A
Biblia fala a linguagem do seu tempo. “No que concerne aos evangelhos, o fundamentalismo
não leva em consideração o crescimento do trabalho da tradição evangélica, mas
confunde ingenuamente o estágio final desta tradição (o que os evangelistas
escreveram) com o estágio inicial (as ações e as palavras do Jesus da história”.
(Pontifícia Comissão Bíblica – A interpretação da Bíblia na Igreja, São Paulo,
Loyola, 1994, p.41). Vale dizer, os evangelhos não são biografia de Jesus:
daqui foi para ali, e falou e disse isto e aquilo. “É importante percebermos
que há interpretações teológicas nos evangelhos e que cada editor editou e adaptou
o material para apresentar Jesus em determinada luz; e o evangelho de João em
especial contém muita reflexão pós-ressurrecional em Jesus, algumas das quais
são simplesmente postas nos lábios de Jesus. É igualmente importante para as
várias Igrejas cristãs ajudar seus fiéis a familiarizarem-se com os estudos
bíblicos contemporâneos e aceitá-los”. (H.Kung em “A Igreja tem salvação? p.61).
Já dissemos noutras páginas que os escritores da antiguidade escreviam
discursos para colocarem na boca de seus heróis. Isto é frequente nos
historiadores Heródoto, Tucídedes, e Posidônio da Grécia, como de Fábio Pictor
e Tito Lívio de Roma. E colocavam discursos em Platão e outros heróis. E não só,
também lhes davam títulos de divinos e de filhos de Deus, para colocá-los no
mesmo patamar dos imperadores, como o governante romano Augusto que era chamado
de deus, e isto era um termo comum na mitologia
grega. Os reis eram chamados filhos de Deus. Jesus rezava a Deus como Pai.
Autores concluem que, no tempo de Jesus, “filho de deus” era geralmente usado
para uma pessoa que pensavam “ser delegada por Deus” ou altamente favorecida
por Deus. Na teologia hebraica o que é enviado
faz um só com aquele que o enviou, digamos sendo como uma só pessoa com ele.(Cf.Raymond
Brown, Comentário do Ev.de João vol.I p.534).
“John
Hick menciona as razões de alguns cristãos que estão indignados porque as
Igrejas os incentivaram por tanto tempo a continuar presumindo inocentemente
que o Jesus histórico dissera “eu e o Pai somos um”(Jo.10,30); “quem me viu,
viu o Pai”(Jo.14,9), em vez de receber o sábio consenso que um autor sessenta
ou mais anos depois, ao expressar a teologia que se desenvolvera em sua parte
da Igreja pôs essas palavras na boca de Jesus. Na verdade esses cristãos estão
indignados porque as Igrejas de modo geral não os trataram como adultos inteligentes
que merecem confiança quanto aos resultados dos estudos bíblicos” (J.Hick,
o.c.p.61). “A questão é que os evangelhos foram escritos para expressar o que
as comunidades cristãs vieram a acreditar a respeito de Jesus à luz da
ressurreição em vez de ser uma biografia. Sem essa percepção os evangelhos vão
continuar a ser citados de maneira literalista em um esforço para “provar” que
Jesus sabia o tempo todo que era Filho de Deus, Segunda Pessoa da Trindade.
Essa maneira de citar os evangelhos, em especial o evangelho de João, às vezes
impede as pessoas de considerar seriamente a realidade totalmente humana de
Jesus”. (o.c.p.61). E H.Kung conclui: “Muito facilmente a fé no Cristo
verdadeiro se torna superstição que acredita num Cristo fictício ou até numa cifra
ou num símbolo”(o.c.p.138).
Dizemos que a Bíblia fala a linguagem do seu tempo. Uma ocasião Jesus terá dado o seguinte poder aos seus apóstolos: “expulsai os espíritos e curai todo tipo de doença e enfermidade”. (Mt10,1). Deveríamos pensar que Jesus fez deles médicos, cirurgiões, e especialistas das várias doenças, de “todos os tipos”. E de quebra os bispos, cardeais, padres e também o Papa. Porém isso não acontece. Acontece que está aí a linguagem do seu tempo, qual é? O historiador Gonzaga Prado nos diz que na catequese dos judeus, os judeus explicavam assim: Quando Deus criou os homens no sexto dia, faltava criar os demônios, e criou o espírito mas não deu mais tempo de criar um corpo para cada um deles porque chegou o descanso do sábado, que começava sexta à tarde, e por isso ficaram sem corpo. Então eles ganharam raiva dos seres humanos de tal maneira que cada um começou a entrar no corpo dos homens trazendo consigo uma doença como vingança. E de tal maneira que nos evangelhos os “espíritos maus” andam sempre acompanhados com as doenças: “expulsem os espíritos e curem as doenças”. O resultado é que, para tirar a doenças tem que tirar primeiro o espírito mau que trouxe a doença. .“Quando o demônio foi expulso, o mudo começou a falar”(Mt.9,33). (Cf. Espiritos e demônios, Gonzaga Prado www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 7/2/21).
Sobre
este assunto faz bem consultarmos a Encíclica de Pio XII sobre a Sagrada
Escritura onde diz: ”A regra suprema para interpretar corretamente os textos
bíblicos consiste em encontrar e definir o que o autor quis dizer e estar
atentos aos gêneros do discurso ou de escrita que ele utilizou” (Pio XII, 1943).
E sobre um comunicado da Pontifícia Comissão Bíblica de 1944: “O
fundamentalismo insiste de uma maneira indevida sobre textos bíblicos com
grande estreiteza de vista pois ele considera conforme à realidade uma
cosmologia já ultrapassada” (P.C.B.1944). Um local que ilustra bastante esta
afirmação é o episódio da suposta ressurreição de Lázaro (Jo.cap.11). O teólogo
João Libanio afirma: “Em qualquer direção que a gente vá só se encontra a
seguinte finalidade onde a Marta diz “sim Senhor eu creio que tu és o Filho de
Deus que devia vir ao mundo”, ou seja é a intenção teológica da fé na
ressurreição dos mortos que vinha do Antigo Testamento. Igual o episódio de
Caná e o cego de nascença. Cf. Libanio, Creio na Trindade, Paulus, p.59-60).
Conclusão. Terminamos com a mesma afirmação da intuição de H.Kung
sobre teologia e dogmas: “Uma das mais felizes e salutares surpresas do nosso
tempo é que em toda essa história eclesial e teológica se pôde afirmar posições
com a possibilidade de corrigi-las” (o.c.p.126).
P.Casimiro
João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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