Vêm cenas como esta no
final do evangelho de Lucas, em que após a viagem dos discípulos de Emaús,
Jesus foi visto pelos onze que, surpresos, mas ao mesmo tempo cheios de alegria,
estavam sem acreditar. O que nos surpreende é que Jesus pediu para comer um
pedaço de peixe assado na presença deles. “Então
Jesus disse: tendes alguma coisa para comer? Deram-lhe um pedaço de peixe
assado. E o tomou comeu diante deles” (Lc.24,41-42). Quem come, o que faz
depois? Há alguma coisa aqui que não bate. E quando alguma coisa não bate ou
não adéqua, é porque quer dizer outra coisa. Na catequese rabínica tinham os “midrash”
que eram contos para daí tirar uma lição moral. E aqui também a lição moral vem
logo em seguida: ”São estas as coisas que
vos falei quando ainda estava convosco, era preciso que se cumprisse tudo o que
está escrito sobre mim na lei, nos profetas e nos salmos: que o Cristo sofrerá
e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia, e no seu nome serão anunciados a
conversão e o perdão dos pecados”. Portanto
aqui neste midrash ou parábola a lição moral era uma catequese de recordar tudo
o que os discípulos tinham escutado no princípio da convivência com Jesus e que
tinham esquecido. Como quando declarou “eu não vim para ser servido mas para
servir, e o Filho do homem vai sofrer muito e ser entregue às mãos dos pagãos”(Mt.17,22).
Pouco antes Jesus já
tinha dito: “Porque estais preocupados e
porque tendes dúvidas no coração? Vede minhas mãos e meus pés, sou eu mesmo; um
fantasma não tem carne nem ossos como estais vendo que eu tenho”. Esta parte
traz à mente dos discípulos aquela outra cena em que Jesus foi tomado por um
fantasma quando os discípulos o viram caminhando sobre as águas, e ficando com
medo gritaram ‘é um fantasma’ (Mt.14,26).
Num outro episódio Jesus
foi ao encontro das mulheres e lhes disse: “Não tenhais medo, ide anunciar aos meus
irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão” (Mt.28,10). A
lição moral aqui será a seguinte: Foi na Galileia o inicio do chamado aos
discípulos, e o início das catequeses de Jesus aos discípulos, isto é, o início
do kerigma. Jesus estaria remetendo os discípulos
para os primeiros bancos da escola na Galileia, pois tinham esquecido as
lições. Porquê? No teste da Paixão, eles saíram-se mal, porque todos
abandonaram Jesus (Mc.14,50). Enquanto que as mulheres saíram-se bem no teste
porque todas elas o acompanharam (Mc.15,40). Por isso o recado terceirizado das
mulheres para eles, “vão de volta para a
Galileia para lembrar as primeiras lições esquecidas”. Era o recado da primeira lição do kerigma de Jesus.
Para completar o
kerigma destas catequeses apostólicas da ressurreição vem ainda aquele episódio
de João, na praia(21,1-31) onde Pedro se vê exclamando “eu vou pescar”, e um grupo o seguiu. É o recomeçar a vocação, onde
Jesus falou “eu farei de vocês pescadores
de homens”. É voltar ao início da vocação. Aí vem imbutida a polêmica histórica
do “discípulo amado” que reconheceu o
Senhor na praia(Jo.21,7) Igual como quando “correu
mais depressa e chegou primeiro ao túmulo” (Jo.20,3), polêmica que reflete
a consciência da comunidade joanina que se julgava a perfeita e a preferida do
Senhor, e por isso esse discípulo significava a comunidade; e também pelo
motivo de que um elemento chave da mesma comunidade (que não era o João filho
de Zebedeu) mas um dos primeiros seguidores simpatizantes de Jesus e que não
fazia parte do Doze e que sobreviveria até idade avançada na comunidade
joanina, alimentando essa polêmica de que já vem desde a Ceia onde "Pedro recusa a lavagem dos pés", e um discípulo "amado", entenda essa comunidade joanina, se reclinou sobre o peito de Jesus".
Mais à frente o
evangelho de João termina com a mesma aparição de Lucas, mas transformada ao
jeito de João e dos redatores posteriores, com o tema da dúvida de
Tomé. Para termos uma ideia sobre Tomé precisamos ter em conta que Tomé
pregou na Índia e na Etiópia lugares bem distantes dos outros evangelistas. E
que no séc.IV, (312) o imperador Constantino convocou o concilio de Niceia
(312), e quis unificar a Igreja em volta
do Império, e pelejou para que todos os bispos se fixassem nos mesmos pontos e
deixassem os pontos controversos, pois ele tomou o lugar dos Bispos para essa
situação, e assim se começaram a considerar os escritos evangélicos como
canônicos, muito em parte pela visão de Santo Irineu de Lião. E assim foram
catalogados os 4 evangelhos para acabar com a discussão, correspondentes “aos 4
cantos da Terra”. E porque o evangelho de Tomé ficou de fora do cânon?
Simplesmente porque sendo redigido na Índia, muito distante, ele era pouco conhecido
nos ambientes mais próximos, e não vinha fazendo parte das leituras das
comunidades.
Temos um segundo
elemento: como o imperador proibia e exilava quem tivesse outros evangelhos
além dos quatro estabelecidos, os cristãos coptas das regiões da Índia esconderam-no.
Ele foi descoberto na Biblioteca de Nag Hammabi no Egito em 1945.
Agora podemos ver como
os escritos chamados de evangelho de João descriminaram esse evangelho de Tomé, (assim como "discriminavam" Pedro) começando a descriminar o próprio Tomé como o “incrédulo”, e o menos feliz,
contando um quadro possivelmente construído e muito retocado por vários
redatores, sempre como que debochando do apóstolo sobre a ressurreição, que era
o ponto central do evangelho de João.”Felizes
os que creram sem terem visto”(Jo.20,29). (Cf.R.Brown, O Evangelho de João,vol
II,p.1720ss.). Enquanto que nos Sinóticos, durante a vida de Jesus ele é
considerado como apóstolo de bem. Quando fizeram a viagem para Jerusalém Tomé foi o único que se expressou: “vamos para morrermos com ele”(Jo.11,16).
Conclusão.
Podemos constatar a finalidade de muitos escritos como menos históricos e mais
kerigmáticos e catequéticos, como relatados nestas páginas. Assim como para
os nossos dias conservam seu kerigma. Como afirmado atrás, a Galileia não tinha
só um significado geográfico, mas teológico. Por isso a ordem de Jesus ainda
fica atual: “vão de volta para a Galileia”
para lembrar as primeiras lições esquecidas. E a Galileia é aqui.
P.Casimiro João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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