“A Bíblia sem mitos” é um livro aberto
de Eduardo Arns, Paulus, 2014. Hoje tomei como tema o episódio narrado por
Marcos onde conta a degolação por Herodes, e onde peritos encontram mitos e
lendas. (Mc.6,14-21). Entre as várias considerações que aqui cabem, vou-me
limitar a três. Primeira: Não é histórico que João Batista tivesse se
encontrado com Herodes, e por isso é considerado redacional aquela narrativa
segundo a qual ele lhe teria dito ‘não te é permitido ficar com a mulher do teu
irmão’. (Mc.6,8). E de quebra a outra afirmação que “Herodes gostava de ouvi-lo
embora ficasse embaraçado quando o escutava e por isso o protegia” (v.20). Isto
são preliminares redacionais para compor a cena que se segue. Em seguida vamos
falar dos dois motivos-chave da cena desenvolvida em dois atos. O primeiro ato trata do tema do
matrimônio, que teria levado João à prisão e à degolação. O historiador Flávio
Josefo, testemunha insuspeita sobre a história declara que Herodes desde o
princípio odiava João e o perseguia mandando espiões emissários para espionar a
atuação de João Batista que ele considerava subversivo e com potencial de
arrastar multidões para uma revolta política (Cf. Shed Meyer, O Evangelho de
Marcos, pag. 264). Por sua vez, os matrimônios na Palestina eram feitos por
alianças. Deixavam uma esposa por outra por causa de alianças com a nova
família e por amizades e compromissos com os pais de uma ou de outra.(o.c.p.321).
Por isso ao evangelista interessava só o motivo religioso para não expor as
autoridades desviando do motivo político, que era o único em questão, visto que
tanto para os profetas como para o povo em geral essa situação era normal, e
muito mais para as autoridades reais como acontecia com Davi e Salomão com as
suas concubinas. Em segundo lugar aparece a arrumação adequada para aumentar a
“moralidade” do conto: a dança da filha de Herodíades. Os estudiosos consideram
esta cena como uma “lenda piedosa” para encontrar motivo de pedir a cabeça de
João Batista: “É uma parábola para descrever o sistema de como a vida humana
era pisada para salvar a face régia” (S.Meyers o.c.p.265). Não é difícil comparar com
cenas de hoje, pensando como são pisadas vidas humanas na Faixa de Gaza para
salvar figuras de mandantes tiranos como o primeiro ministro de Israel e o
aliado presidente da América do Norte. Na verdade o evangelho é um código. Não
devemos parar numa palavra como tal, mas é um link com muitos desdobramentos. Reportamo-nos
agora com um olhar relâmpago à “Bíblia sem mitos” para ajudar-nos na conclusão
do nosso tema. Sobre alguns imaginários
vejamos algumas afirmações: “Muitos pensam que tudo o que é narrado pelo
fato de estar na Bíblia é histórico” (Eduard Arns, Bíblia sem mitos”, p.105).
Perguntemos o que se entende por ‘lenda’: “A vida de um personagem
essencialmente histórico, mas onde se exagera o aspecto no qual a lenda se
esconde tanto que parece incrível” (E.Arns, o.c.p.103). Outro exemplo: “Quase todos os
leitores contam como se o episódio da entrega da Lei no Sinai ocorresse como se
narra; porém, na entrega da Lei de Hamurabi o rei recebe também a Lei das mãos
do deus Marduk” (o.c.p.106). Também pensamos que profecias e Apocalipse dizem
coisas sobre o futuro; porém os profetas falavam do presente e para o presente
do seu povo e não para 20 séculos adiante, e para traduzir aquilo quando
dizemos: ‘quem ri por último ri melhor’. (o.c.p.110).
Conclusão. Não seria pequeno o número de lendas
e mitos pesquisados na Bíblia, a começar no relato da criação e encerrando com
o Apocalípse, o primeiro e o último dos livros da Bíblia. Começamos com os
evangelhos mas nosso confronto foi mais longe dando essa olhada de relâmpago mais
vasta.
P.Casimiro João smbn
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