Houve
testemunhas oculares que foram ouvidas na época da formação dos evangelhos?
Houve. Porém, grande parte dos historiadores e pesquisadores bíblicos afirmam
que grande parte do que está escrito nos
evangelhos, e não só, foi escrito pelas próprias comunidades e que esse
material foi atribuído ao próprio Jesus, mas no qual transparece a vida das
comunidades com seus problemas e vitórias e com seus altos e baixos de cada
dia. Em resumo, nos transmitiam a sua fé como antidoto nas dificuldades da
caminhada da comunidade. “Os estudiosos afirmam que os seus testemunhos e
relatos tiveram um processo oral que passou por diversas recontagens,
formulações e expansões antes que os evangelistas fizessem seu próprio trabalho
editorial. Outros estudiosos, trabalhando com a máxima de que as tradições de
Jesus são, em primeiro lugar evidências acerca das comunidades cristãs que as
transmitiram, concluem que elas nos dizem muito mais a respeito daquelas
comunidades do que mesmo sobre Jesus. As tradições foram não só adaptadas, mas
em muitos casos, criadas para o uso que a Igreja as destinou na pregação ou no
ensinamento. O processo de transmissão era bastante criativo. “As comunidades
cristãs não tinham nenhum interesse real em conservar tradições em torno do
passado, mas formularam tradições de Jesus para o propósito bem diferente de
apresentar o Senhor Jesus atual e vivo” (Richard Bauckham, Jesus e as
testemunhas oculares, p.310). Falando sobre o evangelho, o bispo de
Higienópolis, Papias, grande conhecedor dos primitivos evangelhos, diz o
seguinte: “O evangelho de Marcos assemelha-se mais a notas de historiografia,
as quais Marcos registrou por escrito a partir de testemunhas oculares que ele
elaborou com sua própria lavra (o.c.p.523). O trabalho histórico-crítico
consiste num esforço de encontrar um Jesus obtido mediante a tentativa de
retroceder para trás, para antes dos evangelhos. É a isto que chamamos o “Jesus
histórico”, trabalho esse que foi iniciado com a pesquisa da crítica das formas,
com Bultmann, Vincent Teylor e Dibelius. “Muito do que os evangelhos nos
contam é um Jesus construído pelas necessidades e pelos interesses de vários
grupos na Igreja das origens” (o.c.p.15). Chama-se o “Jesus histórico para
distingui-lo do “Jesus da fé, ou dos Evangelhos”. O Jesus dos evangelhos resultou
do testemunho de pessoas que, transmitindo lembranças, ditos, parábolas, e
discursos de Jesus, formaram uma teologia e uma figura de Jesus que resultou no
“Jesus da fé”, às vezes com pouca conexão com o Jesus que viveu realmente em
Nazaré. E ainda mais traziam a influência judaica, transpondo no Jesus da fé
muita coisa que vinha do Antigo Testamento referente ao “filho de Davi”, ao
“Messias”, e à escatologia dos últimos tempos, coisas que incluíam muitas vezes
sem o suficiente critério nesse Jesus-Messias. A respeito disso, vejamos: “Imaginemos as tradições passando através de
várias mentes e bocas antes de alcançarem os escritores dos evangelhos”
(o.c.p.21). Não há dúvida que as testemunhas oculares iniciaram o processo
de tradição oral, mas esta etapa passou por diversas recontagens,
reformulações, expansões antes que os evangelistas fizessem seu próprio
trabalho editorial sobre ela. Por exemplo: Marcos descreve a história do túmulo
vazio com o comentário de que “as mulheres fugiram porque tiveram medo”. E aí
apareceram inúmeros manuscritos posteriores tentando eliminar esse desfecho desajeitado, e acrescentaram uma história de aparição de Jesus aos discípulos que
passou depois para o evangelho de Mateus e de Lucas” (Helmut Koester,
Introdução ao Novo Testamento, vol.II, p184). Então, podemos enumerar em cinco
as etapas da formação dos evangelhos: 1. Memórias sem ordem cronológica; 2.
Recontagens; 3. Reformulações; 4. Transformações e expansões; 5. Trabalho
editorial dos redatores (evangelistas). (Cf. o.c.p.308). Outro exemplo: O mesmo
Papias 130 d.C. “aprendeu com as filhas de Felipe, diácono, algumas histórias
sobre os apóstolos, conforme o historiador Eusébio. Inclusive, no seu livro
quase todo perdido, sobrou pouco mais que o Prólogo, que é paralelo com o
prólogo de Lucas (o.c.p.31). E o mesmo Papias se refere a um Aristão e ao João,
o Ancião que no evangelho recebeu o apelido de “discípulo amado”, no evangelho,
e “Ancião” ou “presbítero” nas Cartas o qual não era o João filho de Zebedeu.
“Ancião” eram os líderes das comunidades asiáticas. O “ancião” que era também
João era um deles e esse apelativo era para distingui-lo do João apóstolo,
filho de Zebedeu. E “ancião” ou “presbítero”, no grego ficou assim nas Cartas
onde ele ficou por antonomásia.” (o.c.p.535). “Há somente duas obras cristãs do
século segundo que identificam o João que escreveu o Evangelho com João, filho
de Zebedeu. Essas são duas obras apócrifas, os Atos de João e “Epístola dos Apóstolos.”
(o.c.p.587). Papias conheceu os evangelhos escritos, pelo menos os de Marcos e
Mateus, no entanto ainda que ele pareça estar consciente de algumas
deficiências nesses dois evangelhos ele não os depreciava. Atentemos melhor no
conceito de tradição. A palavra “tradição” é um conceito moderno, e nos
primórdios deveríamos falar mais de “transmissão” oral. Paulo quando diz: “Transmiti-lhes
o que recebi”, e “quinhentos irmãos e irmãs, dos quais a maior parte ainda vive”
1 Cor.15,3-6 quer dizer que os acontecimentos ainda estavam bem dentro da
memória viva das pessoas às quais fácil acesso era possível (o.c.p.59). A isso
os estudiosos chamam de transmissão “transgeracional”, ou só “ocasional”. Ali
como em 1Cor.11,2 ainda era só ocasional. E há tradições que se formaram a
partir de uma só pessoa. Assim por exemplo quem deu o nome de “Evangelhos” aos
quatro evangelhos foi um cristão importante, chamado Marcião (150 d.C.). E do
mesmo jeito os cristãos, que eram conhecidos por “nazarenos” foram por primeira
vez chamados de cristãos em Antioquia (At.11.26). De Pedro se recorda a
transmissão de pequenos ditos ou fatos de Jesus que entraram depois para os
evangelhos, sobretudo de Marcos e de Mateus e depois passaram para os outros.
Esses ditos têm o nome técnico de “logia”. Os especialistas distinguem outro
tipo de “ditos” que eram coisas adaptadas às necessidades dos ouvintes que eram
um tipo de pequenas histórias contadas como exemplos morais, e se chamavam
“Chreiai”. Na verdade, “numa cultura predominantemente oral todo mundo estava
familiarizado com várias formas de contar narrativas breves sem necessidade
alguma de refletir sobre o assunto” (o.c.p. 279).
Conclusão.
Estes poucos traços ajudam-nos a pensar na problemática do nosso título: a
transmissão oral na formação dos evangelhos. Pelo menos levam-nos a imaginar a
complexidade desses escritos e do labor editorial que isso implica. E confirma
a nossa reflexão que na antiguidade havia um conceito flexível de ‘tradução’.
Com efeito, “era comum, via de regra, os tradutores sentirem-se livres para
incrementar a obra que eles estavam traduzindo. (o.c.p.289). Isto nos levaria a
outra reflexão da crítica das formas, sobre a qual se diz que “as traduções
evangélicas informam-nos primariamente sobre a vida da Igreja primitiva mais
que sobre a vida de Jesus, como afirmam Bultmann, Vincent Teylor e Dibelius”
(Df. o.c.p.314). As tradições foram criadas e modificadas livremente de acordo
com as necessidades da comunidade. Tais comunidades não tinham nenhuma razão
para tentar preservar relatos históricos por causa do seu valor histórico”.
Acrescentemos ainda outro aspecto: que “o tradutor dava a sua própria
interpretação do que ouvia e escrevia das testemunha” (o.c.p.522).
P. Casimiro João
smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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