sexta-feira, 9 de maio de 2025

ENTRE A CRUZ E A ESPADA.


 

Há um axioma hoje muito válido, devido ao pensador alemão Lessing, um dos grandes filósofos do Iluminismo que influenciou a teologia atual, onde se diz que “nenhuma religião possui toda a verdade, só o próprio Deus, qualquer que seja o seu nome, é a verdade” (G.Epfraim Lessing, apud H.Kung, Teologia a caminho, pag.263). Assim por exemplo, o ser humano procura  Deus como que às apalpadelas, como disse Paulo aos atenienses (At.17,27), ou como um enigma, num espelho, 1 Cor,13,12. Nós e também os bilhões de  pessoas de todas as religiões. Ah, mas nós temos os dogmas, e a palavra infalível de Deus. Cuidado, é por causa dos dogmas que a Igreja se tornou excludente, o que significa que a Igreja exclui, ou excluía um monte de gente, e hoje não exclui ninguém. No concílio de Latrão, em 1215 foi declarado como dogma que “fora da Igreja não há salvação”, e este dogma foi repetido no concílio de Florença cerca de 200 anos depois, em 1447: “ A santa Igreja romana crê firmemente, confessa e prega que ninguém fora da Igreja católica, não apenas os pagãos, mas também os Judeus, hereges e cismáticos não poderão entrar na vida eterna. Todos vão para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos, caso não se incorporem antes da sua morte à Igreja” (Denzinger, Hermann, op.cit.n.1351). Veja bem que este dogma já foi questionado no século XVI no concílio de Trento, e no século XVII Roma condenou os Jansenistas rigoristas franceses por propagarem este dogma; e em 1952 o Santo Ofício condenou o Capelão da Universidade de Harvard por continuar defendendo este dogma (Cf. H.Kung,o.c.p.266). Finalmente o concílio vaticano II considerou como nulas as declarações do concilio de Latrão  e de Florença na Constinuição sobre a Igreja: “Todos os que buscam a Deus sinceramente, procuram cumprir a sua vontade, conhecida por meio da consciência e agem sob o influxo íntimo da graça podem obter a salvação” (LG.n.16). E na Declaração sobre as religiões não cristãs: “A Igreja Católica não rejeita o que é verdadeiro e santo em todas as religiões” (NA.n.2). Isso significa que a posição católica tradicional  já não é a mesma daquelas épocas. E isto esclarece também, como afirma o teólogo H.Kung, “que a Igreja deixou aquele dogmatismo que se considerava de antemão na posse de toda a verdade, oferecendo às outras religiões apenas condenações ou exigências de conversão. Agora o desprezo das outras religiões deve ser substituído pelo apreço; a negligência pela compreensão; o proselitismo pelo diálogo. Na verdade, durante muito tempo, os pregadores e catequistas recebiam pedras em vez de pão” (o.c.p.217). Este axioma antigo de que todo mundo teria que entrar na Igreja católica pra se salvar é que gerou o jargão “fora da Igreja não há salvação”, fabricado por São Justino no séc.II, e que foi adotado e sacramentado pela Igreja. Não interessava em primeiro lugar a mensagem do evangelho, mas a Lei que obrigava com penas eclesiásticas e civis todos os cidadãos. Porque o cidadão tinha dois patrões, e duas camisas de força: a Igreja e o Império, porque agiam juntos. O cidadão estava fritado entre a cruz e a espada, como se dizia no jargão antigo. De um lado, a Igreja com a cruz, de outro lado, o Rei com a espada. E o “escravo-cidadão” exprimido no meio. Durante toda a Idade Média foi esse o regime. Foi preciso chegar o século XIX com a Declaração dos Direitos Humanos da liberdade de consciência e de religião para mudar esta situação, e dar a liberdade ao ser humano. Com isto, na Idade Média, havia duas espécies de escravidão: a física e a moral. A dos corpos e das mentes. A da sujeição aos donos de escravos, com a espada; e a sujeição aos donos da fé, com a cruz. Isto aconteceu depois que a teologia de Tomás de Aquino firmou o axioma de que a filosofia e a ciência eram escravas da teologia; e surgia dai a escravidão das mentes aos donos da fé, e ao mesmo tempo se sacralizava a escravidão aos donos dos escravos, e aos Reis. Baseado na filosofia de Aristóteles segundo o qual o estudo não era para as classes baixas e trabalhadores, mas para os “bem-nascidos”. Depois do Aquino veio o “Encridion ou conjunto das definições do magistério eclesiástico publicado por Henrich Denzinger em 1854, como um livro de Leis dogmáticas indiscutíveis. Estava sacralizada e sacramentada a escravidão das mentes, em paralelo com a escravidão dos corpos, a escravidão da cruz e da espada. Ah, mas a Bíblia! Ah, mas Deus falou! E o que olharam os outros? “Na história do Cristianismo é “lícito matar crianças, queimar viúvas e torturar hereges ate à morte? Pode-se justificar sacrifícios humanos porque são oferecidos a um Deus? E a magia que procurava forçar a divindade, tomada como religião?” (o.c.p. 278). O que nós criticamos noutras religiões, eles criticam no Cristianismo. Não sem razão há muitas vezes uma crítica bem clara das grandes religiões ao Cristianismo: “O Cristianismo parece aos olhos dos seguidores de outras religiões frequentemente exclusivista, intolerante e agressivo, apesar de sua ética de paz e amor. E sua aversão contra o mundo e contra o corpo. E exagera de maneira quase doentia a consciência do pecado da culpa do homem supostamente corrompido em seu interior” o.c.p.273. Por outro lado, cada religioso de cada religião pensa ter a “verdade”. Porém, nenhum problema produziu na história das Igrejas tantas contrariedades, tantos conflitos sangrentos e até tantas “guerras santas” como o problema da “verdade”. Em todos os tempos e em todas as religiões o fanatismo cego pela verdade atormentou, matou, queimou, destruiu, e assassinou impiedosamente. Nesta busca da verdade sempre tem que entrar a religião. Porém, todo mundo esquece que, como dizíamos, no céu não haverá religião nenhuma, só a  do amor. Na verdade “uma religião é verdadeira e boa na medida em que é humana, e não oprime nem destrói a humanidade, e sim a protege, e enquanto promove uma profunda convicção da unidade fundamental da família humana e da igualdade e dignidade de todos os seres humanos e um sentimento de inviolabilidade do indivíduo e de sua consciência” (o.c.p.278).

Conclusão. A sabedoria popular soube interpretar a situação em que vive o ser humano inventando o jargão “entre a cruz e a espada”. Essa expressão resume a situação vivida e na Europa e adjacências durante milênios de anos. Hoje em dia corremos o risco de transferir essa mesma situação deslocando o eixo desde a Europa para a América do Norte e adjacências reinventado a mesma realidade da cruz e a espada. Na Europa se aliavam os reis e o império aos Papas e à Igreja. O mundo corre hoje o mesmo perigo se o leão e um Trump fizerem alianças, já que ele teve a ousadia de se vestir de Papa e declarar “eu gostaria de ser Papa; seria a minha escolha n.1” (www.G1 Redação com Reuters 29/04/25).

P.Casimiro  João       smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 

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