A
crença na preexistência do Filho de Deus foi a chave da contenda com as
comunidades dissidentes que deixaram a comunidade original. E de tal maneira esta
questão se tornou a bandeira dela, que a luta intensificada pela polêmica sobre
a divindade de Jesus fez esquecer a realidade da sua humanidade. Ou seja, na
cristandade primitiva não havia disputa sobre a humanidade de Jesus.
À
medida que o tempo passava, mais se esqueciam do Jesus histórico, até da data
do nascimento, até se Jesus comia e bebia, até misturarem essas ações após a
Páscoa na pessoa de Jesus. Somente depois que vieram a crer na divindade de
Jesus, sua humanidade se tornou um problema.
O
ponto era o seguinte: O Jesus cuja vida e morte conhecemos é o preexistente
Filho de Deus? E porque todos eles usavam em comum as mesmas palavras “Cristo”
e “Filho de Deus”? A questão era saber como esta terminologia cabia na pessoa
do Jesus em carne e osso. O que significava que o “Filho de Deus” tenha vivido,
e morrido como Jesus morreu?
Preocupadas
com isso, as Epístolas separam as águas nesta afirmação: “Todo o espírito que crê que Jesus Cristo veio na carne é de Deus; e
todo o espírito que não confessa Jesus não é de Deus”(1Jo.4,2-3). Os
estudiosos dizem que os “separatistas” minimizavam a vida terrestre de Jesus.
Eles eram adeptos do gnosticismo e docetismo que negavam qualquer relevância à
humanidade de Jesus, afirmando que era uma aparência enganadora, assim
como suas emoções mais humanas eram também aparentes. Esta teoria foi reforçada
pela descoberta dos escritos da biblioteca de Hammurabi em 1940. Cerinto,
adocionista, dizia que depois do Batismo o Cristo descido de Deus, desceu sobre
ele em forma de pomba, mas no fim se retirou de novo de Jesus. E os versículos
“Jesus, que veio pela água e pelo
sangue”, 1 Jo 5,6 seriam para refutar essa teoria.
Mas
como os separatistas podiam ter esta teoria se eles liam o mesmo evangelho de
João? Os estudiosos entendem que o evangelho de Joao dá entrada para essa
teoria do docetismo adocionista de Cerinto. Vejamos. A palavra (Verbo),
que existia na presença de Deus antes da criação tornou-se carne em Jesus,”E o Verbo se fez carne(Jo.1,1-4; “Veio ao mundo como luz”,(1,9; “Ninguém
subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, o filho do homem que está no céu”,(3,13;
“Aquele que me viu, viu o Pai, como pois
dizeis ‘mostra-nos o Pai” (14,9). E assim essa polêmica teve a vantagem de
revelar o tanto de docetismo que estava escondido no evangelho de João.
Neste
ponto, para aqueles que aduzem que a preexistência de João seria igual à de
Paulo, note-se, quando Paulo falou da “condição divina” de Jesus,”sendo de condição divina não se prevaleceu
da sua igualdade com Deus”(Fil.2,6) comparava Jesus a Adão, criado
também em ‘condição divina’,“imagem
de Deus”,(Gn.1,26), e portanto neste caso esses hinos se referem à vida
terrena de Jesus. Além de que essas passagens paulinas estão em forma hínica
e modeladas pelos hinos sobre a Sabedoria divina que também foi criada no
começo da obra de Deus. (Prov.8,22). Então, tudo em Paulo aparece no tempo e no
espaço presente, enquanto que João dá o salto partindo do gênero hínico do
modelo da Sabedoria, para o formato evangélico. O Jesus joanino durante a vida
terrena quando disse ‘antes que Abraão
nascesse eu sou,Jo8,58, é o Jesus que fala da glória que ele tinha antes
que o mundo existisse, (Jo.17,5). Aí não tem como fugir do formato helenístico
e gnóstico da preexistência do Verbo preexistente(Jo.1,1), e o Verbo encarnado,
(Jo.1,18).
Para
reforço desta reflexão há ainda outras passagens no evangelho em que os separatistas entendiam poder se
apoiar. O jesus joanino lhes parecia como um
homem que nem come nem bebe porque quando falou em alguns elementos lhes
eram colocados no plano espiritual, como “pão”, “água”, “vinho”, tudo isto como
símbolo de realidades espirituais. Quando pergunta ao Filipe para alimentar o
povo, ele ajunta: “falava assim, mas ele
sabia o que iria fazer” Jo.6,5. Quando escolhe Judas: “Jesus sabia desde o princípio quem era aquele que o
entregaria”,Jo.6,54. Para os estudiosos, o Jesus joanino não assumia as
limitações da condição humana.
Num
evento como o Batismo, há sinais de um Jesus preexistente: “Eu não o conhecia, mas para que ele fosse
manifestado a Israel, eu vim batizar”Jo.1,31. Na própria Paixão, há o contexto total
de uma pessoa divina em Jesus sobre os acontecimentos: “dou a minha vida para retomá-la; ninguém tira a minha vida, mas eu a
dou livremente, tenho o poder de entregá-la e o poder de retomá-la”Jo.10,17. No
Getsêmani, todo mundo cai diante de Jesus, diante do “Eu Sou” de
Jesus,(Jo.18,6). E o grupo que acompanhava Jesus pendente da cruz significava
os começos da Igreja (Jo.19,23). E finalmente, para João, a crucificação já é a
ascensão e o pentecostes, “Olharão
para aquele que transpassaram”Jo. 19,37; e depois, do lado aberto doou o Espírito” de onde saíram rios de água viva” Jo.7,38.
Conclusão.
Falei que as Epístolas de João tiveram sua origem para combater os separatistas
da comunidade. Na opinião dos estudiosos, “ambas as partes conheciam a
proclamação do cristianismo que nos foi feita através do IV evangelho, mas que
interpretavam diferentemente” (R. Brown, o.c.p.111). E vimos que o autor das
epístolas se apoia no evangelho de João, mas o próprio evangelho dava entrada para
o que ele combatia.
Vimos
que a tese da cristologia joanina tinha muito de agnosticismo. Essa cristologia
gerava diferentes interpretações: “O
Verbo se fez carne”Jo.1,14, que o autor das Cartas explicava como “Jesus Cristo veio na carne” (1Jo.4,2), mas
também há documentos que traduziam por “o
Verbo apareceu na carne” (o.c.p.113).
Este
versículo é duvidoso se é original, ou se é um acréscimo posterior para
o combate contra os “separatistas”. (o.c. p.113). E ainda: Certas passagens
deverão ser desconsideradas como pertencentes ao IV evangelho, alegando-se que
provavelmente elas não estão nos originais da tradição usada pelos
“separatistas”, mas foram acrescentadas
pelo redator ou mais tarde, como revisão anti-separatista.
Tivemos
ocasião de falar nas diferenças de cristologia, o que levou ao cisma nas
comunidades joaninas. Outras diferenças importantes virão ao caso, como veremos
em temas posteriores, de escatologia e de pneumatologia.
P.Casimiro smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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