da comunidade deles.

Aa Cartas de João são contra os “separatistas” que em massa deixaram a comunidade por divergências sobre a cristologia (cf.BLOG www.paroquiadechadinha.blogspot.com.br de 08/8/2021). Então os separatistas já não eram mais “irmãos”. Para o autor das Cartas, os “irmãos” eram os da comunidade. Na verdade as disputas internas é que deram origem às Epístolas joaninas.

E aqui aparece a grande anomalia dos escritos de João. Em nenhuma ocasião do Novo Testamento se levanta tanto a voz em favor do amor dentro da fraternidade cristã. Com fervor evangélico o autor afirma: “Quem  não ama seu irmão a quem vê, como poderá amar Deus a quem não vê?” 1 Jo.4,20. No entanto esta mesma voz é implacável em condenar seus adversários que tinham sido membros da sua comunidade. Agora eles são demoníacos, anticristos falsos profetas, “Eis que há muitos anticristos; eles saíram dentre nós, mas não eram dos nossos”( 1Jo.2,18).

Enquanto que os membros da comunidade são exortados a se amarem mutuamente, o trato com os dissidentes deve ser o seguinte: “se alguém vem ter convosco sem ser portador desta doutrina não o recebam em casa nem o saúdem;  aquele que o saúda toma parte em suas obras más” (2 Jo.vv. 10 e 11).

Olhando superficialmente, ficamos maravilhados como o autor joanino mistifica o “amor” enrolado na sua comunidade “nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” Jo. 13,35. Dá a impressão que para a tradição joanina só existia um único mandamentoesse é o meu mandamento” Jo.15,12. Porém, debaixo destas palavras está o radicalismo de se considerarem como ‘irmãos’ somente eles.

Em consequência com esta tese vêm outras afirmações limitadoras: “O Espírito da verdade que o mundo não pode receber porque não o vê nem o conhece mas vós o conheceis porque permanece em vós” (Jo.14,17). E ainda: “Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci” 17,25...não surpreende  numa tradição em que o evangelho coloca Jesus prometendo que aqueles que o conhecem conhecerão também o Pai. Claro que eram eles também os que conheciam o Pai. Assim como eram eles que “agiam segundo a verdade”  e que “se aproximavam da luz” Jo.3,21, e  os “outros” andavam nas trevas porque se afastavam da luz” (Jo.8,12).

Perto de finalizar, comparemos a linguagem dualista empregada por João e nas Cartas, contra o mundo, e os judeus: Os seguidores de Jesus não andavam nas trevas Quem ama seu ‘irmão’ não anda nas trevas,evangelho 8,12. “Quem ama seu ‘irmão’ permanece na luz. Porém, para os outros muda completamente de figura, para uma atitude de condenação: “Vós tendes como pai o demônio, evangelho 8,44. “Aquele que peca é do demônio”; todo o que é nascido de Deus não peca” Carta 1 Jo.3,8. Claro que quem peca são os ‘outros’, e os ‘justos’ são só eles e “nascidos de Deus”. Mas os separatistas diziam que os outros os odeiam com tantas condenações que lhes fazem.

“Quando avaliamos o evangelho de João descobrimos um senso de hostilidade de ‘nós contra eles’. Este fato levou os cristãos de séculos posteriores a ver uma divisão dualista da humanidade; em um “nós” que estamos “salvos” e um “eles” que não estão. Na sua atitude para com os separatistas “nem os recebam nem saúdem “(1 Jo,2,19), ele forneceu incentivos àqueles cristãos de todos os tempos que se sentem justificados odiando outros cristãos por causa do amor de Deus” (R.Brown, o.c.p.141).

Concluindo, é provável que nos cause arrepios esta constatação talvez nunca imaginada por leitores dos escritos atribuídos a João. Mas temos que nos acostumar com a ideia de que os escritos bíblicos foram escritos por gente igual a nós que viveram as mesmas lutas e tiveram as mesmas experiências de amor limitado e grupal,  e repulsa e condenação para quem não pensava igual a eles. E também caíram na tentação de “apropriar-se” da “verdade” de Deus e da sua “salvação” e da presença do seu Espírito ou Paráclito.

Isso mostra um quadro mais leal da vida da Igreja, com mazelas e tudo, como dito no BLOG anterior de 18/7/2021 (Cf. www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br)

P.Casimiro João             smbn

 

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