Para os evangelhos sinóticos a vida
eterna era destinada para o final dos tempos; mas para João é agora, já na
presença atual de Jesus. Para os sinóticos Jesus voltaria no final dos tempos
como filho do Homem para o julgamento; para João, durante seu ministério
terrestre Jesus já tinha descido de Deus para ser juiz.
Estas diferenças do entendimento da escatologia
de João são o desdobramento da sua cristologia da preexistência do Verbo
em Jesus. E daí podia tecer agora as afirmações acima “Quem nele crê não é
condenado, mas quem não crê já está condenado” (Jo.3,18).
O cristão joanino não pensava que seria
preciso esperar até a segunda vinda para ver a Deus. Para João, todo
aquele que viu Jesus já viu o Pai: “desde agora o conheceis e o vistes” (Jo.
4,7). Isto era um grande argumento para enfrentar as consequências da expulsão
das Sinagogas que os cristãos joaninos tinham sofrido nessa época. Por isso
acrescentou também “não vos deixarei órfãos” Jo.14,18.
Estamos no tema joanino da
preexistência do Verbo. Além desta cristologia da preexistência há outras
influências da primitiva cristologia do Subordinacionismo neste
evangelho, e do Separatismo. Como vimos no Blog anterior a primitiva cristologia
tinha três correntes, o Adocionismo, o Subordinacionismo, e o Separatismo. Na doutrina do Adocionismo Jesus era só filho
adotado de Deus, desde o batismo; na doutrina do Subordinacionismo, Jesus era
subordinado a Deus e não era deus; na doutrina do Separatismo era Deus, mas
desde a Paixão tinha se separado do homem Jesus e veio depois unir-se a ele na
ressurreição. Em João há passagens colocando lado a lado umas que afirmam que
Jesus é igual a Deus em Jo.15,19; outras que descrevem Jesus como subordinado
a Deus, e “que não pode nada por si mesmo” em contrate com “Eu e o Pai somos Um”
Jo.10,30).
Outras afirmações consequências da
cristologia da preexistência são muito claras “Ninguém subiu ao céu
senão aquele que desceu do céu, o filho do Homem que está no céu” Jo.3,13. Em
seguida há uma contraposição a Moisés: “Não foi Moisés que vos deu o pão do
céu, mas meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do céu” 6,32. E ainda : “ E que
será quando virdes subir o filho do Homem para onde ele estava antes”? 6,62.
Para entender o alcance deste diálogo
devemos saber que os cristãos samaritanos que fizeram parte da comunidade de
João diziam que Moisés viu a Deus e depois voltaria para revelá-lo. João
replicava: “Não foi Moisés, mas Jesus que viu a Deus, e depois voltou
à terra para falar do que viu”, Jo.13.31 E Jo.6,46.
Há um detalhe na primitiva comunidade
joanina que ambienta estas teorias. A comunidade joanina era composta por um grupo
de cristãos judeus e um grupo posterior de cristãos galileus
samaritanos convertidos e de outro terceiro grupo de pagãos convertidos.
Deste grupo de cristãos pagãos convertidos é que são mais notórias as teorias
helenísticas do IV evangelho, da preexistência.
E da parte dos cristãos convertidos
samaritanos vinham as tendências de ser contra o Templo e as outras
instituições, dando preferência ao Espírito, como afirma o “diálogo
com a samaritana” Jo.4,23. Além disso,
uma separação com as instituições recebidas de Abrão: “ Aos que o
receberam deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus os quais não nasceram da
carne nem do sangue” Jo.1,13.
Aqui os cristãos joaninos insistiam em
que a entrada no reino não se baseava na descendência humana de ser ou não
filho de Abrão, mas em ter sido gerado pela fé e na aceitação de Jesus.
Por isso não precisavam da instituição do Templo e das estruturas judaicas.
Também o IV evangelho deve ter tomado a
cristologia da preexistência das Cartas de Paulo onde fala da “condição divina”:
“Sendo ele de condição divina não se prevaleceu da sua igualdade com
Deus mas aniquilou-se a si mesmo assumindo a condição de escravo e
assemelhando-se aos homens” Fil.2,6-7. Estas passagens podem significar que,
diferentemente de Adão, o qual também era feito à imagem de
Deus e tendo a condição divina mas se rebelou contra Deus, enquanto
Jesus não se revoltou mas aceitou a condição humana de servo, o que Adão
não fez. A este respeito já escreveu Orígenes: “Nenhum deles, Paulo, Mateus, Marcos e Lucas declararam abertamente a
divindade de Jesus como João, quando fez Jesus dizer “Eu sou a luz do mundo”,
“Eu sou a verdade e a vida”, “Eu sou a ressurreição”. (Em Raymond Brown “ A
comunidade do discípulo amado”, p.47).
E o que dizer quando o IV evangelho
chama os judeus de “filhos do diabo”? Jo.8,44. Tem a explicação no
ambiente da turbulência de quando os judeus convertidos foram expulsos
das Sinagogas depois do ano 70 d.C. Nessa época estava sendo escrito este
evangelho e acontecia a pior briga tanto assim que os convertidos judeus já não
se consideravam mais como “judeus”, e por conseguinte rotulavam os outros como
“diabos”. Aí vinham as acusações de que “eles” tinham matado Cristo, e não só,
também Estêvão, e Tiago irmão de João e Tiago irmão de Jesus, e no presente
momento açoitavam os que se convertesse ou deduravam aos romanos para serem presos
e mortos.
Aqui está o auge do conflito no IV evangelho:
Os galileus samaritanos contrários ao Templo,
e os que continuavam aceitando o Templo se degladiavam no mesmo
grupo e na mesma comunidade. E como diz R.Brown, o que aconteceu no IV
evangelho é que o vocabulário do tempo do evangelista foi transposto para o
tempo do ministério de Jesus em pessoa (o.c.p.47). A briga portanto
acontecia dentro da própria comunidade. Até porque os estudiosos concordam em
que Jesus em vida nunca pisou em território samaritano. A encenação da “Samaritana” portanto é uma
composição do IV evangelho. O que aqui acontece é que este vocabulário foi
aplicado a Jesus como tendo se reportado às autoridades judaicas, enquanto
na realidade era da época da escrita do evangelho.
E o que dizer então daquela piada “não
dizíamos nós, com razão, que tu és samaritano?” (jo.8,41). Aqui o histórico da
composição do IV evangelho refere-se aos samaritanos do cap. 4 e 5 onde traz
a polêmica entre os judeus-cristãos
tradicionais e os samaritanos que tinham
entrado em cheio na comunidade joanina na Síria. Isto sugere que a comunidade
joanina era considerada pelos judeus cristãos como “avançada demais”. Seria
como dizer hoje na ideologia polarizada “você é comunista”, “fulano é comunista”, uma vez que não é da ideologia do outro
lado.
Falei semana passada nas
características do evangelho de João, que sai dos padrões dos evangelhos
sinóticos. E nestes sete itens apontados salta aos olhos a sobrevivência dos
ambientes filosóficos do gnosticismo, com a preexistência do Verbo. E
assim como a alternância do afirmações da cristologia do Separatismo
e do Subordinacionismo, quando em várias passagens João balança entre as
duas teorias.
Por outro lado, é uma comunidade em
conflito, dado que se formou na época da destruição do Templo e da cidade de
Jerusalém, e aí sofreu no centro do furacão as investidas dos judeus que
acabaram por expulsar das Sinagogas os que se convertessem. E a convulsão aí
aumentou balançando entre o poder do Espirito e as estruturas do judaísmo
tradicional.
Aqui convém recordar um dado importante
que a comunidade não aceitava e não adequava com a instituição de Pedro como “a
pedra da Igreja” e o conceito das “chaves”, que era a principal bandeira da
comunidade de Mateus, pois a comunidade de Mateus seguia à risca a tradição
e herança de Israel, que na verdade foi o formato que a Igreja adotou.
Foi por esse motivo que posteriormente um outro redator eclesiástico aumentou o
último capítulo ao evangelho de João, o capítulo 21, para poder ser aceito nos
evangelhos canônicos.
P.Casimiro Joao SMBN
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário