segunda-feira, 4 de agosto de 2025

A RESSURREIÇÃO SEGUNDO O MUNDO HELENÍSTICO E JUDAICO.

“A maior parte da Bíblia nega ou pelo menos ignora a possibilidade da uma vida futura, com apenas alguns poucos textos que se levantam fortemente com uma ideia diferente no período do Segundo Templo” (N.T.Wright, A ressurreição do filho de Deus, pag. 202). Afirmamos numa página anterior o seguinte, que pode-nos parecer estranho: “Se o mundo antigo não judaico tinha seu antigo testamento era Homero; e Platão era o novo testamento” (o.c.p.71)  Digamos que nesta teoria helenística de Homero, séc. VIII a.C. não havia ressurreição nem imortalidade, e nisto se assemelhavam à Bíblia do Antigo Testamento com Moisés, da mesma época  séc.VIII antes de Cristo. Porém, com Platão, séc. V a.C. se falava, em vez de ressurreição, em imortalidade: a alma deixava o corpo donde saía no momento da morte e retornava imortal e incorpórea para a estrela gêmea de onde se tinha originado. Os judeus, depois da era dos Macabeus, e com o livro de Daniel começaram a falar em ressurreição, pelo ano de 160 a.C., mas no sentido de “restauração”, não como conceito ontológico mas histórico. Porque não tinham em vista o estado do indivíduo depois da morte, mas a restauração da Nação como vingança sobre os povos que os tinham oprimido. Este conceito perpassa transversalmente todo o período seguinte e acompanha também o nascimento de primitivo cristianismo no Novo Testamento. O cerne do conceito de ressurreição começou por aí. E nos primeiros capítulos do livro dos Macabeus e do mesmo Daniel essa restauração começava pelos mártires assassinados pelo rei Antíoco como representantes da restauração de todo o Israel. Com Homero, mais ou menos da época de Moisés como dissemos, não havia vida nenhuma depois da morte. Foi preciso chegar a Platão e Epicteto para chegar ao conceito de  imortalidade da alma, que se desprendendo do corpo mortal voaria para a estrela da sua origem vivendo a imortalidade na ilha das bem-aventuranças e do gozo da companhia dos deuses. Os judeus eram também avessos a qualquer vida depois da morte, uma vez que não achavam nada a respeito no Pentateuco e nos Sábios, onde se dizia: “Os mortos apodrecerão para sempre como seu próprio destino” (Jó,20,7; Ec.12,7; Sl104,19). Este era o A.T. dos judeus, como o de Homero dos gregos. Uma novidade: Quando foi escrito o livro de Daniel é de todo provável que Daniel se pusesse em contato com a nova filosofia de Platão que estava entrando na cultura judaica, e, como num link descreveu: “ Os mortos ressuscitarão a um estado de glória no mundo, e terão a condição das estrelas, da lua e do sol dentro da ordem criada” o.c.p.180). Notemos que aqui permanece vivo o conceito de restauração e vingança, enquanto em Platão é conceito ontológico. Na verdade “toda a narrativa dos cap.2 e 4 de Macabeus, como afirma o autor citado é originária de Platão no helenismo” (p.178). A ressurreição tem a sua alma gêmea na esperança. Porém, qual era a esperança dos autores bíblicos? A esperança deles concentrava-se não no destino dos seres humanos após a morte mas no destino de Israel. A Nação e a terra do presente eram muito mais importantes do que aquilo que aconteceria com o indivíduo além túmulo. Até os tradutores gregos da Bíblia dos LXX, intencionalmente mudaram afirmações, como as de Jó, que havia a vida futura, no positivo, enquanto no original estava que não, Jó, 14,14 e 19,26 (cf.o.c.p.226). Por outro lado, o referencial do mundo judaico nos dias de Jesus e Paulo alinhava-se  com este mesmo imaginário e seguia os mesmos textos supracitados de Platão e Daniel e dos Macabeus como sendo as principais fontes para a sua crença geral da ressurreição” (o.c.p.174). E, queiramos ou não, essa era ainda a crença e o imaginário do primitivo cristianismo que ainda está vigorando no imaginário geral da cristandade de hoje. Por isso já foi dito noutra página que o nosso DNA de cristão é composto com os dna’s dos gregos, judeus, mesopotâmios e persas. O que falamos sobre o Novo Testamento está bem claro quando dois apóstolos pediram a Jesus para sentarem um do lado direito e outro do lado esquerdo quando chegasse o seu reinado.(Mc.10,1,37); E a na pergunta que não calava na boca dos apóstolos na hora da ascensão: “Mestre, é agora que vais instaurar o reino de Israel?” (At.1,6). Disse que a ressurreição, historicamente falando foi sempre um conceito mais político do que ontológico, ou seja a volta a uma nova vida individual, mas visava a nação como um todo. Numa dada época surgiu uma nova leitura da Bíblia que intrigou alguns pensadores mais independentes. Trata-se de nova visão da leitura do Gênesis. O livro da criação, o Gênesis, deu inspiração para os profetas Oseias e Jeremias, pois Javé criou os seres humanos soprando neles o seu próprio espírito e, quando ele o retoma para si novamente, eles novamente voltam ao pó, e assim o sopro de Deus era um empréstimo ao ser mortal.. Foi daí que surgiu a figura dos ossos secos em Ezequiel (cap.37), embora seja alusão clara também ao povo  ressequido de Israel. (Cf. também Os. 1,6). E também o livro do Êxodo, onde se fala no Deus que restaurou a vida seca do seu povo tirando-o do Egito. De qualquer maneira que busquemos ambientes e conceitos de ressurreição-restauração, houve sempre uma classe da elite dos judeus que nunca aceitaram qualquer tipo de ressurreição, os saduceus. Por dois motivos, o primeiro porque eles mesmos se consideravam os fiéis guardiões da tradição do inicio da Bíblia que não falava nada a respeito. Segundo, porque  pessoas que acreditavam que seu Deus iria criar um novo mundo, e aqueles que morrem em lealdade a ele durante o processo ressuscitariam para ter parte nele, teriam a probabilidade muito maior de perder o respeito pela aristocracia do que pessoas que acreditavam que esta vida, este mundo, são os únicos que existirão. Por outro lado, eles, que eram a aristocracia, liam o livro de Daniel e dos Macabeus como uma ameaça dos que queriam tirar-lhes o poder, como afirma Wright.  E por último, se olhassem para o conceito de ressurreição como “restauração”, isso não mexia nada com eles porque eles não precisavam de “restauração” nenhuma pois comiam no mesmo prato da aristocracia das nações opressoras e tinham os mesmos privilégios. E a “ressurreição” em Paulo quando fala que “iremos ao encontro do Senhor nos ares”? Não devemos nos deixar enganar pela metáfora de “subir” às nuvens, o que evoca Dn.7,13 que usa este texto para falar de vindicação ou vingança do povo da aliança após seu sofrimento. Ou seja, é uma maneira diferente de dizer o que Paulo já tinha dito em Gal.5,5 “o povo que pertence ao Deus único será vindicado”. Na sua linguagem metafórica ele fala também em “dormir e despertar” expressões empregadas para denotar  a transformação da vida que se produz em virtude da pregação do evangelho. Com esta metáfora Paulo reforça o ensinamento moral, e confere este ensinamento com a repetição da promessa sobre  o que Israel esperava: que a ressurreição-restauração que Israel ansiava já está em caminho em suas vidas por ação do Espirito Santo. Mais ainda, vejamos o ponto central: a lição de que a ressurreição de Jesus foi o cumprimento repentino e perturbador da história de Israel, inaugurando um novo e inesperado período da história, no qual os chamados pelo evangelho vivem como filhos do dia, esperando pelo amanhecer final (o.c.p. 320). A pista para tudo isto é que na morte e ressurreição de Jesus o Deus criador derrotou o poder da morte, de forma que a vida de seu novo mundo, a nova criação, o novo dia que amanhece já se antecipam nas vidas daqueles que foram conquistados pela palavra do evangelho e será completa na volta do Messias (id.id.)   Em tempo: “Senhor, é agora que vais restaurar o reino de Israel? Era a questão dos discípulos que explodiu na “despedida oficial” que Lucas colocou no final do seu evangelho e inicio dos Atos dos Apóstolos, At.1,6. Não admira então que Jesus, não tendo correspondido a essas expectativas, tenha tido o desfecho da condenação, como quem diz, este não nos serve, temos que esperar um outro. E daí a confusão de quando ele falava que ia sofrer e ser entregue, com a resposta do evangelho: “Eles não entendiam nada, mas tinham medo de interrogá-lo” (Mc.9,32). Conclusão. Compreendemos agora o conceito platônico sobre imortalidade, conceito ontológico referente à natureza do indivíduo e o conceito histórico de ressurreição-restauração dos judeus que se baseava na história da Nação.

P.Casimio João             smbn

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