segunda-feira, 11 de novembro de 2024

O JESUS DOS GREGOS E O OUTRO JESUS, O KYRIOS E O CHRISTOS.

 

Para os cristãos gregos a palavra “Jesus” não dizia nada. E então associavam-na a um tal “chrestos” que era o nome de um escravo lendário por ser muito bom, conforme o historiador Suetônio (R.Scroggs, O Jesus do Povo, p.119). Em diálogo com os cristãos da Palestina é que os gregos começaram associando Jesus à palavra Kyrios quando eles aclamavam os deuses e as deusas ou o imperador, palavra que era “senhor” e kyrios. Por outro lado, os gregos tinham a notícia de que na Palestina tinha andado um tal Jesus que alguns judeus achavam que era um “político”-Messias. O tal Messias era considerado “herdeiro do trono de Davi”, e teria vindo para ser um governante político-militar. Mas as autoridades se desfizeram dele. Porém outros, em maior número, o consideravam um religioso conhecido como filho do homem, igual alguns profetas antigos. E assim essa história tinha chegado aos ouvidos dos gregos. Na verdade os camponeses hebreus espoliados talvez não tivessem esperança de que o Jesus governante político-militar fosse mais favorável à sua sorte miserável que todos os governantes que vieram antes dele e aos quais ainda estavam submetidos no presente. Pelo contrário aquele Jesus “curandeiro” que tinha andado no meio do povo, a quem chamavam “Filho do Homem” era mais popular e compatível com os camponeses. Neste sentido, é concebível que esta crença fosse o fator mais forte que tornou o título “Messias” possível e aceitável  para os judeus, mas para os gregos, ao contrário, tanto “Filho do Homem” como “Messias” não dizia muita coisa, pois não era da sua cultura. Até porque nessa mesma época entre os gregos havia uns sábios filósofos que faziam muitas curas e alguns também se arrogavam o poder de ressuscitar pessoas mortas. Lembremos que não estamos falando daquelas camadas que ainda tinham conhecido Jesus em pessoa, mas muitos anos depois, quando Jesus já “tinha passado à história”. E nesta altura do campeonato estamos lidando com cristãos descendentes de judeus e com cristãos descendentes de gregos. E por isso, para as camadas de cristãos judeus ainda lhes interessava o “Jesus” terreno, mas para as camadas de cristãos gregos não. Para estes interessava-lhes um Jesus glorioso e político e militar como eles estavam acostumados com seus heróis. E desse jeito surge a falta de interesse no Jesus terreno em toda a Igreja helenística porque esse Jesus glorioso e politico e militar vinha como eles estavam acostumados. (Cf. o.c.p.125).  Aí havia o culto com as “aclamações” públicas que constavam de tipos de “slogans” repetidos vezes sem conta, em ambiente público. Este tipo de culto e aclamações começaram a transferir para o Jesus dos hebreus o mesmo que o “Kyrios” ou “Christos” era para os deuses e deusas dos gregos. Estava consolidado o nome de “Kyrios”, e “Christos” entre os gregos, nome que passou para toda a Igreja e para os escritos do Novo Testamento, Cartas e evangelhos, que estavam começando a ser redigidos nessa mesma época. As primeiras foram as Cartas, nos anos de 40-50 d.C. e depois os primeiros evangelhos, anos 70-80 d.C. Temos uma notícia ainda antes de avançar. Vimos que para os cristãos gregos a palavra “Jesus” não dizia nada no início. Mas junto com a palavra “Kyrios” se popularizou também a palavra Christos, de “chrestos” a lenda do escravo obediente. E foram estas duas palavras que ficaram associadas à pessoa de Jesus. Então ficou o dueto “Christos Ýesus” ou o trio “Kyrios Yesus Chritos”, “Senhor Jesus Cristo”. E foi assim que passou para os escritos do Novo Testamento. Na verdade, como afirmam os estudiosos, o Novo Testamento e a Igreja em geral ficaram devendo mais à língua e à cultura grega do que à judaica. As Cartas paulinas e Atos dos Apóstolos são exemplos flagrantes. Como falei em páginas anteriores, o autor de Atos pretendeu, em Atos dos Apóstolos fazer um épico tomando por modelo a Eneida. Com o particular que Atos e Evangelho de Lucas eram inicialmente um só volume, tendo ficado separados somente no séc.V por vantagens de manejo. Já Paulo nalgumas Cartas fica dependente da cultura grega, como quando fala em “todo o vosso ser, corpo, alma e espírito”, seguindo o filósofo Posidônio que dizia que o espirito pertencia ao reino do Sol, a alma ao reino da Lua, e o corpo ao reino da Terra, trazendo à baila Plutarco que dizia: “o espaço entre o reino de Deus e o reino da humanidade é ocupado por espíritos celestes, alguns com poderes divinos. A hierarquia desses poderes divinos é uma escada desde o mundo humano até Deus” (H.Koester, o.c.p. 159 e 163). E na Carta aos Filipenses Paulo conecta o nome habitual grego dos deuses e imperadores ao de Jesus dos hebreus com o nome de Kyrios como falámos. E assim amplia na Carta aos Colossences 1,16 quando fala dos poderes celestes que ocupam os espaço entre o reino de Deus e o reino da humanidade (Col. 1,16). Em resumo, o teólogo R.Scroggs afirma: “ Para o autor de Atos Jesus era um ser humano que foi justificado por Deus e voltaria no fim dos tempos. Para o autor de Colossences Jesus ressuscitou para uma realidade divina “cósmica” ou “espacial”: Cristo é aqui o nome para a realidade “espacial” exaltada de Deus: os fiéis estão em Cristo; morrem em Cristo; ressuscitam em Cristo; estão escondidos em Cristo; Cristo é o mistério de Deus; Cristo concede a paz; essa realidade também é Kyrios, mas o simples nome de “Jesus” não se encaixa nessa realidade cósmica” (o.c.p.130-131).

Conclusão. Concluindo, é preciso dizer que nós somos filhos da cultura judaica e da cultura grega. E tivemos ocasião de ver como evoluiu entre os primeiros cristãos gregos o nome de Jesus, e as associações que fizeram com os nomes de seus deuses e imperadores. Como consequência vimos também que o Jesus terreno não lhes interessava, pois nessa época aquele Jesus que "curava" o povo e era amigo do povo era uma figura que depois de 60 ou 80 anos "já tinha passado à história", esquecendo a figura humana de Jesus para ver só o Jesus mítico e cósmico. E assim esta situação passou para os novos escritos e para o "âmago" da Igreja em geral até hoje.

P.Casimiro João     smbn

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segunda-feira, 4 de novembro de 2024

JESUS SEQUESTRADO.

 

Há uns 70 anos a esta parte os sacerdotes-párocos vestiam uma capa de cor preta, redonda, semelhante às vestes do Papa e dos bispos. Usavam também um “chapéu” chamado barrete, de três bicos, também chamado de “tricórnio”. Havia um serviço especial do sacristão para administrar o uso do tricórnio na missa, o que muitas vezes era objeto de chacota por parte dos fiéis. Seria sem dúvida uma imitação das vestimentas e tiara e solidéu de bispos e Papas. É deste jeito que foi sequestrado Jesus, num dado momento da história. Ele que relutou contra o poder dos grandes das nações (Mt.20,17),  fizeram dele um chefe de uma Nação e lhe entregaram um Estado, os Estados Pontifícios, cujo histórico está cheio de lendas e falsificações e embustes históricos desde o início? (Libanio e H.Kung Olhando para o futuro, p.78). Ele que relutou contra as vestes dos rabis, e fariseus (Mt;23,5),  lhe entregaram as vestes mais ricas da face da terra na pessoa dos mesmos Papas, quando nas decretais de Graciano a eles foi permitido usar as insígnias e vestes do imperador? Ele que nunca exerceu as funções de sacerdote no Templo, nem alguma vez vestiu roupas dos sacerdotes, cobriram-no de honras do Sumo Sacerdote e o rotularam de Sumo Sacerdote, sequestrando-o da sua qualidade de profeta ambulante e frequentador leigo da sinagoga? Ele que lutou contra encher odres velhos com vinho novo, porque o “vinho novo arrebentava os odres velhos” (Lc.5,37) aplicaram-lhe os títulos do Antigo Testamento além de sumo sacerdote também filho de Davi-imperador, a fim de continuar com os sacrifícios no templo e com as guerras contra todas as nações para conquistá-las para o Novo Israel? E que corrigiu os discípulos quando não aceitaram o outro “expulsar demônios” sem autorização dele, e proibiu-os de pedir “fogo do céu contra eles” (Lc.9,54), esse Jesus continua assistindo a tanto fogo das Igrejas contra religiões afro, indígenas e orientais porque não têm autorização “oficial”? Ele que disse: “onde dois ou três estão reunidos em meu nome eu estou aí no meio deles”(Mt.18,20), continua assistindo às atitudes de quem pensa que só existe assembleia onde tem padre ou bispo. Jesus, que lutou contra o patriarcalismo, colocaram-no no mesmo plano de Abraão, fazendo comparação entre ele e Abraão, “antes que Abraão existisse eu sou” (Jo.8,58) uma pura concepção da pessoa de Jesus como sendo o Logos preexistente da teologia gnóstica de João, tão preexistente como era a “Sabedoria” dos Judeus “que presidia a todas as obras da criação desde o início.”(Prov.8,22-36).  Sequestraram Jesus no espaço e no tempo como se fosse esse Ser da filosofia gnóstica grega, o “Logos,” ou da filosofia judaica da “Sabedoria. “É impossível anunciar uma Boa Nova para um mundo que se despreza” afirma numa frase lapidar João Batista Libanio (o.c.p. 80). Ah mas aí fui sequestrado, falaria também Jesus, porque “Deus amou tanto o mundo” (Jo.cap.3), mas a Igreja de Cristo não tem tido esse amor, quando desprezou o mundo como “mau”, condenando-o por suas descobertas filosóficas e científicas, como no caso de Galileu, e na época do Iluminismo que trouxe as novas filosofias da razão pura e dos Direitos humanos, assim como na engenharia genética. Sequestraram Jesus.

Conclusão. Finalmente, sequestraram Jesus, tirando-o do Novo Testamento e deslocando-o para o Antigo Testamento quando, pela Carta aos Hebreus escrita por um judeu convertido sequestraram Jesus do N.T. para o A.T. configurando-o como sacerdote do antigo testamento igualzinho àqueles sumos sacerdotes que viviam e enricavam no Templo e sendo os maiores proprietários de fazendas e os maiores políticos da época e chefes do Sinédrio que decretou a morte de Jesus. JESUS SEQUETRADO.

P.Casimiro João    smbn

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