domingo, 26 de setembro de 2021

O PÃO DO CÉU E A CRISTOLOGIA DE JOÃO: ACEITAR MOISÉS OU JESUS, EIS A QUESTÃO.


 

1. O problema. Aceitar Moisés ou Jesus, neste discurso “deu-lhes a comer o pão vindo do céu”,Jo6.31. Pedindo um sinal a Jesus, os judeus apresentaram esse sinal que Moisés lhes deu. A resposta de Jesus: “Não foi Moisés que lhes deu o pão do céu, mas o meu Pai é quem vos dá o pão  do céu” (Jo.6,32).

Como já foi falado noutra página, o primeiro problema aqui era “aceitar Moisés, ou Jesus, como já tinha feito  Paulo aos seus cristãos noutra ocasião a respeito da Lei e da graça (BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 22/8/21). Aqui, a proposta ao vivo, o mesmo dilema a respeito da Cristologia no evangelho de João.

Paulo propunha o tema da graça que supera a Lei para a salvação, a justificação pela fé; aqui João propõe a salvação pela pessoa de Jesus, e já não pela pessoa de Moisés. Notemos o detalhe:”Vossos pais comeram o maná mas morreram, este ó o pão que desceu do céu para que não morra todo aquele que dele comer; quem comer deste pão viverá eternamente”(Jo.6,50-51). Porque não morre quem dele comer? Porque na cristologia joanina quem aceitou Jesus já não vai precisar morrer para ver a Deus. Nesta vida já tem Deus e vê a Deus“quem me viu viu o Pai” (Jo.14,9). Semelhantemente à cristologia de Paulo “nós os vivos que estamos ainda na terra seremos arrebatados sobre as nuvens ao encontro do Senhor, nos ares”(1Tes.4,17).

Portanto, a respeito do pedido dos judeus,“Moisés deu-nos o pão do céu”Jo.6,31, e “tu que sinal nos dás, qual é a tua obra?” Jo.6,39, João propõe aqui a resposta da diferença e da origem do pão:“Moisés não vos deu o pão do céu”Jo.6,32, o pão agora é Jesus “eu sou o pão descido do céu”Jo.6,41. Ele mesmo é que é o pão descido do céu. E ainda: “Eles morreram”Jo.6,49, porém “quem come deste pão viverá eternamente”Jo.6,51 isto é, nem vai precisar de morrer para ver Deus (Cf.BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 05/9/2021).

2. Este pão que desceu do céu é aceitar Jesus com a sua humanidade. Dentro das comunidades joaninas havia tendências diferenciadas a respeito de Jesus: os adocionistas pensando que Jesus era só adotado por Deus; subordinacionistas, que era deus, mas subordinado a Deus; e separacionistas que pensavam que depois da morte de Jesus a divindade tinha deixado a humanidade, e por isso a humanidade de Jesus seria só aparente, e também como consequência a sua morte. Eram as cristologias em oposição. Este discurso tem por finalidade declarar para as comunidades o objetivo de aceitar Jesus na sua humanidade, embora numa explicação com  viés gnóstico.

3. João não tem em vista tanto o sacramento, mas a cristologia. Tanto assim que não escreveu nada sobre o rito da instituição da Ceia, mas objetiva resolver as diferenças cristológicas. E na pessoa de Jesus reforça o serviço à comunidade, no símbolo do lava-pés e do avental do serviço. Versículos que fazem referência aos materiais sacramentais certamente foram interpolados mais tarde por um redator eclesiástico, no séc.IV, como por exemplo Jo.6,51-58, dada a dificuldade que este evangelho tinha encontrado para ser incluído no Cânon. (R.Brown A comunidade joanina, p.111).

4. Pão do céu. Tanto esta expressão idiomática foi cristalizada pelos tempos afora, que viralizou numa espiritualidade desencarnada. Tanto assim que quase ninguém pensa na abrangência dessa cristologia. Sendo uma metáfora de Jesus: o que ele foi e o que  ele é: a pessoa doada para que todos tivessem pão do alimento nas mesas, e pão de inteligência em suas cabeças, e pão de amor em seus corações. Foi isso que revoltou romanos e judeus quando condenaram Jesus. Porque quem quer o alimento do povo revolta os dominadores, e não só o alimento do estômago, mas o pão abrangente da pessoa humana. É constatado que os países colonizadores e opressores eram todos países cristãos e tinham em seu programa o ”pão do céu”, mas não o “pão da terra”. Assim como o nosso país de hoje fala muito em pão do céu mas tira o pão da terra, como os antigos. Estratégia “espiritualista” para alienar o cidadão e mantê-lo numa anestesia divina, descida do céu. E ainda se fala no “pão dos anjos”, como? Se anjos não comem, isso não existe. E são estes países onde o povo continua sofrendo de fome, e sem teto, sem moradia, sem terra e sem chances de trabalho e chances de escola.

Na verdade. O “pão do céu se não produzir o “pão da terra” é uma quimera. O “pão do céu” se não produz o “pão da terra” pode ser uma ilusão.

P.Casimiro João    smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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