“Não
tendes necessidade de que alguém vos ensine?(1 Jo.2,27). “Muitos falsos
profetas vieram ao mundo, vocês devem examinar os espíritos para ver se são de
Deus”(1 Jo.4,1b). “Caríssimos, não dêem fé a qualquer espírito, mas examinai se
os espíritos são de Deus, porque muitos falsos profetas se levantaram no
mundo”(1 Jo.4,1a).
O que pretende o autor das Cartas joaninas
quando escreve assim? É que certamente ele estava convencido de que os que
haviam se separado da comunidade original, se arvoravam em doutores e profetas,
se baseando na orientação do Espírito. E eles podiam sustentar essa opinião
pela tradição da escola joanina do Espírito no IV evangelho. Para eles,
a presença do Paráclito era a mesma que a presença viva de Jesus. O
Jesus que era anunciado que desceria sobre as nuvens, nos Sinóticos, ele já
tinha vindo na pessoa do Espírito, no pensamento da escola joanina, e já
atuava nas suas vidas.
Com efeito, para os Sinóticos o fim do
mundo e a descida de Cristo era agora para breve ainda na vida das primeiras
gerações cristãs:“Eis o que vos
declaramos, por ocasião da vinda do Senhor, nós
que ficamos ainda vivos não precederemos os mortos; quando for dado o
sinal, à voz do arcanjo e ao sinal da trombeta de Deus, o mesmo Senhor descerá
do céu, e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro; depois nós, os vivos,
os que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre as
nuvens ao encontro do Senhor, nos ares, e assim estaremos para sempre com o
Senhor”(1 Tes.4,15-17). E no evangelho:”Em
verdade vos digo, não acabareis de percorrer as cidades de Israel antes que
volte o Filho do Homem” (Mt.10,23). No entanto, como isso não aconteceu e
seguiu-se geração atrás de geração, houve três atitudes: Uns se decepcionaram
propalando que isso nunca iria acontecer; outros protelavam para um tempo só
por Deus conhecido; e outros, os joanitas, formaram a teoria que Jesus já tinha
voltado na pessoa de Espírito Santo Paráclito: “entretanto eu digo-vos a
verdade: convém a vós que eu vá, porque se eu não for, o Paráclito não virá até
vós, mas se eu for, eu o enviarei”(Jo.16,7). “E ele vos ensinará todas as
coisas e vos recordará tudo o que eu vos ensinei”(Jo.14,26). “Quando vier o Paráclito, o Espírito da verdade, vos
ensinará toda a verdade porque não falará por si mesmo mas dirá o que ouvir e
vos anunciará as coisas que virão”(Jo.16,13).
Vimos noutro página que a escatologia
de João já estava se realizando. A escatologia se concretizava na parusía,
a última vinda de Cristo, e ela já estava realizada pela vinda do Espírito
Santo. (Cf. BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
de 1/8/2021).
Quando estava sendo escrito o evangelho
de João ocorria uma crescente institucionalização dos cargos eclesiásticos,
pelo final do século primeiro. Essa atitude correspondia ao fato de que os
apóstolos estavam morrendo e outros já tinham falecido, e era urgente preencher
essas vagas. Porém, isso não dizia nada em relação ao caso, porque as comunidades
joaninas diferiam das igrejas apostólicas neste ponto. Na tradição
joanina a posição do Paráclito exercia a função de mestre e de qualquer
chefe da igreja. Aliás, isso é fruto da tradição deixada pelo “Discípulo
Amado”, que não era um “apóstolo, mas só “discípulo”, e como tal era
guiado diretamente pelo Espírito, e não por Cristo, como eram os apóstolos e as
igrejas por eles fundadas, as igreja apostólicas. É neste sentido que os
estudiosos chamam de “igrejas apostólicas” essas outras igrejas, para
distingui-las da igreja joanina, também chamada de “escola joanina”. E do mesmo jeito ao conjunto das “igrejas
apostólicas” se deu depois o nome de “a Grande igreja”(Cf. BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
de 15/8/2021).
A conclusão é que a autoridade do
Paráclito substituía a estrutura do presbítero nas comunidades joaninas,
“eu vos darei outro Paráclito para
que fique eternamente convosco “
(Jo.14,16)
De qualquer maneira que fosse,
formaram-se várias comunidades, quando debandaram da comunidade original do
“Discípulo Amado”, ou joaninas, devido à
intransigência e espirito de exclusão da mesma comunidade joanina. E devido a
que o apelido “mundo” foi o apelido ou injúria padronizada para quem
deixava a comunidade, ainda que inicialmente era direcionada aos não-crentes.
Vejamos a queixa que traduz essa realidade: “Eles (os outros) são “do mundo”, é por isso que o mundo os escuta” (1Jo.4,5).
E ainda:”Muitos sedutores espalharam-se
pelo mundo, que não confessam a Jesus encarnado”(2Jo.v.7). Estas
referências denotam o sucesso desses do “mundo” e indicam sem dúvida que
numericamente eles ganharam muitos adeptos, o que surpreendeu o autor. Por sua
vez, esses adeptos separados estariam convencidos de que eles eram a verdadeira
comunidade.
Perto de concluir, eis algumas
observações a respeito da aceitação do evangelho de João. Ele foi o primeiro
escrito cristão a ser aceito nos círculos gnósticos, docetas, cerintianos,
montanistas e valentinianos. Montano, 170 d.C. chegou a falar numa “encarnação
do Paráclito” (R. Brown o.c. p.154). Eusébio disse que São Policarpo ouviu João
apóstolo, mas ele nunca citou o evangelho do discípulo amado. Cerinto
afirmava que a Pomba que apareceu no Batismo era o poder superior que tomou
conta da pessoa de Jesus, mas depois o deixou e só voltou após a ressurreição
para levá-lo de volta para onde ele tinha saído (“Saí do Pai e vim ao mundo, outra vez deixo o mundo e vou para o
Pai”Jo.16,28).
Ajunte-se a isto a falta de citações
dos primeiros Padres que em nenhuma vez o citaram. O evangelho de João só foi
aceito no séc.IV. Por quê conseguiu ser aceito? Porque foi ressuscitada uma
hipótese de ter tido origem no apóstolo João, a parir de S.Irineu que
considerava legítima de João a 1ª Epístola, o que depois se provou que também
isso não era verdade. Eusébio, na sua História eclesiástica chama
a atenção enfaticamente para a distinção que Papias faz entre dois
João, o filho de Zebedeu, e o “Ancião”(R. Bauckham, “Jesus e
as testemunhas oculares”, p.539). O Código de Muratori, séc.II, a
primeira listagem do Novo Testamento, dá a entender que João era discípulo,
assim como Aristão, mas não membro dos Doze. (o.c.p.546).
Conclusão. Convenhamos que as primeiras
igrejas de Paulo, de Lucas e de João torciam mais pela liderança do Espírito do
que pelas instituições. As estruturas que vieram diretamente do Antigo
Testamento grudaram efetivamente e notoriamente nas comunidades fundadas por
Pedro, que são as comunidades mateanas. Tanto assim que os textos referentes a
Pedro e às “chaves”, e “o caminhar sobre o mar para subir para a barca” (leia
igreja) só vêm no evangelho de Mateus unicamente. (Mt. 14,22ss).
Por outro lado, a igreja do séc.II e
III começou a ser tentada pelas benesses e pelos cargos hierárquicos
assalariados, justo copiando do império romano. E foi por esses dois motivos
que a Igreja adotou a teologia, a cristologia e a eclesiologia de Mateus, com
Pedro como seu ícone. Sem querer querendo, vejamos como reza o Prefácio
da festa de São Pedro e São Paulo: “Pedro,
o primeiro a proclamar a fé, fundou a Igreja primitiva sobre a herança de
Israel” (Missal Romano). Esta eclesiologia chegou até hoje, aglutinando
todas as outras variações possíveis de ser
igreja no mundo.
P.Casimiro smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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