Tem gente que “fechou” com Cristo e que
declara que “só Cristo salva”. Porém, 80%por cento da humanidade está
consciente que “só Deus salva”. Eles sabem que só Deus salva “por Cristo”, ou
quem sabe, também “sem Cristo”. Iremos colocar a nossa reflexão hoje neste
campo, e, como prometi no tema anterior, focar hoje a atenção sobre a teologia
do pluralismo de direito das religiões, uma vez que já falei no
pluralismo de fato.
Partimos do dado que “a verdade cristã
é um permanente futuro e depende das questões novas levantadas pela evolução do
homem e do mundo, e a Igreja permanece sempre aberta para um futuro inédito”.
(Claude Geffé, Pentecostes e Babel, p.142). Galileu Galilei disse que a verdade
não vem da autoridade mas da história.
“A teologia clássica apelou para uma
concepção de tal modo absolutista da verdade objetiva, que não imaginava poder
reconhecer verdades diferentes sem comprometer, no mesmo instante, sua pretensão
à verdade. Teimava em considerá-las como verdades degradadas, ou preparações
longínquas da única verdade de excelência e de integração”(o.c.p.143). “A
essência da verdade é ser partilhada, porque é
uma parte de Deus”, disse o místico alemão Frei Rosenzwueg.
Aristóteles definia a verdade
metafísica como adequação da inteligência com a realidade. A teologia tem a
verdade bíblica como manifestação ou antecipação da plenitude da verdade divina
e do sentido da história que está sempre em devir e em evolução e por isso com
dimensões ainda por desdobrar no seu radar. A oposição de uma afirmação
verdadeira é uma afirmação falsa, mas o oposto de uma verdade profunda pode ser
uma outra verdade profunda, disse o físico Niels Bohr. Por isso constatamos que
a verdade já é plural no interior do cristianismo e que ela contém seus
próprios princípios de relativização
(o.c.p.139).
A questão da “Única religião” nos
convida a instaurar, na teologia cristã, uma nova relação com a verdade. Num
primeiro tempo essa constatação de uma pluralidade de verdades religiosas é
vivida como uma experiência que põe em questão o conforto de nossas certezas
cristãs. E nos leva a nos questionar sobre o tradicional jargão de “religião
verdadeira”. Num segundo tempo, a experiência do pluralismo religioso nos
convida de preferência, a encontrar o sentido original da verdade cristã, que é
de ordem diferente da ordem da verdade mais comumente admitida na nossa
teologia escolar.(o.c.p.139). Como falámos, já a verdade cada vez mais aparece
no nosso radar como plural no interior do cristianismo, e que ela contém seus
próprios princípios de relativização.
Na 1.a Carta aos Coríntios Paulo enxerga
uma luz no fundo do túnel para esta teologia quando diz: “Hoje vemos como por um espelho,
confusamente. Hoje conheço e em parte sou conhecido...Por ora subsistem a fé, a
esperança e o amor – as três. Porém, a maior delas é o amor”(1Cor.13,13). Vale
dizer, o amor vale mais do que a fé. A fé se traduz em teologias, e “em verdades”
parceladas. Só o amor é total. Deus não cabe nas parcelas da fé, só cabe no
total da caridade. A fé pode dividir, só o amor une.
Os primeiros Padres da Igreja
reservavam para as filosofias dos grandes filósofos gregos o privilégio de
serem “sementes do Verbo”. Os Padres conciliares do Concilio Vaticano II
expandiram as “sementes do Verbo” para todas as religiões.(Decr. Ad gentes,
c.2,n.11). Isso nos leva a não confundir a universalidade do mistério de Cristo
com a universalidade do cristianismo, o que significa dizer que encarnação de
Cristo é mais universal do que o cristianismo histórico e concreto. Isto nos
leva ao fundamento teológico da teologia cristã das religiões: “O Logos é o
princípio da automanifestação de Deus tanto no universo como na história. E a
“carne” não designa uma substância material mas a existência histórica do
homem”, como afirma Paul Tillich, na sua Systematic Theology (o.c.p.96). E Paul Tillich vai buscar este fundamento na
2.a Carta aos Corintiios:”Porque é Deus
que em Cristo reconciliava consigo o mundo, não levando mais em conta os
pecados dos homens” (2Cor.5,19).
Por outro lado, C.Ducquoc afirma esta
realidade por outras palavras na publicação “Dieu different“, Paris 1978: “Deus
não torna absoluta uma particularidade: ele declara, ao contrário, que nenhuma
particularidade histórica é absoluta e que, em virtude desse relatividade, Deus
pode ser encontrado na nossa história”(o.c.p.99).
Daí que os teólogos afirmam que há uma
“revelação geral” imanente à história religiosa da humanidade, a qual também
Karl Rahner chama “revelação transcendental” de combinado com a revelação
“categorial” da revelação bíblica. Tudo isto de acordo com o Concílio Vaticano
II que admite a presença universal do Logos que “ilumina todo homem que vem a este mundo”(Jo.1,9) e adequando
com João Paulo II em Assis, que “toda a oração autêntica é inspirada por Deus.
Aliás, já os Atos dos Apóstolos logo sinalizaram isso mesmo quando falam que o
“Espirito fala em todas as línguas”(Cf.At.2,4).
Esta ordem que estamos seguindo nos
leva ao paradoxo da relação entre o concreto e o Absoluto que se encontra
presente na revelação bíblica e nas revelação global das religiões. Qual é o
paradoxo, e suas consequências? O paradoxo é que cada religião é um dado
concreto e histórico mas pretende legitimamente possuir a revelação global do
Absoluto. Isto é, concreto versus Absoluto. E devido a isso, a teologia das religiões
coloca a seguinte tese, dos inconciliáveis: o paradoxo da revelação perfeita
deriva do fato de que ela deve conciliar, em si mesma, o duplo aspecto da
realização concreta, e ao mesmo tempo o protesto ou afirmação que faz irrupção
e provoca o abalo. (o.c.p.101). Isto é, toda a revelação, e também o
cristianismo, traz no seu bojo a certeza que alcança Deus, mas que é muito mais
o que deixa de alcançar. E, como consequência, deve abrir os braços para
as outras revelações.
Enquanto que cada religião é uma via
concreta de salvação, enquanto histórica e particular, ao mesmo tempo se
afirma e se nega a si mesma. Por outra perspectiva, atendendo à própria
essência, por exemplo do cristianismo, é óbvio que esta essência não
foi realizada ou atingida totalmente em nenhum época em nenhuma das realizações
históricas. Por isso o slogan de “santa
e pecadora” , e assim todos os humanos. Porquê? Porque em todos os
tempos houve experiências fragmentárias da fé e práticas fragmentárias do amor.
Por isso toda a religião está sob o julgamento do incondicional.
A consequência prática desta tese é
colocada assim: a missão da Igreja não será tanto a de converter os membros
de outras das outras religiões a esta religião particular, que é o
cristianismo, mas a de convertê-los a incondicionalidade da revelação final,
que é o Reino de Deus, e o apelo ao humano “autêntico”, tal como é
reconhecido pela consciência humana universal, como está reconhecido na Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1945.
Vimos que o kairós do acontecimento de
Cristo é extensivo e coextensivo a todos os momentos e a todos os humanos da
história. Por isso o paradoxo de Cristo como “Universal concreto” bate tanto
com o cristianismo como com as outras revelações históricas. E pode nos ajudar
a superar toda e qualquer forma de imperialismo cristão. Na verdade,
“não só as outras religiões recusam o caráter absoluto do cristianismo, como
também não aceitam reconhecer a mediação absoluta de Cristo para a salvação de
todos os homens e de todas as mulheres. Todos eles sabem que Deus é maior de
que Cristo, “o Pai é maior do que eu”(Jo.14,28).
E sabem que o Espírito fala também a linguagem deles: “Naqueles dias ficaram todos cheios do Espirito Santo e começaram a
falar em outras línguas”(At.2,4).
Conclusão.
Procurámos refletir sobre a pergunta inicial: “Só Cristo salva”, ou é Deus quem
salva “só por Cristo” ou “também sem Cristo”? É preciso no entanto enfocar aqui
que “sem Cristo” não significa uma ausência ontológica, mas de consciência, na
teologia cristã do pluralismo. Com efeito, o Cristo como Verbo e como
encarnação cósmica em toda a natureza humana que participa do Espírito do
Absoluto não está ausente das revelações particulares a que nos referimos. E
também está em jogo a teologia do “acabamento” que ainda respinga do Concílio
Vaticano II, se referindo à revelação cristã, e que, como vimos, também está
sendo entendida mas não absolutizada na teologia do pluralismo. Porque, como
dissemos, as outras revelações são inacabadas e a cristã também não é absoluta.
Como diz Paulo Freire, “onde há vida há inacabamento” (Paulo Freire,
Pedagogia da Autonomia, p.50).
P.Casimiro João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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