Fé é uma coisa, religião é outra. O ser humano já nasce com
fé. O ser humano que despertou para a consciência despertou também para a fé.
Por isso nas democracias modernas se manda respeitar a fé das pessoas, como se
respeita a pessoa. Os ancestrais, de todos os continentes e ilhas tinham fé. E
no dizer dos antropólogos, o sinal indicador é o culto dos mortos mostrado nas
descobertas e escavações arqueológicas, o que distingue os humanos dos puros animais.
Então, cada agrupamento tentou organizar a sua fé, ou configurar, colocando-a
inteligível e apta para a memorização, e socialização. Deram assim uma
configuração para as ideias segundo as quais
expressavam sua fé, trazendo para a palavra o que estava na cabeça e no
coração e dando-lhe forma. Avançando mais um ponto, assim surgiram as
diferentes religiões para expressar a fé igual em todas as latitudes.
Apareceram então as várias” doutrinas”, ou configurações da fé. Os teólogos
chamam-lhes de sistemas, e também paradigmas, mas detenhamo-nos no termo
“sistemas” que na linguagem da computação de hoje chamamos também de
“configurações”. Vamos recuar para tempos mais antigos, para os exemplos de fé
dos povos antigos. Exemplos mais conhecidos e sofisticados, os Judeus e os
Gregos. Tanto para uns como para os outros havia o deus principal no panteão
dos deuses, e havia os deuses subalternos. O caso mais conhecido era o
“demiurgo” no mundo grego. Segundo Platão, o demiurgo era o artesão divino ou o
princípio organizador do universo. No pensamento gnóstico, ele era distinto do
Deus supremo e em geral considerado mau. O deus principal não se misturava com
a matéria por ser má, e vivia indiferente ao mundo criado, como coisa que não
lhe dizia respeito. Então o deus de segunda classe se evadiu do seu comando, e
conseguiu criar este mundo como está agora, e ficou o chefe deste cosmo,
chamado mundo, que não tinha nada a ver e a dever ao deus supremo. O evangelho
de João faz referências a este demiurgo, chamando-lhe “príncipe deste mundo”, e
“chefe deste mundo” (Jo.14,29-31). Na
alta filosofia, os sábios lhe chamavam de “Logos”, que passou para os latinos
como “Palavra” e “Verbo” por “quem tudo tinha sido criado e sem ele nada do que
foi feito se fez”, como refere também o mesmo evangelho de João (Jo.1,3).
Passando agora para a cultura e a filosofia judaica, no capítulo oito dos
Provérbios vem a mesma figura do demiurgo e do Logos poeticamente descrita e
identificada, à semelhança também de um segundo deus, e que tinha sido “mestre
de obras” de todas as obras de Deus. (Prov. 8,30): “Eu existia antes de suas
obras mais antigas, desde a eternidade eu fui constituído, desde o princípio,
antes da origem da terra. Fui gerado quando não existiam os abismos, antes das
águas, antes das montanhas, antes das colinas fui gerado. Antes das terras,
campos e os primeiros vestígios do mundo. Estava presente na preparação do céu e
da abóbada celeste, lá estava eu firmando as nuvens no alto, e reprimindo os
mananciais do abismo, e fixando os limites ao mar, de modo que não
ultrapassasse suas bordas” (Pov. 8,22-30). Este segundo deus “mestre de
obras” é em tudo outra versão do demiurgo ou Logos dos Gregos. Avançando para o
Novo Testamento, os primeiros cristãos quiseram dar forma à fé no Deus Javé, e
aglutinando estas categorias tanto do Antigo Testamento quanto do demiurgo dos
gregos, no meio dos quais viviam. Os Padres, os Filósofos e Teólogos da
primitiva Igreja, pensando ainda na promessa de Jesus do Espírito Santo, se
preocuparam em organizar ou configurar a fé em dados que servissem para todas
as igrejas e comunidades. E estavam bem por dentro das figuras do demiurgo ou Logos dos gregos, e do “deus-sabedoria-mestre-de-obras” dos
Judeus. Isso se expressou no Deus Pai, no Deus filho e no Deus Espírito Santo,
que nas suas filosofias aglutinaram num só Deus com uma natureza ou essência
única mas distintos como pessoas subsistindo por si. A união do filho de Deus
com a natureza humana ficou chamada de união hipostática, que, como dizem os
teólogos, para o povo ficou ininteligível, como para nós também. E da promessa
de Jesus do Espirito Santo, as dúvidas eram se procedia só do Pai, ou também do
Filho. Para os gregos, só do Pai; para os latinos, do Filho e do Pai. Ficou firmada
a configuração da SS.ma Trindade. Configuração que os teólogos chamam de
sistema ou paradigma. Para acabar com a discussão que não terminava, foi
convocado um concílio para a cidade de Éfeso no ano de 325. Quem presidiu e
quem convocou o concílio foi o imperador Constantino que temia um racha na
Igreja e no império. Das duas alas de opinião ele escolheu uma, e essa foi
imposta para todos. Aos que não concordavam mandou para o exílio, e outros
mandou assassinar. E como seria se ele tivesse escolhido a outra ala?
Conclusão. Geralmente a gente pensa que o Papa sabe tudo, mas ele tem
os assessores, e convoca reuniões e sínodos e concílios para estudar: ora quem
estuda é para saber; os bispos não sabem tudo; os teólogos que vivem estudando
não sabem tudo; os padres não sabem tudo. Até porque Papas e concílios já
afirmaram coisas como dogmas e depois outros Papas e concílios desfizeram. O
último exemplo foi a condenação da teoria da evolução pelo concílio de Colônia,
em 1860, e há pouco tempo essa teoria foi aceita como certa pelo Papa João
Paulo II no dia oito de dezembro de 1969.
P.Casimiro João
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