sábado, 12 de setembro de 2020

A política da morte de Jesus: uma coisa é a teologia, outra coisa é a história.


 “A injustiça institucionalizada do 3º mundo gera a “violência básica”; esta violência gera a violência nº 2, que é a “revolta”, e esta provoca o 3º nível de violência, a “repressão oficial”. (Dom Helder Câmara).

O analisa americano R. Horsley faz uma reflexão em cima desta afirmação de Dom Helder, e observa  que os romanos faziam essa mesma violência e a chamavam de “paz”, a “paz romana”. E o historiador Tácito já dizia: “fazem a devastação e a chamam de paz”.

Sobre a violência da execução de Jesus, os historiadores modernos  descobriram que para agradar aos romanos, os evangelhos desviaram a culpa deles pela execução de Jesus para colocá-la nos Judeus. Uma maneira estratégica de São Paulo foi atribuí-la: “por nossos pecados” (Rom.15,3. Esta expressão de São Paulo vem de conceitos e preconceitos que traziam do Antigo Testamento, como no caso do “bode expiatório” (Lev. 16,10).

Os evangelhos obscurecem a natureza política do conflito que levou à morte de Jesus desviando a responsabilidade para os líderes judaicos e população judaica: isso era importante para as comunidades para serem acolhidas nos ambientes romanos. Um segundo argumento era a explicação piedosa de atribuir a culpa da destruição de Jerusalém, colocada na autoria de Jesus que isso ira acontecer, devido às culpas dos Judeus. Uma coisa é a teologia, outra coisa é a história. Na verdade, São Marcos argumenta que a rejeição judaica do Evangelho levou à destruição da Nação, da sua cidade e do Templo pelas autoridades romanas.

Um terceiro argumento vem de São Paulo quando usou a sua teologia adâmica para a morte de Cristo, a célebre expressão, como dissemos, “por nossos pecados”, e quando ele diz: “assim como em Adão todos morremos, temos todos que morrer em Cristo” (1.Cor.15,22), que foi escolhido como “um por todos”, descarregando Deus todas a culpas da humanidade numa só pessoa, como num bode expiatório.

Teólogos há que chamam a isso a mitologização da cruz em São Paulo. Na verdade, quando Paulo afirma que “Cristo nos redimiu da maldição da Lei” tornando-se ele  mesmo “maldição por nós” (Gal.3,13) sancionou a sua teologia pessoal de teologia sacrificial, baseando-se no antigo rito do bode expiatório (Lev.16,10). Favorecendo deste modo também a “teologia do império” da época e das épocas futuras, e também dos tempos sombrios das Igrejas quando se perseguiam umas às outras e perseguiam e torturavam os “errados”.

Assim, a teologia sacrificial de Paulo baseava-se no bode expiatório e na teologia adâmica. Para reforçar ainda mais esta teologia de Paulo temos dois argumentos da filosofia gnóstica da mistificação dos “poderes cósmicos”, não humanos, como sendo destruídos pela cruz, desviando toda a responsabilidade dos poderes temporais, quando diz: “Expoliou os principados e potestades, e os expôz a ridículo triunfando deles pela cruz” (Col.2,15). Os poderes temporais podiam continuar tranquilos.

Aqueles principados e potestades são os mesmos declarados em Efésios, onde se diz ”não é contra homens de carne e osso a nossa luta mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal espalhadas no ares” (Ef.6,12).

Com esta derrota destes “poderes dos ares” os governadores deste mundo ficaram e continuam ficando muito tranquilos e tomando essas palavras da Bíblia como um mito agradavelmente inofensivo.

Um outro argumento, quando São Paulo declara “Cristo “obediente até a morte”, de Fil.2,6-8 tomado de um hino gnóstico da igreja helenista, segundo o qual o Cristo (Verbo - Logos) pré-existente tomou forma humana e depois dessa  forma, a outra forma de se deixar acabar na condição de morte escrava, a crucificação. Tudo resumido: exaltando a obediência mítica gnóstica, equiparada ao bode expiatório dos judeus, para amaciar mais a situação e servindo sempre aos governantes militares e à Igreja. Sempre tendo como pano de fundo o imaginário do Antigo Testamento, pois lá se dizia “Deus exalta um e humilha o outro” (Sl.74,8).

Por seu lado, as comunidades de São Marcos e São João ficaram muito decepcionadas com o messianismo de Jesus, e viram que a paz messiânica proclamada por Jesus não veio nunca e em vez disso veio a violência generalizada do império romano. E se interrogavam se Jesus era mesmo o Messias? Então os evangelistas responderam que a autoridade do Messias não era “deste mundo” e projetaram aquela autoridade para o céu e para o futuro indefinido ” toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra, e eu estarei convosco todos os dias até o fim do mundo” (Mt,18,20).

Autores  como Wink e Girard afirmam que os cristãos dos primeiros inícios viram-se embaraçados para explicar a cruz de Cristo, e resolveram a questão assim: Deus teve a intenção de que Cristo morresse como o “último bode expiatório” e nos reconciliar de uma vez por todas (Heb.5,1). Eles transformaram assim o Deus de Jesus num Deus colérico e vingativo, para exigir a morte de seu filho. E também tornaram a cruz como símbolo da piedade sadomasoquista que serviu para os sistemas de dominação: uma piedade que inculca nos opressores a violência necessária. “Deus exalta um e humilha o outro”, como já citado no salmo 74,8. Também a Igreja inculcou a piedade da submissão necessária que tem servido aos interesses pastorais da Igreja.

Porém, a história foi bem diferente. O teólogo salvadorenho Jon Sobrino afirma: “Isolar a cruz do seu itinerário histórico que levou à execução em virtude de seus conflitos com os poderes políticos só promoveu uma mística do sofrimento”. Para agradar aos romanos, os evangelhos desviaram a culpa deles para colocá-la nos Judeus.

E Paula Fredriksen e Bultmann, falando dos eventos que levaram à morte de Jesus, o mais determinante foi que os romanos executaram Jesus porque o perceberam a ele e às suas multidões como politicamente desordeiros. E que as narrativas da paixão fornecem um sofisticado ocultamento da natureza politica da execução de Jesus.

Esta teóloga observa que tem havido o cultivo de uma leitura simplista da história com o intuito de favorecer as intenções piedosas generalizadas. Na esteira de Fredriksen, Jon Sobrino afirma que a crucificação de Jesus foi por motivos políticos e não por blasfêmia; sendo a blasfêmia usada assim para ocultar a verdadeira causa política.

Terminando estas considerações voltamos à afirmação inicial de que para agradar aos romanos os evangelhos desviram a culpa deles pela execução de Jesus para colocá-la nos Judeus. A teologia da morte de Jesus é uma coisa, outra coisa é a história.

P.Casimiro   smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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