sábado, 15 de abril de 2023

O “Meu Senhor e meu Deus”, de Tomé, e as intenções políticas nos evangelhos.


 Falemos sobre Tomé e sua famosa declaração de fé em “meu Senhor e meu Deus” (Jo.20,28). Santo Inácio na Carta aos cristãos de Esmirna, no séc. II, explicava que “Pedro e os seus companheiros apalparam Jesus e viram que não era um fantasma. E imediatamente eles o tocaram e creram. E que Pedro tocou as marcas nas mãos, que Tomé tocou a ferida, e que André olhou para as pegadas de Jesus” (Epist. Apostolorum, 11-12). Raymund Brown diz sobre o episódio de Tomé que alguém podia dirigir-se a Jesus com a mesma linguagem que Israel se dirigia a Javé, "Meu Senhor e meu Deus" como rezavam  nos Salmos 32, 24 e 95.  E que “se cumpria assim a vontade do Pai: ‘Que todos honrem o Filho como honram o Pai’. (“O Evangelho de João vol 2, p.1514). E acrescenta que “todas estas afirmações eram incluídas na liturgia que estava sendo desenvolvida na época. Devido a isso nos diz ainda o autor citado: “O apóstolo Tomé foi escolhido para representar a incredulidade de todos os apóstolos nas suas dúvidas e demoras em crer: “Ó gente sem inteligência, como sois lentos em crer em tudo que anunciaram os profetas”(Lc.24,25). E isto baseado em afirmações anteriores de Tomé, como quando da simbologia da ressurreição de Lázaro, em que os apóstolos se opuseram à ida de Jesus para o tumulo de Lázaro, e Tomé rematando daquele jeito: ‘vamos também nós e morramos com ele” (Jo.11,16).(Cf. R.Brown, o.c.p.1531).

Em segundo lugar saltamos agora para o episódio de Madalena quando avisou Simão Pedro e outro discípulo, ”aquele que Jesus amava” que o tumulo estava vazio. “Corriam juntos mas o outro discípulo correu mais depressa e chegou primeiro ao túmulo, mas não entrou. Chegou então Simão Pedro e entrou; entrou também o outro discípulo que tinha chegado primeiro, viu e acreditou.” (Jo.20,4-9). Porque é que era preciso que Pedro entrasse primeiro? Significa que Pedro devia ser o primeiro por ser o chefe dos Doze: dar vez à autoridade de Pedro. E por outro lado o “discípulo amado correu primeiro” era para dizer que ele tinha mais amor e mais fé. Isto significa a polêmica tradicional que havia entre a comunidade joanina e petrina. Aliás, como já vimos noutro blog, o “discípulo amado” é uma construção dos escritos de João para significar o contraste entre as comunidades de Pedro e de João. Se as comunidades de Pedro eram da autoridade, as João da fé e do amor. Daí o símbolo criado do “discípulo amado” que não era o apóstolo mas um símbolo. (Cf. Richard Baukcham, “As testemunhas oculares”, p.350 ss).

Esta polêmica criada pelo segundo ou terceiro século, aliás tem continuado na Igreja, e deu origem aos problemas com as Igrejas Orientais ortodoxas no séc.VIII e no séc. XVI com Lutero. E não só, dentro da Igreja católica continua nos problemas entre autoridade versus estudo da fé; magistério pontifício versus magistério teológico; autoridade dos Papas versus autoridade dos estudiosos. Um exemplo recente está em que no Conc.Vaticano II ficaram problemas muito sérios para ser resolvidos sobre a Família e tudo que se reportava aos novos métodos de reprodução. Porém, o Papa Paulo VI não teve paciência de esperar, e em 1968 publicou a encíclica “Humanae Vitae”, condenando laqueaduras e métodos anticoncepcionais. Afinal não se tem dado atenção aos seus conteúdos, e dizem os estudiosos que foi a encíclica menos obedecida no séc. XX. “Foi o caso em que na história da Igreja no séc.20 a grande maioria do povo e do clero recusava obediência ao Papa em uma questão realmente importante” (H.Kung, A Igreja tem salvação?” p.178).

Passemos agora para outros itens mais resumidos para poupar espaço: Nicodemos e José de Arimetéia; O véu do Templo; o episódio da orelha cortada; O jovem nú; e a declaração do centurião romano junto da cruz. Estudiosos dizem que Nicodemos e José de Arimatéia são figuras simbólicas dos cristãos judeus ocultos dos primeiros tempos tentando se converter às comunidades mas com medo dos judeus para aparecer publicamente. (Richard Baukcham, o.c.p.245). O véu do Templo que “rasgou de alto a baixo” significa o velho Testamento que dava lugar ao novo, assim como pedras e rochas se abriram e “mortos” ressuscitaram são elementos da escatologia de sinais imaginados que iriam aparecer no final dos tempos.(Mt.27,51). O episódio da “orelha cortada” só é atribuído pelo evangelho de João ao Pedro para recordarmos um sinal ainda das polêmicas mencionadas atrás, visto que nos outros três evangelhos sinóticos nenhum deles fala em Pedro, mas “alguém dos circunstantes”, confira Mc. 14,47; Mt. 26,47; Lc.22,47). Esse “alguém dos circunstantes” poderia muito bem ser um inimigo do sumo sacerdote com raiva de algum servo dele. O jovem que “correu nu” e largou o lençol (Mc.15,51) está sendo interpretado como uma figura dos discípulos, pois “todos o abandonaram e fugiram” na hora da prisão. “Então todos os discípulos o abandonaram e fugiram” (Mt.16,56). (Cf. Chad Myers, “O evangelho de Mateus”p.438). Finalmente a declaração do centurião “verdadeiramente este homem era justo”(Lc.23,47) ou “era filho de Deus”(Mc. 15,39) seria outra afirmação para adular os romanos e atribuir mais culpa aos judeus por não reconhecer Jesus. “Pilatos e Roma são praticamente absolvidos” na análise de Eugene Boring “Introdução ao Novo Testamento, vol. 2 p.1088.

Conclusão. Intenções politicas nos primeiros escritos dos evangelhos? Sem dúvida. Vamos ao significado de “polis”, “politica”, a arte de viver, e conviver na cidade. E como cultivando essa arte de conviver e sobreviver não poderia faltar, ela não faltou nos evangelhos. Faz-me lembrar que o cientista Galileu Galilei (1564-1642), no quebra braço com a Igreja ele disse ao Papa que  sua teoria era “falsa” só para se livrar da morte pela fogueira após oito anos de prisão, enquanto que o seu colega Giordano Bruno (1548-1600) foi condenado à fogueira, porque não usou a “política” da cidade, de Galileu Galilei.

P.Casimiro João     smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

 

 

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