segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

DIFICULDADES DE PASSAR DE CONVICÇÕES ANTIGAS.

 

Antes a ciência era escrava da fé. A fé era ditada pelo magistério da Igreja. E os teólogos recebiam a incumbência de divulgar a fé e explicar os documentos da Igreja. Havia sempre a sombra e ameaça da excomunhão. Nasciam daí os dois tipos de magistério: um magistério soberano, absoluto e infalível, o da cúpula da Igreja; e outro magistério subalterno. O primeiro era o “magistério eclesiástico”; o segundo, o “magistério teológico”, distinção feita pelo alemão Hugo Grotius no século XVII. Desde que a Igreja dominada pelo império recebeu a credencial de liberdade do imperador Constantino, até o final da Idade Média, foram muitos séculos deste esquema. Só mudou a situação com a chegada do Renascimento iluminista e as suas descobertas como a liberdade de consciência e a liberdade de religião, consideradas como as colunas e as alavancas da modernidade. A duras provas aconteceu a emancipação dos poderes dos reis e no que toca à teologia, e à ciência o diálogo mútuo. Em seguida chegou o processo da libertação dos escravos das mãos dos reis e dos nobres e dos senhores feudais; e de quebra a libertação dos direitos totalitários da fé sobre o magistério teológico e a ciência.  A duras provas aconteceu tal processo mas aconteceu: a custo de excomunhões, ameaças, prisões e torturas de cientistas e teólogos. Deste modo a ciência conseguiu seu status de igualdade, com os mesmos direitos e de independência da fé. Até que hoje, após o concílio vaticano II vivem lado a lado em boa harmonia e colaboração, sem contar sempre aqui e ali com os retrógrados que sempre ficam amarrados ao passado. O que acontece com aquele ditado: quem não avança volta para trás porque a vida é movimento. A Igreja sentiu que devia se adequar com exigências da ciência como controle de natalidade, métodos anticoncepcionais, pílula anticoncepcional, comportamentos homoafetivos, e reavaliação da qualidade de “pecados antigos” hoje vistos sob o prisma onde entra a ciência e a crítica histórica, a psicologia e a antropologia, como os “pecados dentro do matrimônio” e “masturbatórios”, “valor da virgindade” e suas motivações, assim como o valor dado a manifestações afetivas antes duvidosas ou condenadas. Isto posto, vejamos afirmações a respeito, de um dos maiores teólogos do séc.XX: “Evidências científicas não podem ser detidas pela fé, podem contradizer certas imaginações em torno da fé” (Schillebeeckx, “Jesus, a vida de um Vivente”, pag.58). Por outro lado, o mesmo teólogo alerta sabiamente sobre as dificuldades de quem estava acostumado com a fé antes da ciência: “Na hora da divulgação dessas novas convicções há, muitas vezes, pouca compreensão para as dificuldades dos fiéis em se acostumarem com essas novas ideias e assimilá-las. De outro lado, o resultado crítico não pode ser silenciado, e isso exatamente para o bem da fé cristã. A fé nada perderá por causa de uma verdade nova, empírica, pelo contrário ganha muito” (o.c.p.59). Falei noutra página que até há pouco tempo se dizia que a revelação terminou com a morte do último apóstolo, o que agora é uma falácia porque ninguém sabe quando morreu o último apóstolo, além de que quase todo o Novo Testamento foi escrito depois da morte de todos os apóstolos, e ainda mais, sabe-se agora que a autoria do Novo Testamento não é de nenhum deles mas das comunidades, com poucas exceções mormente das comunidades da Síria. Avançando, vejamos mais: “A revelação, como revelação, só está completa, a bem dizer, na resposta da fé surgindo de uma situação bem concreta com horizonte próprio de perguntas. E nossas perguntas de hoje são diferentes das do passado. (o.c.p. 54). No caso, a revelação tem duas mãos: numa mão o que recebemos do Jesus de Nazaré, noutra mão a interpretação da situação atual.

Conclusão. Falou-se da dificuldade dos fiéis em se acostumar com as novas ideias. “Um fato é que no passado os fiéis e até os teólogos e o magistério consideravam todas as tradições do N.T como relatos diretos de acontecimentos históricos. A teologia e as repostas da fé baseavam-se também numa interpretação pré-crítica, puramente biblicista, da história de Jesus, uma vez que não se discerniam, por ex. a diferença entre os gêneros literários, e que cada época é inevitavelmente sujeita a limitações do seu próprio contexto histórico(o.c.p.58). Daí vem a necessidade de entender as dificuldades dos fiéis para se adequarem com a nova realidade que está surgindo. Mas tem que ir acontecendo.

P.Casimiro João      smbn

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