Uma certa vez, no evangelho de Lucas, encontramos esta expressão: “Assim também
vós, quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘somos servos
inúteis’, fizemos o que devíamos fazer” (Lc. 17,10).
Em
primeiro lugar, a quem era dirigida esta palavra? A uma autoridade? A um sumo
sacerdote? A um doutor da lei? Ou a um governador? Não? Era a um trabalhador
manual ou rural, talvez um escravo. Na época do colonialismo era assim
que tratavam os colonos, mas ninguém diria isso a um “europeu”. Infelizmente
seguimos muito os vícios da antiga Grécia e Judeia neste campo. Os antigos
gregos seguiam a filosofia de Platão segundo a qual as ideias moravam no
Olimpo celeste, e eram separadas da matéria da terra. E havia uma parte da
humanidade que se devia dedicar ao estudo das ideias. Esta classe de pessoas
não podia se ocupar com trabalhos manuais e do campo. E deviam ter uma formação
adequada de estudo, ou “skolé”, donde deriva a nossa palavra Escola.
Esta era a filosofia de Platão e Aristóteles. A outra classe de pessoas
era dos trabalhadores rurais. Eles não estudavam e tinham que produzir os bens
para aqueles primeiros. Já para Homero e Hesíodo, o trabalho era um
castigo que Zeus impôs aos homens, coisa semelhante ao que encontramos no
Gênesis.
Entre
os romanos havia os cidadãos livres e os não livres, estes que tinham sido
derrotados nas guerras e faziam os trabalhos servis, isto é de servos e
escravos. E havia os detentores dos direitos de propriedades e os que
trabalhavam nelas sem nenhum direito. Os donos de propriedades tinham todos os
direitos perante os servos. Os servos eram desprovidos de todos os direitos e
de personalidade jurídica.
Em
consequência temos que olhar portanto as categorias sociais da época.: “servo
inútil” seria igual a animal de carga, que você pode espancar para andar,
trabalhar, pode maltratar, berrar com ele; se ele morrer tem logo outro animal.
Por isso o trabalhador só tem que comer para entrar logo no trabalho, como se
fazia com qualquer animal. Daí que esse desprezo de “servo inútil” significa isso,
e não vamos pensar que será um discurso de Jesus mas uma composição da época
usando as mesmas categorias sociais da época. Estamos longe ainda da Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1949 e dos direitos sociais dos
trabalhadores que foram se desenvolvendo do séc.XVIII em diante até chegar aos
nossos dias. Já vimos noutro BLOG como a própria Igreja, durante muito tempo
foi conivente com a situação de opressão, finalmente despertando e reagindo com
a publicação das Encíclicas Sociais. (www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 01/01/23), e no Brasil com as SEMANAS SOCIAIS.
Aqui
no Brasil, a primeira vez que se falou nos direitos dos trabalhadores foi na
Constituição de Getúlio Vargas, de 1934, onde foi instituído pela primeira vez o
salário mínimo, 08 horas de jornada de trabalho, e a organização do
trabalho de mulheres e crianças, muito requisitadas pela indústria
porque eram mais baratas. E solidificaram-se e aperfeiçoaram-se mais os
direitos trabalhistas com a famosa CLT, Consolidação das Leis de trabalho de
1943.
Conclusão. “Somos servos inúteis” portanto é uma daquelas sentenças
que passaram de prazo de época de validade e não dá para alguém se aplicar a
si com aquela iludida “humildade” que se
julgaria “evangélica”. Pelo contrário é falsamente evangélica porque uma
diminuição do ser humano. Tudo que é contra o ser humano é anti-evangélico. E
contra toda a mentalidade de Jesus que disse: “Eu não lhes chamo de servos mas amigos” (Jo.15,15).
P.Casimiro
João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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