Onde
há divórcio é porque houve casamento. E às vezes o divórcio é doloroso e
precisa coragem para que aconteça. E não é questão de conveniência, mas de
sobrevivência.
A
Igreja trazia com ela o casamento com o mundo antigo, mítico, mágico, dualista,
maniqueísta, imaginativo. Esse mundo hoje já virou a página, e hoje é um mundo
científico, unitário, e realista. Este mundo vinha se gestando por meio das
novas filosofias e cosmovisões desde o séc. XVI e irrompeu no séc. XVIII com o
Renascimento, e trouxe no seu bojo o Iluminismo, a filosofia da razão,
a nova Psicologia, a Psicalálise, a Astrofísica e a nova Cosmologia e Antropologia. Já
falámos nesta matéria em outros temas, mas agora devemos aprofundar a questão,
que nos leva ao diagnóstico da doença que causou o choque da Igreja com a
modernidade nos séculos XVIII e XIX. Este choque de duas visões de mundo em
andamento causou traumatismo no corpo da instituição eclesiástica. Já houve
cuidados médicos e reanimação de membros, mas, quem sabe, ainda restam sequelas
e canais do organismo onde o sangue novo ainda não chegou. Estou me referindo
mormente à nova cosmologia e à teoria da evolução e em especial à troca do Criacionismo
ancestral pela teoria da evolução cósmica e das espécies. Quando
falamos de criacionismo falamos dos mitos babilônicos, sumérios, persas
e zoroastristas, e masdeístas da primitiva história. Aquele criacionismo
segundo o qual se formou o aparecimento dos homens do sangue do deus Marduk que
nas guerras entre os deuses foi derrotado, caiu na terra e do sangue dele foram
formados os homens pelos deuses aqui de baixo, sangue amassado com o
barro da terra. E nessa onda se inspiraram os primeiros autores de Bíblia para
se aproveitarem dessa história trocando o sangue pela água amassada com o mesmo
barro da terra. Esta é a teoria do Criacionismo clássico e bíblico,
segundo o qual o resultado desse trabalho de oleiro deu origem a um casal que
depois gerou a pouco e pouco a humanidade. E nesta geração, deixada só a cargo
do “primeiro casal” geraram-se os problemas e mitos subsequentes como
este: a relação sexual do primeiro macho com a primeira fêmea tornou-se a causa
do sofrimento do mundo porque eram matéria. A relação vinha da matéria e não do
espírito, e dai vinha o mal pro mundo. Porquê? Porque formou-se uma doutrina
que a matéria não tinha sido criada pelo deus chefe mas pelo deus que caiu
derrotado, e esta matéria má passava em todas as relações sexuais. Como não
podia ser infeliz e pecadora a humanidade pensada deste jeito. Estas
consequências do velho criacionismo passou para o Novo Testamento, para a
primitiva Igreja, para a primitiva fé e a primitiva teologia. Durante os
primeiros Mil anos, e em toda a Idade Média reinou esta teologia, que devia
chegar até a Idade pre-moderna e Idade Moderna. Com a Idade Moderna chegou a
teoria de Evolucionismo e da nova Cosmologia segundo as quais a Criação
dos astros, do Cosmo, da Terra, dos seres vivos e dos seres humanos resultou da
primeira explosão nuclear do Big-bang há 15 bilhões de anos atrás, e com
intervalos de bilhões e milhões de anos surgiram, por novas explosões, os
bilhões de galáxias, estrelas, planetas, o Sol, a Terra, as plantas, os
dinossauros, todas as espécies de seres vivos vertebrados e invertebrados, e o
ser humano. Tudo isto, todo este pacote, incluído no chamado Iluminismo
que surgiu no Renascimento no séc.XIX. A Igreja, sendo pega de surpresa, sofreu
um trauma. E num exame laboratorial um biólogo religioso, historiador,
investigador e teólogo, fez o seguinte relatório e diagnóstico: “Não nos
surpreende que a autoridade da Igreja resistisse tão fortemente a esse
entendimento científico do desenvolvimento da vida. Grande parte da teologia
cristã dependia de uma visão do mundo que afirmava terem os seres humanos vindo
ao paraíso e que as coisas deram errado por causa dos seres humanos. O que
acontece agora quando somos confrontados com provas esmagadoras de que
desenvolvimento, morte, desastre e revolução eram partes essenciais da
existência deste planeta milhões e milhões de anos antes que os seres humanos
entrassem em cena? O que acontece quando alunos do Curso fundamental são
educados para uma visão do mundo totalmente diferente e aprendem, por exemplo, que os dinossauros
foram extintos mais de sessenta e três milhões de anos antes que os seres
humanos viessem a existir? O que acontece quando as imagens de Deus que estavam
tão entranhadas em nós, que ainda tanto fazem parte de nossa maneira de pensar
e prática religiosa são postas em dúvida por modos diferentes de ver e criação,
o universo, a realidade?” (Michael Morwood “O católico de amanhã”, Paulus,
pag.32-33).
Falamos
que a teologia das Igrejas nasceu com a letra dos inícios cosmológicos
milenares primitivos, tanto a pagã quanto a “bíblica” até aos nossos dias. E esse
casamento ainda perdura. Será preciso um tempo enorme pelo menos tão grande
como essa teologia tem perdurado até que dê lugar a outra, mais de outros 2.000
anos pra frente. A não ser que na Igreja e nas Igrejas haja um “tsunami” para
que esse divórcio possa se concretizar. Estou falando do divórcio da teologia
com essa cosmologia antiga para o casamento com a nova cosmologia. Porque na
verdade esta ideia está ainda no Catecismo, na liturgia, no CIC, na compreensão
e expressão dos sacramentos, orações litúrgicas e na piedade e religiosidade
popular tradicional., nas pregações e modus vivendi. Faz parte do sangue das
religiões. Sempre há um receio do Novo. Pelo contrário, a nova cosmologia e
sua visão do mundo não são ameaça ao cristianismo, pelo contrário, irão
alavancar o cristão para uma fé madura, responsável e adulta. Não sem motivo a
pergunta de M.Morwood a respeito: “Não poderiam, e não deveriam o Catecismo e a
liderança de Igreja em todos os níveis tentar nos libertar de imagens de Deus e
de um entendimento de Jesus que são dependentes de uma visão antiquada de
mundo? Não poderia e não deveria a liderança da Igreja adotar a realidade da
cosmologia contemporânea e ajudar os fiéis a fazer o mesmo?” (o.c.p.35). Concordo
com você, caro Morwood, mas aconselho a ter paciência, e paciência de 1.000
anos, e se não bastar, mais 2.000 e tantos outros anos mais, mas esse tempo vai
chegar.
Conclusão. Concluindo, estes receios estarão patentes da lentidão que refiro, como esta: Não será o medo de que os novos conhecimentos possam abalar padrões de pensamento religioso enraizados em todos os níveis dos crentes? Seria uma grande pena que esse medo dominasse. Na verdade, afirma Diamond O. Murchu: “é da essência do futuro ser perigoso”. Mas novos conhecimentos precisam ser incorporados urgentemente a nossa visão religiosa do mundo, para não continuar na visão das estórias da Branca de neve e Alice no país das maravilhas.
P.Casimiro
João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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