“A Bíblia não caiu do céu. É a memória escrita do antigo e novo Israel a caminho no tempo e na história e é, em primeiro lugar e em toda a sua amplidão da palavra, palavra humana. Na Bíblia há imperfeições, lacunas, limites científicos, filosóficos e também religiosos, datas inadequadas, muitos traços folclóricos e legendários, etc. Como conciliar estes dados com a verdade da palavra de Deus, com a inerrância-verdade da Escritura? Fidelidade ao mistério da Bíblia significa antes de mais nada, tomar consciência de sua humanidade, sob pena de nos tornarmos “monofisitas”. (Valério Mannucci, 91-92).
Para
entrar na interpretação da Bíblia são usadas, agora, muitas ferramentas. A que
deu origem a várias delas foi a ferramenta dos gêneros literários. O pai
dos gêneros literários foi H.Gunkel (1.862-1932), o autor da célebre expressão Sitz in Leben, i.é, situação vital.
Gunkel
começou por aplicar essa ferramenta aos salmos e Gênesis, depois vieram
Dibelius, Schmid, Bultmann, que
estenderam essas ferramentas aos Evangelhos Sinóticos. Daí em diante teólogos e
pesquisadores católicos e protestantes deram-se as mãos. Nos últimos decênios
os estudos redacionais puseram em primeiro lugar a intenção particular e a
concepção teológica de cada autor ou redator final. Daí veio outro resultado,
que foi unir à história redacional a história das formas.
E
a primeira pergunta que vem é sobre a Inspiração bíblica. Claro que no
mundo da Bíblia existiam as pitonisas e os adivinhos ou videntes, entre eles a
famosa Pitonisa de Delfos, um lugar mais famoso que o João de Deus de
Goiás. E eram os donos dos oráculos. Nessa época também apareceu a lenda dos
LXX, segundo a qual a Bíblia judaica passou para a língua grega em 70 dias por
70 escribas, como sendo ditada e inspirada diretamente pelo espírito de Deus. O
judaísmo também julgava a Toráh como inspirada por Deus e até pré-existente
em Deus. (Vannucci,150).
Durante
toda a Idade Média reinava o conceito de Inspiração como se toda a Bíblia fosse
inspirada e ditada por Deus. A primeira vez que se falou em “Inspiração”
foi no Concílio de Florença no séc. XV, (1442). Pelo conceito de inspiração
acreditava-se que todas as palavras da Bíblia eram ditadas diretamente por
Deus. E que os escritores eram simples instrumentos.
Pio
XII no documento sobre o Espirito Santo e a Bíblia (Divino aflante Spiritu), em 1943 já falou que é preciso atenção
especial aos gêneros literários. E o Vat.II falou depois que os
escritores não são instrumentos, mas verdadeiros autores. E referiu-se à
ciência bíblica para tirar proveio das modernas descobertas. (DV.11). Eis as
palavras: “A inspiração não tira nem
substitui a plena, livre e consciente atividade do autor humano, e por isso não
se resolve num ditado da parte de Deus, e nem é equiparável a uma inspiração
tipo divinatório. O intérprete volta com a mente para aqueles remotos séculos
do Oriente, e com o apoio da história e da arqueologia é guiado a discernir os
gêneros literários” (EB.558-559). Os escritores bíblicos são verdadeiros
autores; nós os ofenderíamos se não lhes reconhecêssemos com todos os direitos
o titulo de “verdadeiros autores” (DV.11).
A
este respeito comenta Valério Vannucci: “Todo recurso apressado ao Espírito
contra a letra do texto é ao mesmo tempo uma traição à palavra de Deus e às
leis do falar humano”(361).
Nos
últimos decênios, dizíamos atrás, os estudos redacionais puseram em primeiro
lugar a intenção particular e a concepção teológica de cada autor ou redator
final. Porquê? Porque os papiros ou pergaminhos originais se
perderam. Daí facilmente aconteceram erros de transmissão porque foram feitas
cópias de cópias de material muito prejudicado com o tempo. Tertuliano foi o
primeiro que usou o nome de Novo Testamento, no ano 200 d.C.
O
Conc.Vat.II também se pergunta se há revelação-inspiração nas grande religiões.
O Concílio inclinou-se a responder no positivo, como no Corão, Veda do
hinduísmo, Tripitaca do budismo e Kojikei-Nihonshoki do Shintoismo japonês. O
documento Nostra Aetate, n.2 recomenda respeito para com esses livros. Já no
Simpósio de Bagalore, na Índia, promovido pela Cmissão Ncional de Liturgia e
Catequese católica se firmavam essas ideias, em 1947. Aliás, a respeito das
verdades católicas, o Vat. II tem a
seguinte afirmação: “Existe uma
hierarquia nas verdades da doutrina católica, sendo diverso o seu nexo com o
fundamento da fé” (DV.11).
Antes
do Conc.Vat.II havia a “Inerrância”
segundo a qual não podia haver erros na Bíblia. O Vat.II suprimiu a
palavra inerrância e a substituiu por: “a
verdade das Sagradas Escrituras” Inerrância significava que a Bíblia não
continha erros. A “verdade bíblica” significa: a verdade que Deus quis
comunicar-nos, também chamada de “verdade salfífica” (DV.11).
Aí
faz-nos voltar de novo aos gêneros literários que já referimos atrás, entre os
quais entre o mito e a saga, no exemplo maior que é o episódio de
Jonas. Em Israel e na cultura do tempo ensinava-se narrando.
Então é um tipo de novela que divertindo mostra a vontade salvífica de Deus a
respeito de todos os povos, como nas novelas modernas: não aconteceu mas
conta-se como tendo acontecido.
E
leva-nos para a exegese hermenêutica. O primeiro neste trabalho foi Origenes,
séc. III, para o qual a exegese era descobrir o sentido literal e o
sentido espiritual. Continuou em toda a Idade Média até o Renascimento, com
a preocupação de novas ferramentas para a Escritura. O pai da hermenêutica
moderna é Schleiermacher,
1768-1834).
Podemos
definir assim a hermenêutica: “A ciência
e arte de compreender as expressões da vida fixadas por escrito”. Depois
dele vieram outros como: Dibelius, Heideger, Bultmann, Gadamer, Habernas, e
veio a hermenêutica psicanalítica com Von Rad, Pannemberg, Moltmann, P.Ricoeur
e Ferdinand Han, assim como na hermenêutica social teve os mestres da
suspeita, Freud, Nietzsh e Marx.
Começámos
este tema como: Bíblia palavra humana, e vimos o esforço humano e as
ferramentas humanas de redação e interpretação, e terminamos com a verdade
bíblica da Bíblia onde se enfoca a vontade salvífica de Deus contida
na Bíblia. Então será bom o nome: Bíblia palavra humana e palavra de Deus.
Por
fim, o Vaticano II foi muito sábio quando deixou o “caminho aberto para tirar
proveito das ciências modernas”, e elas ainda não se esgotaram.
P.Casimiro smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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