domingo, 23 de maio de 2021

TRINDADE: O Imaginário Coletivo e os Arquétipos do Ambiente em que se formou a Doutrina da Trindade no séc.III e IV do Cristianismo


 Os primeiros escritores dos primeiros tempos do cristianismo já eram herdeiros e navegavam num universo e um imaginário de tríades de deuses, que criava um inconsciente coletivo de paternidade, e filiação entre os deuses, e que incluía a gênese da nossa doutrina atual da Trindade. Comecemos por etapas:

1ª etapa:  Os gnósticos gregos faziam a distinção entre “o Cognoscível” e o “Incognoscível.” O Incognoscível era o Intelecto Supremo, a quem chamavam de Pai. Ele tinha o seu Monógenes ou Unigênito, pelo qual o incognoscível se daria a conhecer aos mortais. Algumas seitas tinham a Mistagogia, que era a arte da iniciação do incognoscível.

Tertuliano participava desta filosofia e dizia que “o filho (o unigênito) revela o Pai ao qual ninguém conhece”. E Valentim: “o Pai desconhecido se dá a conhecer às mentes por meio do Monógenes. (unigênito). Porém, para os Coptas, “Ninguém pode conhecê-lo contra a sua vontade”.

Não é difícil ver aqui o lastro que iria levar ao desenvolvimento cristão da Trindade, e as semelhanças em causa. Exemplo, “Unigênito” (Monógenis), palavra das antigas religiões que ainda não eram cristãs, e que a religião cristã tomou delas. De resto veja outro paralelo no evangelho: “Ninguém conhece o filho (o unigênito) senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o filho e aquele a quem o filho quiser revelar” (Mt.11,27).

2.ª etapa: Na religião da Babilônia havia a tríade:  SolLuaTempestade; "AnuBelEa". No Egito outra tríade: "KaKamutEf". Essas tríades passaram para o mundo grego. A filosofia alexandrina de Pitágoras se apoiava em Números, os números simbólicos de Pitágoras: o Uno, elemento central que une as qualidades opostas, o que resulta infalivelmente em Três. Os Judeus, em contato com os Alexandrinos, adotaram o Logos e a Sofia ao lado de Iahweh, considerados como personificação da divindade judaica. Mais tarde, a teologia cristã vai ver nessa versão uma pré-configuração da Trindade.

3ª etapa: Os estudiosos chamam a estas realidades ideias pré-cristãs da Trindade e que são adequadas para uma plataforma de um diálogo do cristianismo com as outras religiões não cristãs. “Muitas vezes nós pensamos que somos totalmente originais, que o cristianismo é uma religião independente das demais. No entanto, os antropólogos, junto com Gustav Jung revelaram uma interdependência enorme. E nos leva a acolher o mistério divino que se revela em cada religiosidade.” (Oliveira, Morais, “O Amante, o Amado e o Amor, Paulus, 36).

Como podemos ver, estes foram caminhos para chegar à formulação da doutrina da Trindade. Vários esforços começaram a se esboçar. Um deles foi o Modalismo, de Noeto, em Roma, no séc.III, segundo o qual Deus é Uno, mas na sua comunicação se mostrou de três modos diferentes. Agostinho esclareceu que não são três modos mas uma essência em três pessoas. Outra formulação foi do Subordinacionismo, de Paulo de Samosata, de Alexandria no séc. IV, que admitia a inferioridade ou subordinação do filho ao Pai. E outra era o triteiísmo, de Fiore, já no séc. XII, na Itália, segundo o qual seriam três deuses na Trindade. Estas especulações foram formuladas com as categorias filosóficas, sobretudo a filosofia grega.

A doutrina católica que se expandiu teve a primeira configuração no concílio de Niceia (325) e também recebendo influências dos conceitos filosóficos helenísticos e platônicos. E assente também em moldes antropomofórmicos, com os conceitos de natureza e pessoa.

Em 1054 deu-se o cisma do Oriente entre a Igreja de Roma e Constantinopla, e entraram motivos políticos para essa separação, não menos que religiosos, aliás tudo só por causa de uma única palavra no respeitante à procedência do Espirito Santo do Pai e do Filho.

Em 381 aconteceu o concílio de Constatinopla convocado pelo imperador Teodósio para esclarecer dúvidas sobre a formulação trinitária. E tanto num concílio quanto no outro os historiadores vislumbram motivos políticos, sob a alçada dos imperadores forçando os participantes para costurar a união do império às custas da união doutrinal.

Assim a fé na Trindade tem sido o motor da ortodoxia católica. No entanto, “a fé humana nunca é definitiva, nunca é ponto de chegada, mas antes uma interminável peregrinação” (Abrahan Joshua Heshel em “Jesus segundo o Judaísmo, 35).

E como dizem os teólogos da Teologia africana: “Os Credos e as Doutrinas da Igreja, formulados pelos primeiros Pais, estão envolvidos na mitologia e na visão da época em que foram formulados” (Setiloane, em “África, o evangelho nos pertence", Loyola, 53).

E conclui o teólogo Vicente, José Armando: “Assim sendo, algumas afirmações dos Credos e da doutrina cristã ocidental não tem sentido na África banto. A luta, portanto, não é contra a Fé ou o Kerygma, mas contra os acréscimos ocidentais transformados em dogma.” (A Salvação nas Religiões Tradicionais Africanas, RTA, Loyola, 2021, pg. 69).

Não somos originais, somos peregrinos da verdade, iguais aos que de um modo ou de outro procuram e procuramos “Deus às apalpadelas” (1 Cor.17,27). Somos ao mesmo judeus, gregos, latinos e gnósticos.

P.Casimiro João    smbn

 

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