Até ao Vaticano II havia o capítulo da teologia que tratava da “salvação dos infiéis”. E cabia aí a tese de que os “infiéis”, isto é, os não batizados, poderiam se salvar se cumprissem os ditames da sua consciência. A nova teologia das religiões ela se interessa menos pelas disposições subjetivas dos membros dessas religiões do que pelas próprias religiões, nos seus elementos constitutivos. E não hesita em afirmar que elas podem ser portadoras de valores positivos de salvação. Deste modo, ”a grande maioria dos teólogos sustenta de bom grado que os milhões de seres humanos que não reconheceram e não reconhecem Jesus Cristo como o único Mediador entre Deus e os homens podem se salvar, malgrado sua pertença a esta ou àquela tradição religiosa, mas nela e através dela. Esse otimismo teológico era impensável ontem tanto no seio do catolicismo como do protestantismo” (C.Geffé, Babel ao Pentecostes, p.149).
Antes
do Vaticano II havia também a Apologética, paralelamente à teologia da “salvação
dos infiéis”, ou “pagãos”. E já vimos noutras páginas deste Blog que até as
crianças sem batismo eram incluídas nessa classe dos pagãos e portanto sem
possibilidades de entrar no céu. A Apologética tinha por finalidade a
defesa das verdades do cristianismo. Os primeiros Padres gregos descobriram
sementes do Logos na sabedoria das nações, de modo especial na filosofia grega.
O primeiro que falou nas “sementes do Verbo” foi São Justino. Porém, ao mesmo
tempo condenavam severamente as religiões pagãs de seu tempo. A teologia
contemporânea reconhece valores de bondade, de verdade e até de santidade nas
grandes religiões do mundo. A Igreja, como as outras Igrejas mantinha a tese
que só ela era a portadora da salvação. Porém, a teologia do ecumenismo e a
teologia das religiões mantém a tese de que “toda a história humana, desde as
origens, é uma história de salvação, muito antes da “história santa” de
Israel que encontra seu acabamento com a vinda de Cristo” (o.c.p.150).
Entramos
assim no conceito e no diálogo entre o inacabado das religiões.
Partimos do princípio que todo o inacabado tem verdades, mas não a
verdade por inteiro, inclusive o cristianismo. No entanto a Apologética
mantinha que a verdade por inteiro estava no cristianismo. Na verdade, o
diálogo se joga entre verdades plurais. Como dissemos no capítulo anterior, a
verdade é plural. (www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br. 10/7/22). O diálogo é portanto uma ponte entre parcelas da
verdade. É oportuno citar aqui o que diz uma afirmação do grande Paulo Freire:
“Gosto de ser gente porque, inacabado,
sei que sou um ser condicionado, mas,
consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além. Esta é a diferença
entre o ser condicionado e o ser determinado” (Pedagogia da
Autonomia, p.53).
Se
nos fosse permitido uma digressão pelas primeiras comunidades, iriamos
constatar o seguinte: quando lemos no evangelho de João o episódio hilárico das
três perguntas a Pedro, “se tu me
amas?”(Jo.21,15), vem ao caso a polêmica das primeiras comunidades joaninas
versus as “petrinas”, ou de Pedro. Diz-se de Pedro porque eram as comunidades
de Antioquia, evangelizas por Pedro. Os autores estão de acordo que as
primeiras, as comunidades joaninas, se consideravam as mais prestigiadas e mais preferidas, e mais
perfeitas e iluminadas. Mas passados anos, um redator póstumo teve a ideia de
acrescentar essa parte do cap.21 ao evangelho de João para “resgatar” as
comunidades de Pedro, mas ainda assim apresentando um Pedro debilitado, fraco,
e negador, ”Pedro ficou triste por ser
perguntado por três vezes se tu me amas”(Jo.21,17). Para confirmar isto vejamos que o evangelho de
João nunca faz referência às “chaves” do poder de Pedro confiadas por Cristo a
Pedro em Cesareia de Felipe (Mt.16,18). Aliás também só as
comunidades petrinas prestigiaram Pedro desse jeito no evangelho
de Mateus. Só o evangelho de Mateus, escrito na Antioquia, é que traz esse
elemento das “chaves”, porque Marcos e Lucas só trazem a
afirmação “tu és o Messias”, mas nada
sobre as “chaves”. Observe que Mateus foi buscar o “poder das chaves” a Isaias
no episódio de Eliaquin, quando lhe foram entregues as chaves do palácio após a
volta do exílio da Babilônia(Is.22,22). Cada evangelista apresentava o que
convinha à sua comunidade. Sirva-nos essa digressão para constatar o inacabado
que vem desde o inicio da Igreja.
Sobre
esta filosofia e teologia do inacabado podemos avançar o seguinte: Um
verdadeiro diálogo se situa num plano de igualdade e não estabelece
preliminares no ponto de partida, como confirma o sociólogo Paulo Freire: “com meu interlocutor pela frente, não posso
menosprezá-lo com um discurso em que, cheio de mim mesmo, eu o possa tratar com
desdém, do alto de minha falsa superioridade” (Paulo Freire, a Pedagogia da
autonomia, 2015, 51ª edição, p.49). Por outro lado, só há diálogo se cada
um permanecer fiel a si mesmo, como diz o mesmo sociólogo: “a assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a “outredade”
do não “eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade do meu eu”
(o.c.p.42). E no caso do diálogo inter-religioso é no seio mesmo de meu engajamento
na minha verdade religiosa que encontro o outro na sua diferença, respeitada, e
a sua própria pretensão à verdade. Graças ao debate de ideias posso superar
meus preconceitos e chegar a outra visão não só da verdade do outro mas da
minha própria verdade” (C.Geffé, o.c.p.154).
No
diálogo “há um que, ensinando, aprende; outro que, aprendendo, ensina. ”(Paulo Freire
o.c.p.68). E continua: “Como um vivente
crítico, sou um ‘aventureiro’ responsável, predisposto à mudança, à aceitação
do diferente. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a
“outredade” do não “eu”, ou do tu que me faz assumir a
radicalidade do meu eu” (o.c.p.42), como dissemos. No seu livro "Curso fundamental da Fé" Karl Rahner traz a seguinte afirmação: "Não é o conteúdo concreto dessa história antes de Cristo na antiga aliança que a constitui históra da revelação (pois categorialmente nada acontece que não aconteça também na história de outros povos), mas é a interpretação dessa história como evento de comunhão dialogal com Deus e como tendência para o futuro aberto que torna essa história, históra de revelação"(o.c.p.204).
Conclusão. Como antes dito, tivemos ocasião de ver a evolução do
ecumenismo interconfessional para o inter-religioso, abrangendo as religiões
dos que a Igreja tradicionalmente chamava de “infiéis”. Este ecumenismo está
evoluindo agora para um ecumenismo planetário. E vimos que a nova teologia deve
ser abrangente até a inclusão da visão de como Deus é experimentado nas
religiões do planeta. Porque os milhões de seres humanos que não reconhecem
Jesus Cristo como mediador único, eles poderão obter a salvação em e através
das suas tradições religiosas.
Só
há um caminho para o êxito deste novo ecumenismo planetário, a teologia das
religiões e o diálogo com esse grande mundo agora tão próximo e antes tão
desconhecido. Como dizia o velho adágio “não
há ninguém tão pobre que não possa dar nada, e nem tão rico que não precise de
nada”. O que agora se traduz no adágio que falou Paulo Freire: “O que pensa ensinar aprende, e o que pensa
em aprender, ensina”.
P.Casimiro
João smbn
www.paroquuiadechapadinha.blogspot.com.br
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