segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

União hipostática cósmica, Sementes do Verbo, Cristãos anônimos.


 

De acordo com os ensinamentos  judaicos no Talmude, o Universo era composto de sete céus. E autores judaicos discutiam detalhes destes céus, assim como as distâncias entre um e outro, sendo que havia acordo em que a distância entre eles seria de 500 anos de viagem. Sendo assim, como Deus habitava o sétimo céu(cf.2Cor.12,2) Deus estava a 3.500 anos de viagem dos seres mortais. Estes céus tinham anjos como chefes e guardiões, cada categoria de anjos comandava dez fileiras, nesta ordem: Serafins, Ofanins, Querubins, Shishinins, (com Gabriel como chefe), Tarshinins, Ishins, Hasmalins, e Hishinins,(com Miguel como chefe), Malaquins, e beneHeloins. Estes seriam os dez Arcanjos que foram criados primeiro. Inclusive, quando Moisés subiu aos céus enfrentou muitos problemas com algumas fileiras de anjos até conseguir o seu lugar. Nalgumas categorias havia anjos que se revoltaram contra Deus e estes eram os anjos caídos que na citação de Gênesis tiveram problemas com as filhas dos homens, pois “os filhos de Deus (os anjos) casaram-se com as filhas dos homens (Gn.6,1-4). Deus, estando tanto acima da Terra pouco ia se importar com os seres humanos. (Cf Scholem, Gershom, “Talmud Tradition”,1965 e David Zumerkor, “Numerologia judaica”, 1994, pari passu) E as injustiças reinantes na terra continuavam e aumentavam. O homem não tinha defensor no céu. Somente os poderosos e ricos é que copiavam essa hierarquia e essa separação, se dizendo que eram o deus, ou os filhos dos deuses, e que os homens pobres não tinham deus, eram os sem-deus. Assim como eram os sem-deus, eram os sem-terra porque Deus não tinha deixado terra para eles. E assim nascia a escravatura. Não adiantava o grito do pobre e do sofredor, porque não tinha deus que o escutasse.

Por isso que o evangelho segundo João começou assim: “No princípio era a palavra, e a palavra estava com Deus, e a palavra era Deus”(Jo.1,4). Essa maneira de dizer era uma filosofia grega. Mas, quem ouvia a palavra, essa que era Deus? Então essa palavra-deus veio ao mundo, que não a reconheceu (Jo.1,10). Porém, aos que a reconheceram, ela deu-lhes a capacidade de se tornarem filhos de Deus. (Jo.1-13).  Para vir ao mundo, a palavra-deus fez-se carne. Essa palavra ficou tão próxima como assim: Esta palavra não é muito difícil nem está longe do teu alcance. Eis que não está no céu para que você fique perguntando: quem subirá por nós até o céu para trazê-la a fim de que possamos ouvi-la e colocá-la em prática? Também não está além do mar, para que fiques perguntando: quem irá atravessar por nós o mar para trazê-la a fim de que possamos ouvi-la e colocá-la em prática? Sim, essa palavra está ao teu alcance: está na tua boca e no teu coração para que a coloques em prática” (Dt.30,11-15). Tão próxima se tornou essa palavra-deus, que, segundo o evangelho de João, se fez carne. Afinal, para os Rabinos essa Palavra morava na distância de 3.500 anos de viagem. João e o Deuteronômio, por seu lado disseram que mora na carne de quem a recebe e acolhe.

A cristologia tradicional cristã aplica esta palavra-deus ao Cristo encarnado. A teologia atual de Karl Rahner e outros aplicam-na a todo ente que recebe e vive a palavra de Deus. Para K.Rahner a encarnação, portanto, não é um problema isolado, mas um acontecimento cósmico. Vejamos algum paralelismo com a distância dos 3.500 anos de viagem, e a tese da proximidade de K.Rahner: “Podia-se dizer do Criador, com a Escritura do Antigo Testamento que Deus está no céu e nós na terra; mas do Deus que proclamamos pela fé em Jesus Cristo é preciso dizer que ele está precisamente onde nos achamos e somente ai pode ser encontrado. Quando Deus quis ser não-deus, surge o homem”(K.Rahner, Curso fundamental da Fé, p.269). “A união hipostática ou a autocomunicação de Deus consistiu só num único caso ou deve-se pensar que essa autocomunicação se deve pensar como a divinização da criatura espiritual pela autocomunicação de Deus? Não será ela momento próprio e específico da concessão dessa graça aberta a todos de um modo geral?”(o.c.p.239). “Esse acontecimento global não pode  ser bruscamente acósmico e puramente meta-histórico; pelo contrário, esta comunicação deve ser acontecimento que se expanda desde ponto espacial e temporalmente determinado.” (o.c.p.241). Estamos falando da transcendência e imanência de Deus, tema que trouxemos da “distância” dos Rabinos, e da encarnação na carne, do IV evangelho. Deduzimos daqui que esta “encarnação cósmica”, como no dizer de K.Rahner, se aplica a todos que praticam de coração sincero as suas religiões, como afirma a Gaudium et Spes do Vat. II, N.16. Eis como fala isso o mesmo autor citado: “Ao dizer a Escritura que quem ama o próximo cumpriu a lei, trata-se da verdade última, uma vez que o próprio Deus tornou-se este próximo, e desta sorte em todo o próximo sempre é acolhido e amado Aquele que é simplesmente o mais próximo e o mais longínquo”(o.c.p.272). Quase na mesma página é chamado o homem como a “cifra” de Deus (268). Há uma revelação universal que entra na mesma dança da revelação bíblica, antes e depois de Jesus Cristo: “Não é só a ‘história da revelação bíblica antes de Cristo’ que constitui a ‘história da revelação’ pois categorialmente não existe nada que aconteça também na história de outros povos, mas ela é a interpretação dessa história como evento de comunhão dialogal, e é a interpretação que constitui a história como história de revelação"(K.Raher, o.c.p.204)

Conclusão. Karl Rahner passou pela fórmula “as sementes do Verbo”, foi o pioneiro da expressão teológica “cristãos anônimos”, do concílio Vat.II, e avançou para a “encarnação cósmica” no livro “Curso Fundamental da Fé, após o concílio. A fórmula “sementes do Verbo” já vem de São Justino que no séc.II d.C. afirmava que todo ser humano participa do Logos ou seja, da palavra-deus e portanto traz em si uma semente do Verbo. Pela formula “cristãos anônimos” K.Rahner explicava a Lumen Gentium, n.16; e com a teologia da “encarnação ou união hipostática cósmica” torna o acontecimento “encarnação” como acontecimento de que participa ontologicamente todo ser humano consciente ou mesmo inconscientemente. Não vamos nos admirar se por exemplo afirmarmos como inconscientemente participam as crianças. Encerrando: “A teologia não consiste na “simples repetição” de um ensinamento supostamente eterno; ao contrário, trata-se da tradução da mensagem histórica daquele mundo de experiência ao nosso mundo de hoje” (H.Kung, Teologia a caminho, p.198). E mais: “A história não é a permanência da mesmesidade mas o devir do novo. A encarnação surge como o inicio necessário e duradouro da divinização do mundo como um todo”. Isto nos leva a afirmar a possibilidade de genuína história da revelação fora do Antigo e do Novo Testamento, junto com K.Rahner, quando afirma: “Não está dito que encontremos semelhante pureza essencial da revelação somente no âmbito do Antigo e do Novo Testamento”. “A relação com Jesus Cristo constitui ou se afirma como patrimônio geral dos cristãos; porém já no Novo Testamento e depois existem ou têm existido várias cristologias legítimas” (K.Rahner,o.c.p.225, 219, 191 e 247).

P.Casimiro  João    smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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