sábado, 16 de maio de 2020

AS HABILIDADES DE LUCAS DE CONTAR HISTÓRIA NO MODO NOVELÍSTICO DA ÉPOCA.


Certa vez estava São Paulo e Barnabé na cidade de Listra, quando curou um coxo de nascença. Nessa hora chegaram uns judeus de Antioquia e Icônio que vinham perseguir Paulo, e o espancaram, e apedrejaram deixando-o só quando pensaram que estava morto, porém os irmãos o rodearam e o levaram para a cidade, e na mesma hora continuou o seu trabalho. (At.14,19-21)

Em outra ocasião a viagem era de barco e levantou-se uma tremenda tempestade de tal maneira que andaram mais de 15 dias à deriva no escuro, no vento e nas ondas sem rumo e sem comer nada. Até que chegaram na ilha de Malta onde puderam saltar em terra. Ali foi picado por uma serpente venenosa, e diante do espanto das populações nada sofreu, até que os presentes exclamaram, “este homem só pode ser um deus” (At. 28,6).

Eu estava lendo e fiquei pensando em tanta arte de Lucas nestes relatos. Aí me lembrei dum livro “Técnicas da História helenística”. Nestas técnicas eram seguidos os principais historiadores clássicos Heródoto, conhecido como o pai da História, Tucídides, Horácio, Tácito e Josefo.

Horácio tem a teoria para contar história: “Disfrute com prazer o benefício de ler histórias, não pode excluir o deleite de uma boa história bem contada incluindo temas de ação e de entretenimento em que o herói escapa da prisão, resiste ao apedrejamento, e picada de cobra".

Justo aqui tem todos esses condimentos. Além de outras ocasiões em que  Paulo e Silas saíram de noite de uma prisão quando o chão tremeu como num grande terramoto e se quebraram as suas correntes.(At. 16,26).

São Lucas lidava com esses conhecimentos, assim como eram conhecidos dos seus leitores. Assim nos diz Eugênio Boring que quando Lucas empreendeu a tarefa da composição de Atos dos Apóstolos “adotou e adaptou em boa consciência esse material com o qual podia contar a história cristã”. (Introção ao Novo Testamento, 1039).

O próprio Platão compôs longos discursos e colocou na boca de Sócrates como sendo dele, na época do seu julgamento. Do mesmo modo Josefo pôs discursos em pessoas que nem ele conhecia, e noutros que eram bem conhecidos, como fez com os discursos que colocou na boca de Eleázar na tomada da fortaleza da Massada pelos romanos.

Ao falar de discursos, São Lucas usou este mesmo método dos sábios da Antiguidade. Em Atos uma terça parte é feita de discursos. E outra terça parte são apresentações como se fossem citações literárias. Tanto nos discursos como nas citações usou o mesmo artifício histórico.

Sobre isso, o fundador da HISTÓRIA, Tucídides nos diz: “Os discursos eu dou na língua em que me parece que os oradores se expressaram e em que eu julgo que  exprimiram os seus sentimentos”. O mesmo fizeram  os historiadores Heródoto, Horácio, Tácito e Josefo.

Sobre o autor de Atos e evangelho de Lucas, devemos saber que no primeiro momento os Atos foram catalogados como CARTAS, e somadas às CARTAS PASTORAIS. Num segundo momento acharam por bem separá-las. Aí ficou de um lado o evangelho e Atos à parte. Qual o motivo? Porque  Atos não tinha tanto controle e ficou mais sujeito a interpolações novelísticas.

Além do já dito da dependência da maneira histórica de narrar do São Lucas, especialistas apelam para a base bíblica  dos SETENTA, agora mais concretamente no que se refere à composição do evangelho onde Lucas se inspirou para usar o mesmo método novelístico em que ele era mestre.

E aí vemos muitos assuntos confluentes e paralelos por ele adotados e adaptados também, como no evangelho da infância, e mais à frente no episódio da viúva de Naim, onde copiou e adaptou as cenas de Eliseu e Elias para a sua composição.

Terminando, podemos afirmar que a habilidade de Lucas é mostrar ao invés de relatar uma animada e envolvente maneira de contar uma história no modo regular dos novelistas e outros autores bíblicos.


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