Nos padrões do antigo Oriente a derrota
de uma nação poderia também indicar a impotência de seu deus. A nação da Bíblia,
que sempre considerou o seu deus Yahweh como o mais forte, um dia entrou em
crise com as sucessivas derrotas de que foi alvo. E agora? Era a pergunta.
Nessa hora tiveram que amargar e enfrentar a sanha dos deuses vizinhos que
“teriam derrotado” Yahweh assim como tinham derrotado a nação. Ashur, o deus
mais vizinho era visto como um imperador divino sobre todos os deuses das
outras nações. Assim o deus Ashur tinha o mesmo nome da Assíria e tinha
derrotado Yahweh. E o pior era que a Assíria dominava o mundo todo, desde o
Egito até a Palestina. Israel era um país quebrado. E de quebra, há um dado
importante nisso tudo: a base social de Israel foi quebrada, ao mesmo tempo que
a nação, qual era a base social? A família. E como é que a família foi
quebrada? Com os sucessivos cativeiros onde eram escravos. Como a terra fazia
parte da família, ela foi deixada para trás; os filhos foram deixados e
separados dos pais, e as mulheres separadas dos maridos. E ainda mais, os reis
ficaram também na cadeia feitos prisioneiros, ou mortos. Foi assim o retorno do
exílio quando essa nação quebrada voltou aos pedaços das terras estrangeiras.
Foi quando, em vez do rei, era nomeado o sumo sacerdote para o governo no lugar
dos reis que já não existiam mais, com exceção de João Hircano, (104 a.C.)
quando os romanos lhe concederam o título de rei antes de ser assassinado. Isto
era o ano 537 a.C. quando Ciro mandou eles de volta para suas casas, mas na
condição ainda de escravos da Pérsia que tinha vencido a Babilônia, e depois
ainda no poder de Alexandre, o grego em 333 a.C. no período helenístico, tendo
uma folga de 40 anos no período dos macabeus até cair no poder dos romanos em
63 a.C. Digamos que isto teria sido providencial da seguinte maneira: Antes, os
reis tínham os seus deuses, como qualquer um dos reis das nações vizinhas, ou
quando casavam com estrangeiras ou tinham concubinas que traziam os seus
deuses. Agora não tinham mais o rei, não tinham os deuses do rei e das
concubinas. E aquilo que anteriormente tinha sido tão criticado sobre os “deuses”
das outras nações eles esqueceram que
tinham sido também os seus deuses. Era agora a hora de começar a cumprir. Era o
século III e II antes de Cristo, quando Israel começou a considerar-se povo de
um só deus ou monoteísta porque disseram Yahweh é o nosso rei e o nosso deus
porque não temos outro rei, (Cf.Daniel, 3, 37ss.) Aliás, muito antigamente já
tinha havido o Akenatón do Egito que em 1.200 a.C. tinha decretado um só deus
para toda a nação, o que foi praticado até a morte dele.
Nesta época que estamos falando, a
Bíblia foi editada, e reeditada, e o monoteísmo que agora adotaram, digamos, na
marra, eles o estenderam como se tivesse sido praticado em épocas anteriores, o
que é uma falácia. E nas reedições que agora fizeram assim colocaram nas novas
reedições, desde o Êxodo, Deuteronômio, Crônicas etc.(Cf. 2Cr.36,14) Autores
modernos colocam esta data como a mais produtiva da escrita e reescrita da
Bíblia, dizendo que antes tinham só “ensaios”, nós diríamos rascunhos. E teria
sido esta a data da elaboração definitiva da Torah e dos Livros
Históricos, de Gênesis até Reis. (Cf. Mark Smith, “O memorial de Deus”, p.170).
E também Philippe Wajdenbaum, “Os argonautas do deserto, pari passu). Vejamos o
que diz M.Smith: “As reedições de grandes
textos religiosos sobre o passado parece ajudarem a gerar e a modificar a ideia
de uma deidade única na história bíblica”(o.c.p.177). E assim, esta atividade
de editar e reeditar textos antigos envolveu também sua configuração: Textos
deste tipo e deste tempo canalizaram todos os papéis dos deuses anteriores para
esta única divindade agora adotada, o Yahweh. Deste modo foi construída uma
afirmação pós-exílica sobre o monoteísmo como sendo constante em todo o passado
de Israel. “No contexto pós-exílico uma
das mais importantes asserções do monoteísmo reside na construção da primeira
metade da Bíblia Hebraica canónica, a Torá e os Livros Históricos” (M.Smith,
o.c.p.179). Na verdade, vejamos a data em que os estudos modernos colocam a
escrita da Torá e dos Livros Históricos: “O
formato destas obras foi concluído ao redor de 198 a.C. à época de Ben Sirac, sendo a última reedição do fim
do império persa. Desta maneira, e nesta estratégia, o politeísmo foi empurrado
para as sombras, ou negado, como se em todo o período tivesse havido “um só
deus em Israel” (o.c.p178),
estratégia que já foi explicada neste blog (www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de
25/2/24). Um exemplo flagrante: “Em
Êxodo, 6,2-3 fica bem claro que que os patriarcas não conheciam a deidade pelo
nome que a tradição javista associou ao chamado de Moisés” (o.c.p179). Estamos
vendo como a “memória coletiva de Israel
e a amnésia coletiva de Israel ajudou a gerar e visão monoteísta da Bíblia fora
da cosmovisão politeísta israelita mais antiga e, então, interpretaram os fatos
antigos à luz da nova visão” (o.c.p.179). Estamos agora observando como no
mundo acontecem coisas estranhas: religião e política caminham juntas, ou para
bem ou para mal. Sobre as acirradas críticas aos santuários de Dã e Betel, com
o deus Baal se recusando a unir-se aos cultos de Jerusalém com o deus Yahweh
mas também com a deusa Asherá o autor M.Smith observa o seguinte: “O problema não era ter ou não ter outros
deuses mas era a competição de diferentes divindades apoiadas por diferentes
santuários”.(o.c.p.81). Isto é, não eram problemas religiosos mas políticos
porque tanto em Betel como em Jerusalém cultuavam vários deuses e deusas, como
a Asherá, esposa de Yaweh. E tanto
assim que eles levaram esta briga até transportá-la para o Monte Sinai, onde
estrategicamente montaram a cena do “bezerro de ouro”. E tanto em Betel o deus
Baal era representado como um “bezerro de ouro” como em Jerusalém o deus Yaweh
era representado também como um “bezerro”, junto com a consorte “Asherá”, a
“Rainha do céu”(Cf. o.c.p.101; cf. Jer.7,18 e 44,19). Esse bezerro de ouro estava acontecendo
nesse momento entre eles. Na verdade O Sul queria que todos viessem em
Jerusalém, mas os do Norte não queriam e fizeram seus santuários e os seus
deuses (Dã e Betel). Embora que tanto uns como outros tinham vários deuses, com
suas imagens. O povo da Samaria fez esses cultos “a fim de impedir a sua
população de continuar sua peregrinação a Jerusalém,” (o.c.p.62; cf. 1 Reis,
cap.12), i.é, para que os Baal do Norte não fossem adorar os Baal de Jerusalém.
Antes de concluir, diremos com M.Smith que com todas as habilidades e
estratégias de época em época o Sinai conseguiu firmar-se como “uma realidade
quase divina, consistindo de múltiplas partes de diferentes períodos; em
resumo, como uma unidade “divina e eterna”, ainda que um amálgama humano unido
pelo tempo”. (o.c.p.215). Assim como “mudanças posteriores sobre as figuras de Davi
e Moisés foram transformados em figuras heróicas e lendárias”(id.p.230). Em
consequência: ”Historicamente falando, a revelação no Sinai, como ela é
apresentada na Bíblia, não “aconteceu” no ponto de origem de Israel. Em vez
disso, como vimos, a apresentação bíblica do Sinai envolveu descrições
construídas em vários pontos no tempo, apresentadas como uma única narrativa”
(o.c.p.232). Além disso, como dissemos na página anterior, Não há evidências claras da estadia de
Israel no Egito nem em fontes e documentos egípcios, nem na
arqueologia. (M.Smit, O memorial de Deus,p.176-177).
Conclusão.
Terminamos como começamos: Yahweh, deus fraco e forte. Era fraco quando sofriam
derrotas. Mas eles queriam sempre ganhar, e que Yahweh sempre ganhasse. Mas ele
ganhou sendo fraco e “derrotado” porque com as derrotas sucessivas do povo judeu
ele veio a ser o “deus e o rei dos judeus que já não tinham outros reis nem outros
deuses como vimos atrás. E assim a política andou sempre no meio. E apesar da
relativa folga depois de voltarem para suas casas, nunca o povo judeu alcançou
a liberdade depois da queda da Samaria no séc.VIII a não ser por uns 40 anos
com os macabeus, de 123 a 63 a.c. ano da conquista por Roma. E nunca também
deixou o politeísmo. Porém, depois dessa sujeição histórica às nações
estrangeiras e depois desses deuses que sempre cultuou, Yahweh ficou escolhido,
digamos, na marra, como único deus. Foi então o último recurso, e dali em
diante Israel, diante do mundo, teve ocasião
de ficar como o padrão de nação monoteísta. Vejamos o que diz uma
escrita da época: “Senhor, estamos hoje
reduzidos ao menor de todos os povos, somos hoje o mais humilde de toda a
terra: estamos sem reis, sem profetas, sem guias, não há holocausto nem
sacrifício, não há oblação nem incenso, não há lugar para oferecermos em tua
presença as primícias e encontrarmos benevolência”(Dn.3,37-38). É como você
quando não tem mais ninguém para quem recorrer é que se apega com Deus. Assim,
quando ficaram sem rei e sem seus deuses e suas concubinas, ele ficou como
único rei e único deus, como vimos, menos de 200 anos antes de Cristo. “Quando não há mais recursos, só Deus mesmo”.
Digamos que pela sua “fraqueza” Yahweh se tornou o deus “forte”,
historicamente, politicamente, e teologicamente.
P.Casimiro João smbn
www.paroquiadechapadinha.blgospot.com..br
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