segunda-feira, 27 de maio de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA, O ORGULHO DE SER RELIGIOSO.


 

O povo de Israel tinha a ideia fixa de ser o carro-chefe do mundo, i.é, o mais importante do mundo. Tanto os textos oficiais focavam nisso que todo o povo internalizou esse imaginário. Até depois da morte de Jesus dois homens do povo expressaram esse imaginário quando foram questionados sobre suas pretensões. E afirmaram sem rodeios: “Nos esperávamos que fosse ele quem havia de restaurar Israel , e agora, além de tudo isto, é hoje o terceiro dia que estas coisas sucederam, mas a ele ninguém o viu”(Lc. 24,21-22). Israel tinha esse sonho fixo de ser uma ditadura imperial ao jeito da Assíria antiga, a Pérsia, ou a Babilônia. E suspirava por aquele momento em que chegasse a sua vez, ‘agora é a nossa vez’. Esse foi também o grito expresso pelos discípulos de Jesus na hora da Ascensão: “É agora que vais inaugurar o reino de Israel”? (At.1,6). Assim como hoje os USA, a Rússia e todas as ditaduras têm a ideia fixa de dominar os povos e o mundo, assim eles tinham. E faziam alianças e mais alianças. E no substrato dessas alianças o carro chefe era sempre a religião. A suposta “presença” de Deus que estaria sempre “do seu lado” contra os outros povos. A isso juntava-se o outro “imaginário” de ser o “povo escolhido”. Deus estaria com eles e com os outros não. Vem daí o termo pagão, um termo de desprezo. Pagão era tudo que não fosse judeu, na raça, na nação e na religião. Gente portanto não “olhada” por Deus e considerada gente longe de Deus e sem Deus, gente inferior e sem “salvação”, portanto desprezada por Deus e pela nação. A própria Igreja teve os seus momentos mais piores da sua história quando quis ser também a “maior”. Maior que os príncipes, do que os reis e do que as nações. E maior do que as outras Igrejas quando foi questionada por elas. No judaísmo, como no cristianismo criou-se a ideia e a ideologia da “religião superior”, e, se ela era a “religião superior”, as outras eram “inferiores”: as Igrejas orientais, as Igrejas evangélicas, as religiões africanas, as religiões indígenas, as chinesas e japonesas e das Ilhas, e afro-brasileiras. A gênese disso é uma herança nefasta da “falsa superioridade” dos judeus em relação aos outros. Donde se gera o desprezo e a discriminação para com os outros considerados “inferiores”. Neste tempo isso tem um nome: marginalização e discriminação. Desse imaginário de ser a “religião superior” veio também a “obrigatoriedade” da circuncisão, i.é, todo estrangeiro (ou “pagão”) teria que ser circuncidado para que se salvasse. Então teria, digamos assim, de tornar-se judeu. E, de quebra, passou para a Igreja dos primeiros tempos a obrigatoriedade de ser batizado. É notório o que se afirmava quando houve as primeiras tentativas da evangelização da China. Foi quando se falou que “todo chinês tem que deixar de ser chinês para ser cristão”. O que implicava costumes, roupas, oração e ritos litúrgicos e vestes litúrgicas. Veja que palavra bárbara essa! Só mais tarde se atentou na “enculturação”, não levando a cultura da Europa para a China, mas levando a Igreja para dentro da cultura chinesa. Assim como levando a Igreja para dentro das culturas africanas e japonesas. No tocante ao Brasil adotou-se o termo de religião e cultura afro-brasileira. Contra o “orgulho de ser religioso” temos toda a conduta de Jesus, bem expressa quando verberou esse orgulho dos fariseus: “Ai de vós escribas e fariseus, percorreis a terra e o mar para fazerdes um prosélito, e depois de o terdes feito, o fazeis duas vezes mais filho do inferno do que vós”.(Mt.20,15).

Ainda bem que a Igreja deu o braço a torcer nessa luta do orgulho da religião quando reconheceu que a Igreja não era maior que a ciência, depois mais tarde quando reconheceu o direito dos povos e das pessoas à “liberdade de religião” e “à liberdade de consciência”. Digamos que o orgulho religioso é um dos piores orgulhos e é fonte de outros grandes pecados, como de perseguição a outras religiões e considerá-las inferiores e marginais. E quando se conta com o poder político como aliado, além de perseguir, ainda se prende e se mata.

Conclusão. O orgulho do católico muitas vezes se baseia no que os “outros não têm” como aquele “culto”, aquela missa e a comunhão. Porém, a comunhão ou eucaristia é um meio, não é um fim. Ora as outras religiões têm outros meios de salvação. E quantas vezes uma religião até bem “pequenina”, digamos, tem muita gente boa e santa, que fazem muito bem, enquanto que na “comunhão” poderá ter gente que comunga todos os dias e não pratica benzinho nenhum. Seria como ter uma enxada e não utilizá-la; Ou como ter um celular e não usar. Lembremos que o mundo está quase com 10 bilhões de pessoas, e só um bilhão tem essa eucaristia e comunhão. Porém, a salvação de todos esses oito ou nove bilhões está garantida, mesmo sem a eucaristia e a comunhão.(Vat.II L.Gentium, 16).

P.Casimiro João     smbn

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domingo, 19 de maio de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA, DISTINÇÃO ENTRE CRER (FÉ) E CRENÇA


 

Recapitulando o exposto nas quatro páginas anteriores deste Blog me proponho resumir agora em esquema a distinção entre Fé e crença.

I- Antigo Testamento.

1). O que era fé no Antigo Testamento: Crer em Javé como deus único. Todo o Antigo Testamento travou esta luta, de princípio ao fim, embora em toda a história, até ao século segundo a.C. os israelitas tivessem sempre outros deuses junto com Javé nos seus templos e altares.

2). Crenças no Antigo Testamento:  (Coisas com validade de prazo, ou acidentais). Enumeremos; a) Sábado ; b) circuncisão; c) purificações; d) separações de puros e impuros nas refeições e no templo.

II – No Novo Testamento.

1)     O que é Fé no Novo Testamento: Crer no Deus de Jesus Cristo.  

2)     Crenças no Novo Testamento: a) O que nós católicos temos de crenças b) O que outras Igrejas têm de crenças.

1). O que nós temos (Coisas históricas) 1º Necessidade de batismo para as crianças: não iam para o céu sem o batismo; passou o prazo de validade; 2º Necessidade do batismo para a salvação dos adultos; quem não era batizado não se salvava; também passou o prazo da validade: outras religiões tradicionais se salvam (Vat.II, Lumen Gentium.16). 3º Obrigação de religião católica: agora liberdade de consciência e de religião (Vat.II), doc. Sobre a dignidade humana, 1,2 ; 4º Papa com significação para toda a Igreja; agora mais ênfase: bispo de Roma.

2). Crenças de outras Igrejas: 1º Só elas se salvam; 2º Puritanismo de vestimentas ou não; 3º Necessidade de Maria ou não; 4º Necessidade de Santos ou não; 5º Necessidade do Papa ou não. Obs: As estatísticas mundiais catalogam como CRISTÃO católicos e protestantes no mesmo pacote. Todos somos cristãos porque temos Cristo como centro. O resto são acidentes. Antes de sermos católicos ou protestantes somos cristãos. Outro exemplo: As Igrejas Orientais não têm o Papa mas são Igrejas Ortodoxas; e têm Maria e os Santos. Protestantes não têm o Papa, nem Maria, nem os Santos, mas são cristãos.

Conclusão. Diante deste quadro resumido, pena que muita gente possa trocar as coisas e sem dúvida dando mais importância e ênfase às crenças do que à fé e o seu núcleo. Como falei na página anterior deste blog, crenças foram-se misturando com a fé, mas com o tempo vê-se que são como adereços ou como corais de praias que um dia ficam sem efeito ou sem mais prazo de validade, tipo Sábado ou circuncisão no A.T. e obrigação de ser católico ou protestante  no Novo Testamento. Tem que haver uma atenção constante para não confundir as coisas numa catequese adequada.

P.Casimiro João      smbn

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segunda-feira, 13 de maio de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA, A BÍBLIA VERMELHA E AS OUTRAS.


 

“Ninguém em lugar nenhum possui o manuscrito original de qualquer livro bíblico: tudo o que temos é cópia de cópias. Isso inclui até as cópias mais antigas” (Harvey Cox, o futuro da fé, Paulus, 2018, p.209). Não existe um livro único e indisputável que podemos com confiança chamar “a Bíblia”. Aquilo que temos não é a Bíblia, mas interpretações, e interpretações de interpretações. (id.p.217). Isto vem a propósito do assunto de que falei nas páginas anteriores sobre o fundamentalismo bíblico e a crença. Na época de 1920, nos Estados Unidos, apareceu uma nova tradução da “King James” chamada “Revised Standard Version” (Versão Padrão Revista) por especialistas da língua inglesa. Nessa edição os estudiosos que prepararam a nova tradução do versículo de Isaías, 7,14: “eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e será o seu nome Emanuel”, eles repararam que a palavra hebraica significava uma jovem, sem indicar se era virgem ou não. Então nessa edição da King James usaram essa palavra hebraica “jovem” em vez de “virgem”. Ora, assim que a “nova Bíblia” saiu a público, o escândalo irrompeu entre os fundamentalistas americanos, porque viam aí uma blasfêmia.  Com a agravante que ela vinha com uma capa vermelha e não com capa de couro artificial de cor preta como de costume. Como se estava em plena guerra fria entre os Estados Unidos e a Rússia após a segunda guerra mundial, isso foi o estopim para que os fundamentalistas atribuíssem essa Bíblia a um complô dos comunistas da Rússia contra a América do Norte. (Cf. H.Cox, o.c.p.206). No séc. XIX, esses americanos protestantes caprichavam  em se definir como “gente que segue a Bíblia”. Isso era considerado como um teste decisivo para ver se alguém era ou não “cristão de verdade”. Porém, ao mesmo tempo começavam a aparecer estudos e descobertas científicas sobre a Bíblia, e suas traduções. E a pergunta era: qual Bíblia eles seguiam? E a resposta começava pelo reconhecimento de que não existe a “Bíblia pura” mas só traduções. Existem diversas Bíblias diferentes: a judaica, chamada Tanakh; a protestante e a católica, cada uma com muitas traduções. Antes de Lutero a Biblia tinha 39 livros, depois passou para 32.  Outro exemplo, se eles fossem cristãos seguidores da Bíblia no séc.II d.C. a Bíblia era o Antigo Testamento e alguns evangelhos que estavam em disputa ou “sorteio” para ver os que seriam a Bíblia e mais outras Cartas que entraram depois. E no séc. XV os protestantes e católicos tinham os mesmo livros. Então se viu que a ideia de que “a Bíblia” sempre foi a mesma não é exata. E assim entre os fundamentalistas surgiu a pergunta: “Em qual tradução você acredita?  Há estantes e estantes de traduções. Já Origenes no séc.III enfrentou esta dificuldade e produziu uma edição do Antigo Testamento com seis colunas paralelas: do texto hebraico, outra aramaica, outra em grego, outra grego koiné, outra da septuaginta e a sexta coluna com grego moderno da época. Foi a conhecida “Háxapla”, ou Seis colunas. Mais à frente veio um episódio que impressionou as fileiras evangélicas no século XIX: foi a declaração pelo concílio vaticano I (1870)  da infalibilidade do Papa. Isto levou os evangélicos a ter a ambição também de alguma autoridade infalível, por sua vez do lado deles. Esta ambição fortalecia a visão fundamentalista da Bíblia como um “Papa de papel”. Porém, nem para o lado católico e nem para o lado evangélico é um fundamento sólido, porque, por um lado, a declaração do dogma foi arrancada na marra pela pressão  e pelas ameaças contra os cardeais que não votassem a favor, como rezam os anais, e pelo lado dos evangélicos não se encontra a “Bíblia”  em “estado puro” e “original” em nenhum lugar do mundo como dissemos. Resumindo, eis umas páginas muito ecumênicas e muito reveladoras do especialista, de formação batista H.Cox, em oito itens: 1, “Quanto aos fundamentalistas eu aconselho meus alunos a por de lado seus preconceitos e a mergulhar na Bíblia como faríamos com um romance envolvente ou como um filme; 2, Alguns estudiosos do Novo Testamento hoje creem que o autor do Evangelho de Lucas e dos Atos dos Apóstolos – uma única obra chamada “Lucas-Atos”_ teria usado como modelo a Eneida  de Virgílio, numa tentativa de compor um épico cristão; 3, Ler a Bíblia com esse tipo de salto imaginativo nos coloca na companhia de nossos antepassados espirituais, alguns deles patifes, outros santos, a maioria uma mistura dos dois. Mas todos dividimos algo em comum: nossa desajeitada tentativa de não apenas responder aos grandes mistérios, mas de responder a eles negativa ou positivamente com o mito e símbolos de nossa própria cultura particular; 4, Claro que boa parte da Bíblia consiste de poemas, lendas e histórias, e mesmo muitos fundamentalistas não interpretam literalmente os sete dias da criação. Mas por que, a Bíblia poderia reclamar sob qualquer aspecto nossa adesão espiritual e moral? 5, O que dizer de certas moralidades ali representadas, como a exigência de Deus de que os Israelitas matassem todos os cananeus, inclusive mulheres e crianças? Pior, o que dizer daqueles que reivindicam a autoridade da Bíblia para condenar gays, para plantar assentamentos na Cisjordânia, para assassinar um Rabin, ou um médico que faz abortos?  Como lemos textos de ambos os Testamentos que parecem justificar o assassinato e o caos? 6, Para tantos outros a Bíblia não passa de um ícone para botar a mão na hora de prestar um juramento. 7, Outros literalistas bíblicos, que não entendendo nada de poesia do Gênesis, tentam reduzi-lo a um tratado de geologia e de zoologia” (o.c.p.222-238). Não podemos deixar de nos reportar ainda às tentativas do primeiro e segundo século de perseguição a alguns cristãos que, para não ser perseguidos pelo imperador Constantino esconderam seus escritos para que não fossem destruídos ou queimados. Em contrapartida, os grupos que tinham o apoio do imperador acabaram sendo favorecidos e rotulavam os outros de hereges, enquanto que eles se outorgavam o titulo de “católico oficial”.(Cf.H.Cox, o.c.p.p232). Naquele tempo, como hoje, para muitos, o sentido e a definição da fé tornou-se ideologia imperial. Para estes só haverá fé quando se está de acordo com o governo, e com o “status quo”, e com o “império”.

Conclusão. Como conclusão anoto aqui uma observação de um estudioso da religião comparada, que afirma: “Filósofos e teólogos frequentemente ficam divididos entre duas convicções, de um lado eles acreditam que suas sociedades precisam da religião para manter a ordem, mas por outro lado eles mesmos não conseguem assentir àquelas proposições míticas. Sua solução desconfortável normalmente consiste em defender, ao menos em público, um conjunto de crenças para pessoas comuns mas guardando para si o direito de ter as suas dúvidas particulares. E chamam a isso de “mentiras nobres” (Bellah, o.c.p. 280).  O mesmo estudioso H.Cox tem as seguintes afirmações, rendendo-se às teologias da América Latina: “Viajei, ensinei e aprendi em muitos lugares do mundo, do Brasil à China; e da Índia ao Japão. Como professor em meu país natal vim a conhecer estudantes e visitantes de todos os continentes. No lugar de novas ideias ou teorias, a teologia da libertação representa toda uma clara maneira de fazer teologia. Ela começa repensando a mensagem cristã do ponto de vista dos pobres e dos marginalizados. Ela não nasceu nos auditórios de Tubinga na Alemanha, nem nas bibliotecas da Universidade Gregoriana em Roma. Não é uma teologia de “cima para baixo”, mas uma teologia que circula “de baixo para cima”, de milhares de grupos e movimentos de base. Tendo-se originado na América Latina na década de 1960 ela rapidamente se espalhou pelo Sul global, e na Coreia, no Sudoeste asiático, na África subsaariana e na Índia. O bispo Desmond Tutu da África do Sul, prêmio Nobel, assim como os teólogos “minjung” da Coreia, os teólogos da Índia e os líderes da Igreja clandestina chinesa reconhecem sua dívida para com ela. Inclusive variantes protestantes, judaicas, muçulmanas e budistas” (o.c.p.239-246). E finaliza: “A questão apresentada pelos pobres era antiga: a questão de como justificar um Deus de amor e justiça diante do sofrimento e da privação que eles sentiam e viam em torno de si. Eles encontram em Jesus não uma racionalização de por quê as coisas são como são, mas antes que as coisas podem e devem ser mudadas. A teologia da libertação é mais do que uma teologia latino-americana. Ela encarna um salto importantíssimo para fora de muitos séculos em que o cristianismo foi definido como um sistema de crenças imposto de cima para baixo. Ela simboliza e representa a recuperação do fulcro da mensagem do evangelho como tal, como vivido nos primeiros séculos do cristianismo. Ela é um sinal inequívoco da vinda do Espírito Santo”. (o.c.p.250-251). Revisando o nosso título Teologia bíblica, “a bíblia vermelha e as outras”, ainda nos faltaria dizer que nessa época da “Bíblia vermelha” estava nos seus começos a Telogia da libertação, e o fundamentalismo americano, de mãos dadas com o imperialismo americano também dirigiu os seus canhões contra a teologia da libertação. Como dissemos na página anterior, assim como o imperador Constantino financiou a Igreja no séc. IV assim agora o governo americano financiou o fundamentalismo protestante.

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 6 de maio de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA, AS CRENÇAS QUE SE FORAM MISTURANDO COM A FÉ.


 

“Colocar o foco da vida cristã na crença e não na fé é simplesmente um equívoco. Fomos induzidos a isso por muitos séculos por teólogos que ensinavam que a fé consiste em crer diligentemente nos artigos ditados em alguns credos incontáveis que eles teceram” (Harvey Cox, O futuro da fé, pag.32). Todas as religiões e culturas são respostas ao mesmo mistério fundamental, mas cada uma responde a ele de sua maneira (o.c.p.38). Para os cientistas, a fé é o “mistério” Não se extasiar com isso é como ser velas apagadas (Einstein). Os seres humanos podem ser definidos como criaturas que perguntam ou criaturas teimosas que não conseguem parar de perguntar”porquê”?; e depois perguntam porque  perguntam “porquê?” (o.c.p.43).

Os humanos são os únicos que enterravam os seus mortos. Em algum momento da evolução, nossos antepassados perceberam que um dia morreriam, e isso aprofundou o mistério. Por mais avançados que fossem os outros animais, só os humanos marcavam os lugares onde colocavam os restos de seus mortos, de inicio apenas com uma pequena pilha de pedras. Eles já estavam tentando extrair sentido do mistério, e era isso que os distinguia dos outros animais. A percepção da própria mortalidade levanta a questão do sentido da vida, e isso acabou dando origem à filosofia, à religião e à cultura. Não se encher dessa admiração seria regredir a um estado pré-humano. Esmoreceríamos até virar velas apagadas. Poderíamos dizer, é melhor parar de perguntar. Mas porque ninguém pára? Aqui surge a religião na evolução da humanidade. Os mitos da criação, como o épico de Gilgamesh, a história da criação dos astecas, os primeiros capítulos do Gênesis não foram primariamente compostos para responder às perguntas sobre “como” e “quando”. Eles são perguntas e não respostas. Surge a pergunta se Jesus tinha fé. Temos que distinguir entre a fé em Jesus e a fé de Jesus. A fé de Jesus não era a fé ou não, da existência de Deus, porque essa fé já nasce com todo ser humano, mas a fé de Jesus é que nos interessa, e qual era? Era sobre recuos e perdas que pareciam às vezes malograr a vinda do Reino de Deus; as dificuldades não eram então de ordem intelectual, mas sobre os percalços da atividade e da sua vinda. As histórias da ressurreição significam que a vida de Jesus e o projeto que buscava não pereceram na crucificação mas continuaram na vida daqueles que continuaram  o que ele começou (Cf.H.Cox o.c.p.75).

Vem a propósito falar de crenças. Falamos em tentativas de encurralar a fé dentro de Kits. A esses kits ou pacotes podemos chamá-los de crenças, a que já nos referimos no blog anterior. Os primeiros desses pacotes de crenças nos inicios do cristianismo se basearam na suposta “autoridade apostólica”. E ela começou com uma aventura de Clemente de Roma. Pela história a gente sabe que entre Roma e Corinto existia uma animosidade sobre a atividade de São Paulo. Então numa ocasião foram eleitos elementos mais novos nas comunidades de Corinto, coisa que os mais idosos não aceitavam para não perder o “status” do mando. E Clemente de Roma antes de ser Papa mandou uma mensagem que, segundo o costume dos exércitos romanos, a razão é sempre dos mais velhos. Foi nisso que ele se inspirou para enviar essa mensagem. A “autoridade apostólica” portanto não vem do primitivo cristianismo, mas é um sofisma adventício posterior” (H.Koester e James Robinson, grandes historiadores da Igreja. (Cf. o.c.p.125). O problema era continuar o “status quo”. Este foi um dos pacotes iniciais que se fizeram crença. Nessa hora as prerrogativas do bispo de Roma não estavam ainda definidas. Igualmente aconteceram coisas curiosas  nesta época. E um outro pacote aconteceu: O mesmo Clemente de Roma teria forjado uma carta como tendo sido a ele direcionada por Pedro para ele ocupar o cargo de sucessor de Pedro. O nome de Clemente também aparece na lista das “Falsas Decretais”, aparecidas no séc.VIII. Mas tem mais: Como Clemente, Santo Irineu entrou noutra briga  sobre quantos evangelhos seriam admitidos no cânon do Novo Testamento. Irineu, que era bispo de Lião, impôs que fossem quatro, pelos seguintes motivos: porque foram quatro os quatro rostos da visão de Ezequiel: um rosto de homem; um rosto de leão; uma cabeça de águia, e uma cabeça de touro. E ganhou a disputa. (Cf. o.c.p.128). Aumentou o pacote de crenças. Outra coisa curiosa foi que “em algum momento do séc.III apareceu um documento chamado “Didascália apostolorum”. Divulgou-se que teria sido escrito pelos apóstolos, o que hoje os estudiosos declaram que foi uma grande armação. Até se dá um poder quase semidivino aos bispos, até que eles teriam recebido de Deus, como reis, o poder sobre a vida e a morte (Compenhausen,p.240), o.c.p.132. Isto estaria bem distante de Jesus lavando os pés de seus discípulos. Na verdade, depois de Diocleciano, o mesmo imperador Constantino ficou conectado  com a estrutura do Império Romano de modo autocrático, com Constantino reivindicando para si a mesma relação próxima com o Deus cristão que Diocleciano tinha com Júpiter. (Williams, 1997,p.206). O mesmo Constantino combinou com o bispo Nicolau de Nicomédia, o ritual  com a simbologia e com tudo que rodeava a monarquia e deveria enfatizar a sua origem divina. Ele só foi batizado na hora da morte. E concedeu a mesma autoridade e as mesmas insígnias aos bispos como tinham os sacerdotes de Júpiter. Estas lendas tiveram fácil entrada no cristianismo, o que podemos chamar de crenças. Por último, vejamos outra lenda que ficou famosa na Igreja. O imperador Constantino um dia contou que viu no céu uma longa lança com uma barra transversal, e nela escritas as palavras “com este sinal, conquiste”, quando estava em guerra contra seu irmão Maxêncio, para suceder no trono de Diocleciano. Daí se formou a lenda visionária para "loucos ouvirem”. Constantino continuou adorando tanto TIQUE, a deusa da sorte, quanto HÉLIO, deus do Sol, e nunca foi batizado, só o batizaram na hora da morte. E as outras religiões continuaram ao mesmo tempo que a de Jesus” (o.c.p138). A “conversão” dele foi estratégia para ser o novo gurú do Deus do cristianismo, como Diocleciano tinha sido o sacerdote máximo e guru do deus Júpiter do império romano. Tanto assim que foi ele que convocou o primeiro concílio da Igreja, e não os bispos, em 325, o concílio de Niceia, no seu próprio palácio de Niceia, rodeado de soldados com lanças brilhantes  onde, no meio deles se atribuía a si mesmo o poder como “sumo sacerdote e administrador” da Igreja (o.c.p. 140-144). Resta-nos dizer que as “visões” dele não passam de “contos de trancoso” e foram motivações políticas para se apoderar dos poderes da Igreja e unir o império que com Diocleciano estava se esfacelando. Entraram e fazem parte de mais um pacote das crenças primitivas. Essa visão será semelhante àquela visão do “fundamentalismo americano” quando em 1920 um tal pastor Dwight Moody imaginou ter visto o Senhor Jesus lhe revelando: “Moody, simplesmente leve o máximo de gente que conseguir para esse ‘bote salva-vidas”. (o.c.p. 198). E, como Constantino financiou a Igreja de Roma, agora o governo americano financiava esse fundamentalismo, que se espalhou por toda a América Latina, e que servia tanto para os pastores evangélicos  como para a ideologia dos governos da extrema direita que incrustou nos governos de Trump nos Estados Unidos, dos Malafaia-Bolso do Brasil e dos Milei da Argentina como dos Pinochet do Chile. Esses fenômenos hoje são chamados  “pareidolia”, isto é, a ação psicológica de “enxergar imagens fabricadas pela mente como imagens nas nuvens do céu, ou na lua “a cabra misteriosa”; ou a “cara de urso” em Marte ou a forma de gato do robô Perseverance, ou “as aranhas em Marte”.

Conclusão. Todo este pacote de crenças deu origem à tão desastrada política da “cruz e a espada” que acompanhou a Igreja em toda Idade Média e mormente nos descobrimentos onde acompanhou os impérios coloniais e deu também origem ao malfadado “padroado”, convênio dos reis com o Papa, e como na “Inquisição”. Desde o seu palácio de Niceia ele, o visionário Constantino deixou para a Igreja a marca de imperadora. Para as diversas colonizações dos países colonizados a triste pompa da Igreja como imperadora e os povos como colonizados. Desde o concílio vaticano I houve coisas que foram aprovadas na marra e com ameaças e “compra de votos”. Se usarmos um bom filtro, na nossa fé, muitas coisas aparecerão como crenças e não como fé. Exemplo, Joana d’Arch foi condenada como herege em 1431 e no séc. XX declarada como santa. (o.c.p.197). E isto é o menos, pois há muito pela frente de coisas escondidas, como já fizemos referência neste blog sobre a “armação” dos Estados do Vaticano. (Cf.www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br) de 8/11/20).

P.Casimiro João    smbn