Tomemos um exemplo em Mateus: “Não penseis que vim para abolir a lei e os
profetas; não vim para abolir mas para dar-lhes pleno cumprimento. Antes que o
céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da
Lei, sem que tudo se cumpra. Portanto, quem desobedecer a um só destes
mandamentos, por menor que seja e ensinar os outros a fazerem o mesmo será
considerado o menor no Reino dos Céus; porém quem os praticar e ensinar será
considerado grande no Reino dos Céus”(Mt.5,17-19). Em primeiro lugar, se
tomarmos este discurso à letra, Paulo seria o menor no Reino dos Céus, ou mesmo
excluído. Mas ele é um dos maiores no Reino dos Céus. E então? Ou a Bíblia
brinca ou temos que procurar uma explicação. É o que tentaremos fazer.
Comparemos com estas afirmações de
Paulo:”O homem é justificado pela fé, sem
a observância da lei”(Rom.3,28). E: “Ele(Jesus)
aboliu na sua própria carne as obras da Lei”(Ef.3,15). Paulo pôs a cabeça a
prêmio para acabar com a circuncisão. Jesus falou contra a observância do
sábado: “O sábado foi feito por causa do
homem, e não o homem por causa do sábado”(Mc.2,27). Falou contra a obsessão
da lei de lavar jarros e copos
segundo o mandamento deles (Mt.15,20). Contra
o conceito de comer “alimentos impuros” (Mt.19 ss). Faremos a pergunta: Então o
evangelho está cheio de contradições? Sobre o mudar “uma só letra ou vírgula”,
há um grande reparo a fazer. Os estudiosos dos pergaminhos e documentos antigos
estão carecas de observar que os copistas omitiam e trocavam letras, palavras,
vírgulas e pontos por falta de certezas e por falta de clareza do que estavam
copiando. Ou por engano próprio ou por falta de visão devido à fraca luz das
lamparinas de óleo ou de azeite, por cansaço do trabalho e de letras apagadas.
Quantas trocas devem ter acontecido, é impossível de calcular. Além de outra
coisa: as traduções de uma língua para outra: do aramaico para o grego, grego
para o latim, de novo para o aramaico e hebraico. Impossível de imaginar. Todos
os estudiosos e investigadores das ciências bíblicas afirmam que não existe
mais nenhuma Bíblia “original”, nenhum evangelho “original”. Dois pontos
importantes a considerar: Nos primeiros tempos da era cristã o povo era livre
de “aumentar” palavras, frases e textos nos evangelhos, Cartas, etc. Assim como
também faziam isso os próprios Judeus na sua Bíblia do Antigo Testamento. Um
cristão lembrava de fazer um comentário de tal discurso, de tal evangelho, e
fazia; o seu escrito ficava lá grudado junto com o evangelho, de tal maneira que
ninguém sabia se eram de Jesus essas palavras ou dos primeiros autores ou de
quem. Simplesmente ficavam lá. Podia ser um pregador, um catequista ou outro
cristão. Quem sabe, às vezes era de alguém que não concordava com o que estava escrito
e aumentava no texto a sua opinião. Do mesmo modo os Judeus na sua Bíblia, como
disse. Até que por fim os Judeus puseram um ponto final nisso e determinaram
acabar com esse costume e essa liberdade. Isso foi no século II d.C. o chamado
“canon.” Depois deles os cristãos fizeram a mesma coisa mas só mais tarde, no
século IV, o “canon” do Novo Testamento. Até essa data, o que não terá
acontecido de acrescentos e comentários nos evangelhos? Você pode imaginar.
Vejamos o que dizem os autores: “A Bíblia
não é mais a mesma desde que começou a ser elaborada. Há diferentes razões para
isso, como traduções, e reinterpretações dos manuscritos; as cópias eram feitas
à mão, e não sempre por profissionais. Ela não é um livro único mas um
compilado de diversos livros reunidos, que foram sendo escritos ao passar dos
anos. Esse detalhe resulta em erros, omissões de partes dos manuscritos e,
importante, tanto por problemas na tradução como por desejo de quem fazia a
cópia. Caso você não saiba de química básica, folhas de celulose ou fibra, como
papiros, ou couro de animal, se deterioram na presença da humidade, por este
motivo não se tem os originais dos textos bíblicos. Não existe originais da
Bíblia em local nenhum do mundo. O papiro p66, por exemplo, data do séc. III e
não contém a famosa passagem da mulher adúltera. A Bíblia é baseada na sua
grande maioria nos textos fragmentados, faltando partes, e tentando completar o
que faltava. De qualquer forma, o livro que conhecemos como “Bíblia sagrada”
não tem um original”.(C. Grossmann, Quora, 2009). No caso presente era a
época quente das polêmicas sobre a “circuncisão”. O Paulo pregava que não mais
necessária a circuncisão, outros que sim. Os cristãos convertidos do Judaismo
faziam muita polêmica. O Paulo já não estava vivo, mas ficaram as Cartas dele.
As Cartas de Paulo começavam rodando. As Cartas foram escritas antes dos
evangelhos. No caso, este evangelho de Mateus foi escrito nos anos 80-85. Por
outro lado, na comunidade onde foi escrito o evangelho de Mateus havia muita
influência de Pedro, pois era a região de Antioquia onde Pedro tinha pregado. E
como sabemos, entre Pedro e Paulo havia embates sobre a circuncisão. Pedro era
indeciso e Paulo era firme na sua decisão. Não é então de admirar que, ou no início
da escrita do evangelho, ou depois, qualquer pregador aumentasse a sua opinião
e escrevesse mesmo no evangelho contra a doutrina de Paulo. Aí havia o perigo
seguinte: muitas pessoas podiam ficar confusas sobre se foi Jesus ou não quem
falou este discurso que até só vem no evangelho de Mateus. É o que aconteceu em
toda a Idade Média até há pouco tempo que se ia repetindo. Infelizmente a
Igreja ensina-nos só a repetir, e não a pensar, e ameaçando com os dogmas. Até
que estudos e documentos encontrados e comparados, como os documentos do Mar
Morto em 1946 levaram os estudiosos a descobrir por sinais certos que muitas palavras
não são originais de Jesus nem dos primitivos evangelhos, como no caso que
estamos estudando. Há uma ciência que consiste em comparar essas cópias em
busca do que seria o texto original.
Conclusão.
É divertido o estudo da Bíblia. Afinal, à primeira vista alguém poderia ficar
amarrado com o tal “quem mexer numa só letra ou virgula” (Mt.5,19), como a
galinha fica amarrada por um fio desenhado no chão, e afinal a Bíblia não foi
só mexida numa letra mas em muitas, e muitas virgulas. Naquela época havia uma
“polarização”, digamos, entre os radicais ou fundamentalistas contra um Paulo e
os cristãos e comunidades que avançavam na compreensão da revelação e da fé e
que, parafraseando Jesus, podiam dizer que “o homem não foi feito para a
revelação, mas a revelação é que foi feita para o homem”, e da mesma maneira a
fé: “o homem não foi feito para a fé, mas a fé é que foi feita para o homem”.
Uma observação: O que veio primeiro o homem ou a revelação? O homem ou a fé”?
P.Casimiro joão smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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