De acordo com os
ensinamentos judaicos no Talmude, o
Universo era composto de sete céus. E autores judaicos discutiam detalhes
destes céus, assim como as distâncias entre um e outro, sendo que havia acordo
em que a distância entre eles seria de 500 anos de viagem. Sendo assim, como
Deus habitava o sétimo céu(cf.2Cor.12,2) Deus estava a 3.500 anos de viagem dos
seres mortais. Estes céus tinham anjos como chefes e guardiões, cada categoria
de anjos comandava dez fileiras, nesta ordem: Serafins, Ofanins, Querubins,
Shishinins, (com Gabriel como chefe), Tarshinins, Ishins, Hasmalins, e
Hishinins,(com Miguel como chefe), Malaquins, e beneHeloins. Estes seriam os
dez Arcanjos que foram criados primeiro. Inclusive, quando Moisés subiu aos
céus enfrentou muitos problemas com algumas fileiras de anjos até conseguir o
seu lugar. Nalgumas categorias havia anjos que se revoltaram contra Deus e
estes eram os anjos caídos que na citação de Gênesis tiveram problemas com as
filhas dos homens, pois “os filhos de Deus (os anjos) casaram-se com as filhas
dos homens (Gn.6,1-4). Deus, estando tanto acima da Terra pouco ia se importar
com os seres humanos. (Cf Scholem, Gershom, “Talmud Tradition”,1965 e David Zumerkor,
“Numerologia judaica”, 1994, pari passu) E as injustiças reinantes na terra
continuavam e aumentavam. O homem não tinha defensor no céu. Somente os
poderosos e ricos é que copiavam essa hierarquia e essa separação, se dizendo
que eram o deus, ou os filhos dos deuses, e que os homens pobres não tinham deus,
eram os sem-deus. Assim como eram os sem-deus, eram os sem-terra porque Deus
não tinha deixado terra para eles. E assim nascia a escravatura. Não adiantava
o grito do pobre e do sofredor, porque não tinha deus que o escutasse.
Por isso que o
evangelho segundo João começou assim: “No
princípio era a palavra, e a palavra estava com Deus, e a palavra era
Deus”(Jo.1,4). Essa maneira de dizer era uma filosofia grega. Mas, quem
ouvia a palavra, essa que era Deus? Então essa palavra-deus veio ao mundo, que
não a reconheceu (Jo.1,10). Porém, aos que a reconheceram, ela deu-lhes a
capacidade de se tornarem filhos de Deus. (Jo.1-13). Para vir ao mundo, a palavra-deus fez-se carne.
Essa palavra ficou tão próxima como assim: Esta
palavra não é muito difícil nem está longe do teu alcance. Eis que não está no
céu para que você fique perguntando: quem subirá por nós até o céu para
trazê-la a fim de que possamos ouvi-la e colocá-la em prática? Também não está
além do mar, para que fiques perguntando: quem irá atravessar por nós o mar para
trazê-la a fim de que possamos ouvi-la e colocá-la em prática? Sim, essa
palavra está ao teu alcance: está na tua boca e no teu coração para que a
coloques em prática” (Dt.30,11-15). Tão próxima se tornou essa palavra-deus,
que, segundo o evangelho de João, se fez carne. Afinal, para os Rabinos essa
Palavra morava na distância de 3.500 anos de viagem. João e o Deuteronômio, por
seu lado disseram que mora na carne de quem a recebe e acolhe.
A
cristologia tradicional cristã aplica esta palavra-deus ao Cristo encarnado. A
teologia atual de Karl Rahner e outros aplicam-na a todo ente que recebe e vive
a palavra de Deus. Para K.Rahner a encarnação, portanto, não é um problema
isolado, mas um acontecimento cósmico. Vejamos algum paralelismo com a
distância dos 3.500 anos de viagem, e a tese da proximidade de K.Rahner:
“Podia-se dizer do Criador, com a Escritura do Antigo Testamento que Deus está
no céu e nós na terra; mas do Deus que proclamamos pela fé em Jesus Cristo é
preciso dizer que ele está precisamente onde nos achamos e somente ai pode ser
encontrado. Quando Deus quis ser não-deus, surge o homem”(K.Rahner, Curso
fundamental da Fé, p.269). “A união hipostática ou a autocomunicação de Deus
consistiu só num único caso ou deve-se pensar que essa autocomunicação se deve
pensar como a divinização da criatura espiritual pela autocomunicação de Deus?
Não será ela momento próprio e específico da concessão dessa graça aberta a
todos de um modo geral?”(o.c.p.239). “Esse acontecimento global não pode ser bruscamente acósmico e puramente
meta-histórico; pelo contrário, esta comunicação deve ser acontecimento que se
expanda desde ponto espacial e temporalmente determinado.” (o.c.p.241). Estamos
falando da transcendência e imanência de Deus, tema que trouxemos da
“distância” dos Rabinos, e da encarnação na carne, do IV evangelho. Deduzimos
daqui que esta “encarnação cósmica”, como no dizer de K.Rahner, se aplica a todos
que praticam de coração sincero as suas religiões, como afirma a Gaudium et
Spes do Vat. II, N.16. Eis como fala isso o mesmo autor citado: “Ao dizer a
Escritura que quem ama o próximo cumpriu a lei, trata-se da verdade última, uma
vez que o próprio Deus tornou-se este próximo, e desta sorte em todo o próximo
sempre é acolhido e amado Aquele que é simplesmente o mais próximo e o mais
longínquo”(o.c.p.272). Quase na mesma página é chamado o homem como a “cifra”
de Deus (268). Há uma revelação universal que entra na mesma dança da revelação
bíblica, antes e depois de Jesus Cristo: “Não é só a ‘história da revelação
bíblica antes de Cristo’ que constitui a ‘história da revelação’ pois
categorialmente não existe nada que aconteça também na história de outros
povos, mas ela é a interpretação dessa história como evento de comunhão
dialogal, e é a interpretação que constitui a história como história de
revelação"(K.Raher, o.c.p.204)
Conclusão.
Karl Rahner passou pela fórmula “as sementes do Verbo”, foi o pioneiro da
expressão teológica “cristãos anônimos”, do concílio Vat.II, e avançou para a
“encarnação cósmica” no livro “Curso Fundamental da Fé, após o concílio. A
fórmula “sementes do Verbo” já vem de São Justino que no séc.II d.C. afirmava
que todo ser humano participa do Logos ou seja, da palavra-deus e portanto traz
em si uma semente do Verbo. Pela formula “cristãos anônimos” K.Rahner explicava
a Lumen Gentium, n.16; e com a teologia da “encarnação ou união hipostática
cósmica” torna o acontecimento “encarnação” como acontecimento de que participa
ontologicamente todo ser humano consciente ou mesmo inconscientemente. Não
vamos nos admirar se por exemplo afirmarmos como inconscientemente participam
as crianças. Encerrando: “A teologia não consiste na “simples repetição” de um
ensinamento supostamente eterno; ao contrário, trata-se da tradução da mensagem
histórica daquele mundo de experiência ao nosso mundo de hoje” (H.Kung, Teologia
a caminho, p.198). E mais: “A história não é a permanência da mesmesidade mas o
devir do novo. A encarnação surge como o inicio necessário e duradouro da divinização
do mundo como um todo”. Isto nos leva a afirmar a possibilidade de genuína
história da revelação fora do Antigo e do Novo Testamento, junto com K.Rahner,
quando afirma: “Não está dito que encontremos semelhante pureza essencial da
revelação somente no âmbito do Antigo e do Novo Testamento”. “A relação com
Jesus Cristo constitui ou se afirma como patrimônio geral dos cristãos;
porém já no Novo Testamento e depois existem ou têm existido várias
cristologias legítimas” (K.Rahner,o.c.p.225, 219, 191 e 247).
P.Casimiro João
smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário