segunda-feira, 20 de outubro de 2025

AMAI OS VOSSOS INIMIGOS.


 

Este estudo é sobre as diferenças entre o evangelho de Mateus, “Amai os vossos inimigos Mt. 5,44   e o evangelho de João:  Amai-vos uns aos outros, Jo.13,34. E sobre as consequências que daí resultam, como veremos no final. Em Mateus  o amor inclui os inimigos; em João especifica: “uns aos outros”. Quem são esses “uns aos outros”? São os discípulos da mesma comunidade, que “observam os mandamentos”. “Se observardes os meus mandamentos permanecereis no meu amor”Jo.15,1-6. Já vem de outra afirmação, do fato de Jesus recusar “a orar pelo mundo” “Não rogo pelo ‘mundo’, mas por aqueles que me deste, porque são teus” Jo17,9. Quem são os do “mundo”? No primeiro significado cosmológico, o ‘mundo’ era a Criação que era má porque era do demiurgo ou do maligno, e não do Deus supremo que não se misturava com a matéria; Esta afirmação tem o seu reflexo nas Cartas joaninas nas quais o ‘mundo’ também eram os judeus num primeiro tempo, mas depois estendeu-se aos ‘separatistas’ que tinham deixado a comunidade e fizeram outras comunidades, i.é, era tudo o que era alheio a eles. (Cf.wwwparoquiadechapadinha.blogspot.com.br de 18/72021). Isto sacamos também da 1ª Carta de João: “E há pecado que conduz à morte, não digo que se reze por eles” 1Jo.5,16, transformando-se  numa recusa a orar por outros cristãos que cometeram o ‘pecado’ de se separarem da comunidade deles. As Cartas de João são contra os “separatistas” que em massa deixaram a comunidade por divergências sobre a Cristologia (cf.www.paroquiadechapadinha.com.br  de 08/8/2021). Então os separatistas já não eram mais “irmãos”. Para o autor das Cartas, os ‘irmãos’ eram os da comunidade dele. Na verdade foram estas disputas internas que deram origem às Epístolas joaninas. Como afirma R.Brown, no livro “A Comunidade joanina”. E aqui aparece a grande anomalia dos escritos de João. Em nenhuma ocasião do Novo Testamento se levanta tanto a voz em favor do amor dentro da fraternidade cristã. Com fervor evangélico o autor afirma: “Quem não ama seu irmão a quem vê, como poderá amar Deus a quem não vê” 1Jo.4,20. No entanto esta mesma voz é implacável em condenar aqueles irmãos que tinham sido membros da sua comunidade. Porém, agora eles são ‘demoníacos’, ‘anticristos’, ‘falsos profetas’, como afirma mais adiante: “Eis que há muitos anticristos; eles saíram dentre nós, mas não eram dos nossos” 1Jo.2,18. Enquanto que os membros da comunidade são exortados a se amarem mutuamente. A Carta recomenda que o trato com  os dissidentes deve ser o seguinte: “se alguém vem ter convosco sem ser portador desta doutrina não o recebam em casa nem o saúdem; aquele que o saúda toma parte em suas obras” 2Jo.10-11. Olhando superficialmente, ficamos maravilhados como o autor joanino mistifica o “amor” enrolado na sua comunidade. Porém dá a impressão que para a tradição joanina só existia ‘um único mandamento’, “esse é o meu mandamento’ Jo.15,12. No entanto, debaixo destas palavras está o radicalismo de se considerarem como irmãos somente eles. Em consequência com esta tese vêm outras afirmações limitadoras: “O Espírito da verdade que o mundo não pode receber porque não o vê nem o conhece mas vós o conheceis porque permanece em vós” Jo.14,17. E ainda: “Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci” 17,25.  Isto não nos surpreende numa tradição em que o evangelho coloca Jesus prometendo que aqueles que o conhecem conhecerão também o Pai. Claro que eram eles também os que “conheciam” o Pai. Assim como eram eles que “agiam segundo a verdade” e que “aproximavam da luz” Jo.3,21  e os “outros” andavam “nas trevas porque se afastavam da luz” Jo.8,12. Perto de finalizar, comparemos a linguagem dualista empregada por João no evangelho e nas Cartas contra o ‘mundo’ e contra os judeus: Os seguidores de Jesus “não andavam nas trevas”: “Quem ama seu ‘irmão’ não anda nas trevas. Quem ama seu ‘irmão’ permanece na luz” Jo.8,12. Agora o oposto: “Vós tendes como pai o demônio” Jo.8,44. “Aquele que peca é do demônio; todo o que é nascido de Deus não peca” 1 Jo.3,8.  Claro que quem peca são os “outros”; e  os “justos”    são eles. Mas os separatistas diziam que João os odiava com tantas condenações contra eles. Quando avaliamos o evangelho de João descobrimos um senso de hostilidade de “nós contra eles”. Este fato levou os cristãos de séculos posteriores a ver uma divisão dualista da humanidade. Um “nós” que estamos “salvos” e um “eles” que não estão. Na sua atitude para com os separatistas “nem os recebam nem saúdem” 1Jo.2,19 ele forneceu incentivos àqueles cristãos de todos os tempos que se sentem justificados, e motivação para odiar outros cristãos” cf.R.Brown, o.c.p.141.

Concluindo. É provável que nos cause arrepios esta constatação talvez nunca imaginada por leitores dos escritos atribuídos a João. Mas temos que nos acostumar com a ideia de que os escritos bíblicos foram escritos por gente igual a nós que viveram as mesmas lutas e tiveram as mesmas experiências de amor limitado e grupal, e repulsa e condenação para quem não pensava igual a eles. E também caíram na tentação de ‘apropriar-se da verdade’ de Deus e da sua ‘salvação’ e da presença do seu Espírito limitada a eles. Isso mostra um quadro mais real da vida da Igreja, com mazelas e tudo, como dito atrás www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 18/7/2021.

P.Casimiro João      smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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