sábado, 23 de abril de 2022

As catequeses apostólicas após-Páscoa nos Evangelhos


 

Vêm cenas como esta no final do evangelho de Lucas, em que após a viagem dos discípulos de Emaús, Jesus foi visto pelos onze que, surpresos, mas ao mesmo tempo cheios de alegria, estavam sem acreditar. O que nos surpreende é que Jesus pediu para comer um pedaço de peixe assado na presença deles. “Então Jesus disse: tendes alguma coisa para comer? Deram-lhe um pedaço de peixe assado. E o tomou comeu diante deles” (Lc.24,41-42). Quem come, o que faz depois? Há alguma coisa aqui que não bate. E quando alguma coisa não bate ou não adéqua, é porque quer dizer outra coisa. Na catequese rabínica tinham os “midrash” que eram contos para daí tirar uma lição moral. E aqui também a lição moral vem logo em seguida: ”São estas as coisas que vos falei quando ainda estava convosco, era preciso que se cumprisse tudo o que está escrito sobre mim na lei, nos profetas e nos salmos: que o Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia, e no seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados”.  Portanto aqui neste midrash ou parábola a lição moral era uma catequese de recordar tudo o que os discípulos tinham escutado no princípio da convivência com Jesus e que tinham esquecido. Como quando declarou “eu não vim para ser servido mas para servir, e o Filho do homem vai sofrer muito e ser entregue às mãos dos pagãos”(Mt.17,22).

Pouco antes Jesus já tinha dito: “Porque estais preocupados e porque tendes dúvidas no coração? Vede minhas mãos e meus pés, sou eu mesmo; um fantasma não tem carne nem ossos como estais vendo que eu tenho”. Esta parte traz à mente dos discípulos aquela outra cena em que Jesus foi tomado por um fantasma quando os discípulos o viram caminhando sobre as águas, e ficando com medo gritaram ‘é um fantasma’ (Mt.14,26).

Num outro episódio Jesus foi ao encontro das mulheres e lhes disse: Não tenhais medo, ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão” (Mt.28,10). A lição moral aqui será a seguinte: Foi na Galileia o inicio do chamado aos discípulos, e o início das catequeses de Jesus aos discípulos, isto é, o início do  kerigma. Jesus estaria remetendo os discípulos para os primeiros bancos da escola na Galileia, pois tinham esquecido as lições. Porquê? No teste da Paixão, eles saíram-se mal, porque todos abandonaram Jesus (Mc.14,50). Enquanto que as mulheres saíram-se bem no teste porque todas elas o acompanharam (Mc.15,40). Por isso o recado terceirizado das mulheres para eles, “vão de volta para a Galileia para lembrar as primeiras lições esquecidas”. Era o recado da primeira lição do kerigma de Jesus.

Para completar o kerigma destas catequeses apostólicas da ressurreição vem ainda aquele episódio de João, na praia(21,1-31) onde Pedro se vê exclamando “eu vou pescar”, e um grupo o seguiu. É o recomeçar a vocação, onde Jesus falou “eu farei de vocês pescadores de homens”. É voltar ao início da vocação. Aí vem imbutida a polêmica histórica do “discípulo amado” que reconheceu o Senhor na praia(Jo.21,7) Igual como quando “correu mais depressa e chegou primeiro ao túmulo” (Jo.20,3), polêmica que reflete a consciência da comunidade joanina que se julgava a perfeita e a preferida do Senhor, e por isso esse discípulo significava a comunidade; e também pelo motivo de que um elemento chave da mesma comunidade (que não era o João filho de Zebedeu) mas um dos primeiros seguidores simpatizantes de Jesus e que não fazia parte do Doze e que sobreviveria até idade avançada na comunidade joanina, alimentando essa polêmica de que já vem desde a Ceia onde "Pedro recusa a lavagem dos pés", e um discípulo "amado", entenda essa comunidade joanina, se reclinou sobre o peito de Jesus".

Mais à frente o evangelho de João termina com a mesma aparição de Lucas, mas transformada ao jeito de João e dos redatores posteriores, com o tema da dúvida de Tomé. Para termos uma ideia sobre Tomé precisamos ter em conta que Tomé pregou na Índia e na Etiópia lugares bem distantes dos outros evangelistas. E que no séc.IV, (312) o imperador Constantino convocou o concilio de Niceia (312), e  quis unificar a Igreja em volta do Império, e pelejou para que todos os bispos se fixassem nos mesmos pontos e deixassem os pontos controversos, pois ele tomou o lugar dos Bispos para essa situação, e assim se começaram a considerar os escritos evangélicos como canônicos, muito em parte pela visão de Santo Irineu de Lião. E assim foram catalogados os 4 evangelhos para acabar com a discussão, correspondentes “aos 4 cantos da Terra”. E porque o evangelho de Tomé ficou de fora do cânon? Simplesmente porque sendo redigido na Índia, muito distante, ele era pouco conhecido nos ambientes mais próximos, e não vinha fazendo parte das leituras das comunidades.

Temos um segundo elemento: como o imperador proibia e exilava quem tivesse outros evangelhos além dos quatro estabelecidos, os cristãos coptas das regiões da Índia esconderam-no. Ele foi descoberto na Biblioteca de Nag Hammabi no Egito em 1945.

Agora podemos ver como os escritos chamados de evangelho de João descriminaram esse evangelho de Tomé, (assim como "discriminavam" Pedro) começando a descriminar o próprio Tomé como o “incrédulo”, e o menos feliz, contando um quadro possivelmente construído e muito retocado por vários redatores, sempre como que debochando do apóstolo sobre a ressurreição, que era o ponto central do evangelho de João.”Felizes os que creram sem terem visto”(Jo.20,29). (Cf.R.Brown, O Evangelho de João,vol II,p.1720ss.). Enquanto que nos Sinóticos, durante a vida de Jesus ele é considerado como apóstolo de bem. Quando fizeram a viagem para Jerusalém Tomé foi o único que se expressou: “vamos para morrermos com ele”(Jo.11,16).

Conclusão. Podemos constatar a finalidade de muitos escritos como menos históricos e mais kerigmáticos e catequéticos, como relatados nestas páginas. Assim como para os nossos dias conservam seu kerigma. Como afirmado atrás, a Galileia não tinha só um significado geográfico, mas teológico. Por isso a ordem de Jesus ainda fica atual: “vão de volta para a Galileia” para lembrar as primeiras lições esquecidas. E a Galileia é aqui.

P.Casimiro João    smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

 

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