domingo, 19 de setembro de 2021

Pneumatologia nos escritos de João: O Jesus que desceria sobre as nuvens, ele já teria vindo na pessoa do Espírito.


 

Não tendes necessidade de que alguém vos ensine?(1 Jo.2,27). “Muitos falsos profetas vieram ao mundo, vocês devem examinar os espíritos para ver se são de Deus”(1 Jo.4,1b). “Caríssimos, não dêem fé a qualquer espírito, mas examinai se os espíritos são de Deus, porque muitos falsos profetas se levantaram no mundo”(1 Jo.4,1a).

O que pretende o autor das Cartas joaninas quando escreve assim? É que certamente ele estava convencido de que os que haviam se separado da comunidade original, se arvoravam em doutores e profetas, se baseando na orientação do Espírito. E eles podiam sustentar essa opinião pela tradição da escola joanina do Espírito no IV evangelho. Para eles, a presença do Paráclito era a mesma que a presença viva de Jesus. O Jesus que era anunciado que desceria sobre as nuvens, nos Sinóticos, ele já tinha vindo na pessoa do Espírito, no pensamento da escola joanina, e já atuava nas suas vidas.

Com efeito, para os Sinóticos o fim do mundo e a descida de Cristo era agora para breve ainda na vida das primeiras gerações cristãs:“Eis o que vos declaramos, por ocasião da vinda do Senhor, nós  que ficamos ainda vivos não precederemos os mortos; quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao sinal da trombeta de Deus, o mesmo Senhor descerá do céu, e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro; depois nós, os vivos, os que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens ao encontro do Senhor, nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor”(1 Tes.4,15-17). E no evangelho:”Em verdade vos digo, não acabareis de percorrer as cidades de Israel antes que volte o Filho do Homem” (Mt.10,23). No entanto, como isso não aconteceu e seguiu-se geração atrás de geração, houve três atitudes: Uns se decepcionaram propalando que isso nunca iria acontecer; outros protelavam para um tempo só por Deus conhecido; e outros, os joanitas, formaram a teoria que Jesus já tinha voltado na pessoa de Espírito Santo Paráclito: “entretanto  eu digo-vos a verdade: convém a vós que eu vá, porque se eu não for, o Paráclito não virá até vós, mas se eu for, eu o enviarei”(Jo.16,7). “E ele vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que eu vos ensinei”(Jo.14,26). “Quando  vier o Paráclito, o Espírito da verdade, vos ensinará toda a verdade porque não falará por si mesmo mas dirá o que ouvir e vos anunciará as coisas que virão”(Jo.16,13).

Vimos noutro página que a escatologia de João já estava se realizando. A escatologia se concretizava na parusía, a última vinda de Cristo, e ela já estava realizada pela vinda do Espírito Santo. (Cf. BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 1/8/2021).

Quando estava sendo escrito o evangelho de João ocorria uma crescente institucionalização dos cargos eclesiásticos, pelo final do século primeiro. Essa atitude correspondia ao fato de que os apóstolos estavam morrendo e outros já tinham falecido, e era urgente preencher essas vagas. Porém, isso não dizia nada em relação ao caso, porque as comunidades joaninas diferiam das igrejas apostólicas neste ponto. Na tradição joanina a posição do Paráclito exercia a função de mestre e de qualquer chefe da igreja. Aliás, isso é fruto da tradição deixada pelo “Discípulo Amado”, que não era um “apóstolo, mas só “discípulo”, e como tal era guiado diretamente pelo Espírito, e não por Cristo, como eram os apóstolos e as igrejas por eles fundadas, as igreja apostólicas. É neste sentido que os estudiosos chamam de “igrejas apostólicas” essas outras igrejas, para distingui-las da igreja joanina, também chamada de “escola joanina”. E do mesmo jeito ao conjunto das “igrejas apostólicas” se deu depois o nome de “a Grande igreja”(Cf. BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 15/8/2021).

A conclusão é que a autoridade do Paráclito substituía a estrutura do presbítero nas comunidades joaninas, “eu vos darei outro Paráclito para que fique eternamente convosco       “ (Jo.14,16)

De qualquer maneira que fosse, formaram-se várias comunidades, quando debandaram da comunidade original do “Discípulo Amado”,  ou joaninas, devido à intransigência e espirito de exclusão da mesma comunidade joanina. E devido a que o apelido “mundo” foi o apelido  ou injúria padronizada para quem deixava a comunidade, ainda que inicialmente era direcionada aos não-crentes. Vejamos a queixa que traduz essa realidade: “Eles (os outros) são “do mundo”, é por isso que o mundo os escuta” (1Jo.4,5). E ainda:”Muitos sedutores espalharam-se pelo mundo, que não confessam a Jesus encarnado”(2Jo.v.7). Estas referências denotam o sucesso desses do “mundo” e indicam sem dúvida que numericamente eles ganharam muitos adeptos, o que surpreendeu o autor. Por sua vez, esses adeptos separados estariam convencidos de que eles eram a verdadeira comunidade.

Perto de concluir, eis algumas observações a respeito da aceitação do evangelho de João. Ele foi o primeiro escrito cristão a ser aceito nos círculos gnósticos, docetas, cerintianos, montanistas e valentinianos. Montano, 170 d.C. chegou a falar numa “encarnação do Paráclito” (R. Brown o.c. p.154). Eusébio disse que São Policarpo ouviu João apóstolo, mas ele nunca citou o evangelho do discípulo amado. Cerinto afirmava que a Pomba que apareceu no Batismo era o poder superior que tomou conta da pessoa de Jesus, mas depois o deixou e só voltou após a ressurreição para levá-lo de volta para onde ele tinha saído (“Saí do Pai e vim ao mundo, outra vez deixo o mundo e vou para o Pai”Jo.16,28).

Ajunte-se a isto a falta de citações dos primeiros Padres que em nenhuma vez o citaram. O evangelho de João só foi aceito no séc.IV. Por quê conseguiu ser aceito? Porque foi ressuscitada uma hipótese de ter tido origem no apóstolo João, a parir de S.Irineu que considerava legítima de João a 1ª Epístola, o que depois se provou que também isso não era verdade. Eusébio, na sua História eclesiástica chama a atenção enfaticamente para a distinção que Papias faz entre dois João, o filho de Zebedeu, e o “Ancião”(R. Bauckham, “Jesus e as testemunhas oculares”, p.539). O Código de Muratori, séc.II, a primeira listagem do Novo Testamento, dá a entender que João era discípulo, assim como Aristão, mas não membro dos Doze. (o.c.p.546).

Conclusão. Convenhamos que as primeiras igrejas de Paulo, de Lucas e de João torciam mais pela liderança do Espírito do que pelas instituições. As estruturas que vieram diretamente do Antigo Testamento grudaram efetivamente e notoriamente nas comunidades fundadas por Pedro, que são as comunidades mateanas. Tanto assim que os textos referentes a Pedro e às “chaves”, e “o caminhar sobre o mar para subir para a barca” (leia igreja) só vêm no evangelho de Mateus unicamente. (Mt. 14,22ss).

Por outro lado, a igreja do séc.II e III começou a ser tentada pelas benesses e pelos cargos hierárquicos assalariados, justo copiando do império romano. E foi por esses dois motivos que a Igreja adotou a teologia, a cristologia e a eclesiologia de Mateus, com Pedro como seu ícone. Sem querer querendo, vejamos como reza o Prefácio da festa de São Pedro e São Paulo: “Pedro, o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de Israel” (Missal Romano). Esta eclesiologia chegou até hoje, aglutinando todas as outras variações possíveis de ser  igreja no mundo.

P.Casimiro    smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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