sábado, 16 de abril de 2022

O Jesus antes da Páscoa e o Jesus depois da Páscoa.


 

Existe um Jesus que viveu na Palestina, e existe um Jesus como estava na cabeça dos cristãos depois da Páscoa.

“Não temos acesso direto ao Jesus antes da Páscoa pelos evangelhos e Cartas apostólicas”  nos diz o teólogo João Batista Libãnio, “Creio na Trindade”, Paulus, p.59). O Jesus antes da Páscoa não é relatado por ninguém. O Jesus que é relatado pelos evangelhos é o Jesus que estava na cabeças dos cristãos muitos anos depois. Se você tem um grande amigo que morreu há 50 anos, alguém vai dizer-te: “não, você é suspeito, vou procurar outra pessoa para falar sobre ele porque você é suspeito”.

Tem acontecimentos com duas dimensões; a dimensão histórica, e a dimensão da interpretação (da admiração). No acontecimento da crucificação de Jesus, por exemplo, tem a dimensão histórica, igual como a morte de Tiradentes. E tem também a dimensão da interpretação. A dimensão da interpretação é a dimensão da fé. E nos relatos as duas dimensões se entrelaçam tanto, que nem dá para distinguir ou então levam à “ilusão” que ambas são históricas. Na crucificação, os dados que são da interpretação, são os seguintes, só para falar em alguns: Sobre o enforcamento de Judas, que muitos autores põem em dúvida, uma vez que os evangelhos foram buscar estes dados no Antigo Testamento para colarem nos seus relatos: “E eles pegaram trinta moedas como preço daquele que for avaliado pelos filhos de Israel; eles o deram pelo campo do Oleiro. Então eles pegaram o dinheiro do meu pagamento, trinta moedas de prata” (Zac.11,11-12).

 Outros dados do Antigo Testamento aí colados: Quando na crucificação é dito que “porém a ele não lhe quebraram as pernas” (Jo.19,3), foram buscar do A.T. assim: “Cada cordeiro deverá ser comido dentro de uma casa e não se deverá quebrar nenhum osso”(Êx.12,46). Sobre lançar sortes sobre a túnica (Mt.27,35): “Repartem entre si as minhas vestes e lançam sortes sobre a minha túnica” (Sl.21,19).  Sobre as palavras de deboche ao crucificado para descer da cruz(Mc.15,30), foram buscar no mesmo salmo: “Esperou no Senhor, pois que ele o livre, que o salve, se o ama”(Sl.21,9). Sobre os dois ladrões, que é também posto cientificamente em dúvida o caso(Mc.15,28): “Foi colocado entre malfeitores” (Is.53,12). Mais aportes: “Em toda a terra houve trevas desde a hora sexta até a hora nona; obscureceu-se o sol e o véu do templo se rasgou pelo meio”(Lc. 23,44) encontra-se em Zacarias: “ Nesse dia não haverá mais luz e nem gelo; não haverá mais dia  e noite” (Zac. 11,12). Sobre a exclamação de Jesus na cruz”meu Deus, meu Deus porque me abandonaste”(Mc. 15,23) tem seu paralelo no salmo: “Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste”?(Sl.21,2). As pedras quebraram-se, a terra tremeu, e os túmulos se abriram e muitos corpos dos justos ressuscitaram e apareceram a muitas pessoas”(Mt.27,51) faz parte da escatologia do Antigo Testamento onde as pedras se abrem, a terra treme e os túmulos se abrem e o s justos ressuscitam. Vejamos:”Os teus mortos viverão  e os seus corpos ressuscitarão”Is.26,19; “E muitos que dormem no pó da terra acordarão”(Dn.13,14).

Estes são os dados da interpretação que foram grudados no histórico da crucificação de Jesus mas não são da fala de Jesus. Estes foram colocados na boca dele como se ele mesmo tivesse falado. Os escritores foram pesquisar no Antigo Testamento para adaptar ao acontecimento. Agora, afloram duas atitudes possíveis: ou você fica na primeira dimensão histórica do puro acontecimento e não sai dali; ou aceita também a segunda dimensão e se ajunta à multidão dos que escreveram, e acompanha os que têm aceitado até o presente: esta é a dimensão da fé. E não só. Nesta segunda dimensão tem ainda duas opções: os que aceitam estes acrescentos do Antigo Testamento como sendo históricos, talvez porque não sabem; e os que sabem que eles não são históricos nem falados por Jesus. “ O choro é livre” dizia a Juju; e aqui a escolha também é livre.

Concluindo: Na vida concreta de Jesus topamos com dados mais ou menos objetivos e controversos que aconteceram ou não aconteceram como são narrados. Para obter tais resultados se construiu o método crítico-histórico e literário, como analisou o teólogo Libanio. Um exemplo nos elucida: “Tomemos o caso da ressurreição de Lázaro. Não temos condição de provar que os pormenores da doença, morte e ressurreição de Lázaro, narrados por João, signifiquem descrição rigorosa dos fatos. A qualquer conclusão que o estudo crítico-histórico literário chegue sobre a ressurreição ou não de Lázaro, permanece a verdade definitiva e fundamental da confissão de Marta, “Sim Senhor, creio que és o Cristo, o filho de Deus que devia vir a este mundo”(Jo.11,24). Então o que permanece é a intenção de João que está pedindo a fé no filho de Deus, e dá o exemplo de Marta, independentemente ou não da veracidade factual do milagre. Reflexão semelhante pode-se fazer sobre as narrativas de Caná e do cego de nascença, que são uma catequese teológica tendo como fundo algum possível núcleo factual”(Libânio, o.c.p59-60).

Conclusão. Como no acontecimento da crucificação, também o citado autor colocou as duas dimensões dessas narrativas, que podemos chamar de parábolas: a dimensão histórica e a dimensão da fé. A dimensão histórica seria um pequeno núcleo “factual” impossível de discernir, uma vez que ele está orientado para a fé; e a dimensão da fé, que é o objetivo do narrador-catequista, onde ele aumentou dados culturais da época. Na parábola das bodas de Caná está subjacente a ideia da antiguidade de deuses que transformavam água em vinho, e a ideia do Antigo Testamento em que na futura vinda do messias uma videira produziria mil cachos, e cada cacho mil uvas. Além da transposição da lavagem ou ablução do Antigo Testamento representada pelos seis potes de pedra de 100 litros, pra dizer que todas as abluções do Antigo Testamento não eram nada em comparação com Jesus. Olhada nesta perspectiva a cena de Caná é uma grande parábola, e assim também inúmeras narrativas bíblicas, que para os hebreus eram “middrash”, e para nós parábolas. Como diz um autor anónimo, a piedade atrapalha a história. Temos um exemplo no Livro de Daniel, todo feito em piedade e não em historia.                      

P.Casimiro João    smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

 

Nenhum comentário: