segunda-feira, 8 de julho de 2024

A TRANSMISSÃO ORAL NA FORMAÇÃO DOS EVANGELHOS.


 

Houve testemunhas oculares que foram ouvidas na época da formação dos evangelhos? Houve. Porém, grande parte dos historiadores e pesquisadores bíblicos afirmam que grande parte do que está escrito  nos evangelhos, e não só, foi escrito pelas próprias comunidades e que esse material foi atribuído ao próprio Jesus, mas no qual transparece a vida das comunidades com seus problemas e vitórias e com seus altos e baixos de cada dia. Em resumo, nos transmitiam a sua fé como antidoto nas dificuldades da caminhada da comunidade. “Os estudiosos afirmam que os seus testemunhos e relatos tiveram um processo oral que passou por diversas recontagens, formulações e expansões antes que os evangelistas fizessem seu próprio trabalho editorial. Outros estudiosos, trabalhando com a máxima de que as tradições de Jesus são, em primeiro lugar evidências acerca das comunidades cristãs que as transmitiram, concluem que elas nos dizem muito mais a respeito daquelas comunidades do que mesmo sobre Jesus. As tradições foram não só adaptadas, mas em muitos casos, criadas para o uso que a Igreja as destinou na pregação ou no ensinamento. O processo de transmissão era bastante criativo. “As comunidades cristãs não tinham nenhum interesse real em conservar tradições em torno do passado, mas formularam tradições de Jesus para o propósito bem diferente de apresentar o Senhor Jesus atual e vivo” (Richard Bauckham, Jesus e as testemunhas oculares, p.310). Falando sobre o evangelho, o bispo de Higienópolis, Papias, grande conhecedor dos primitivos evangelhos, diz o seguinte: “O evangelho de Marcos assemelha-se mais a notas de historiografia, as quais Marcos registrou por escrito a partir de testemunhas oculares que ele elaborou com sua própria lavra (o.c.p.523). O trabalho histórico-crítico consiste num esforço de encontrar um Jesus obtido mediante a tentativa de retroceder para trás, para antes dos evangelhos. É a isto que chamamos o “Jesus histórico”, trabalho esse que foi iniciado com a pesquisa da crítica das formas, com Bultmann, Vincent Teylor e Dibelius.             “Muito do que os evangelhos nos contam é um Jesus construído pelas necessidades e pelos interesses de vários grupos na Igreja das origens” (o.c.p.15). Chama-se o “Jesus histórico para distingui-lo do “Jesus da fé, ou dos Evangelhos”. O Jesus dos evangelhos resultou do testemunho de pessoas que, transmitindo lembranças, ditos, parábolas, e discursos de Jesus, formaram uma teologia e uma figura de Jesus que resultou no “Jesus da fé”, às vezes com pouca conexão com o Jesus que viveu realmente em Nazaré. E ainda mais traziam a influência judaica, transpondo no Jesus da fé muita coisa que vinha do Antigo Testamento referente ao “filho de Davi”, ao “Messias”, e à escatologia dos últimos tempos, coisas que incluíam muitas vezes sem o suficiente critério nesse Jesus-Messias. A respeito disso, vejamos: “Imaginemos as tradições passando através de várias mentes e bocas antes de alcançarem os escritores dos evangelhos” (o.c.p.21). Não há dúvida que as testemunhas oculares iniciaram o processo de tradição oral, mas esta etapa passou por diversas recontagens, reformulações, expansões antes que os evangelistas fizessem seu próprio trabalho editorial sobre ela. Por exemplo: Marcos descreve a história do túmulo vazio com o comentário de que “as mulheres fugiram porque tiveram medo”. E aí apareceram inúmeros manuscritos posteriores tentando eliminar esse desfecho desajeitado, e acrescentaram uma história de aparição de Jesus aos discípulos que passou depois para o evangelho de Mateus e de Lucas” (Helmut Koester, Introdução ao Novo Testamento, vol.II, p184). Então, podemos enumerar em cinco as etapas da formação dos evangelhos: 1. Memórias sem ordem cronológica; 2. Recontagens; 3. Reformulações; 4. Transformações e expansões; 5. Trabalho editorial dos redatores (evangelistas). (Cf. o.c.p.308). Outro exemplo: O mesmo Papias 130 d.C. “aprendeu com as filhas de Felipe, diácono, algumas histórias sobre os apóstolos, conforme o historiador Eusébio. Inclusive, no seu livro quase todo perdido, sobrou pouco mais que o Prólogo, que é paralelo com o prólogo de Lucas (o.c.p.31). E o mesmo Papias se refere a um Aristão e ao João, o Ancião que no evangelho recebeu o apelido de “discípulo amado”, no evangelho, e “Ancião” ou “presbítero” nas Cartas o qual não era o João filho de Zebedeu. “Ancião” eram os líderes das comunidades asiáticas. O “ancião” que era também João era um deles e esse apelativo era para distingui-lo do João apóstolo, filho de Zebedeu. E “ancião” ou “presbítero”, no grego ficou assim nas Cartas onde ele ficou por antonomásia.” (o.c.p.535). “Há somente duas obras cristãs do século segundo que identificam o João que escreveu o Evangelho com João, filho de Zebedeu. Essas são duas obras apócrifas, os Atos de João e “Epístola dos Apóstolos.” (o.c.p.587). Papias conheceu os evangelhos escritos, pelo menos os de Marcos e Mateus, no entanto ainda que ele pareça estar consciente de algumas deficiências nesses dois evangelhos ele não os depreciava. Atentemos melhor no conceito de tradição. A palavra “tradição” é um conceito moderno, e nos primórdios deveríamos falar mais de “transmissão” oral. Paulo quando diz: “Transmiti-lhes o que recebi”, e “quinhentos irmãos e irmãs, dos quais a maior parte ainda vive” 1 Cor.15,3-6 quer dizer que os acontecimentos ainda estavam bem dentro da memória viva das pessoas às quais fácil acesso era possível (o.c.p.59). A isso os estudiosos chamam de transmissão “transgeracional”, ou só “ocasional”. Ali como em 1Cor.11,2 ainda era só ocasional. E há tradições que se formaram a partir de uma só pessoa. Assim por exemplo quem deu o nome de “Evangelhos” aos quatro evangelhos foi um cristão importante, chamado Marcião (150 d.C.). E do mesmo jeito os cristãos, que eram conhecidos por “nazarenos” foram por primeira vez chamados de cristãos em Antioquia (At.11.26). De Pedro se recorda a transmissão de pequenos ditos ou fatos de Jesus que entraram depois para os evangelhos, sobretudo de Marcos e de Mateus e depois passaram para os outros. Esses ditos têm o nome técnico de “logia”. Os especialistas distinguem outro tipo de “ditos” que eram coisas adaptadas às necessidades dos ouvintes que eram um tipo de pequenas histórias contadas como exemplos morais, e se chamavam “Chreiai”. Na verdade, “numa cultura predominantemente oral todo mundo estava familiarizado com várias formas de contar narrativas breves sem necessidade alguma de refletir sobre o assunto” (o.c.p. 279).

Conclusão. Estes poucos traços ajudam-nos a pensar na problemática do nosso título: a transmissão oral na formação dos evangelhos. Pelo menos levam-nos a imaginar a complexidade desses escritos e do labor editorial que isso implica. E confirma a nossa reflexão que na antiguidade havia um conceito flexível de ‘tradução’. Com efeito, “era comum, via de regra, os tradutores sentirem-se livres para incrementar a obra que eles estavam traduzindo. (o.c.p.289). Isto nos levaria a outra reflexão da crítica das formas, sobre a qual se diz que “as traduções evangélicas informam-nos primariamente sobre a vida da Igreja primitiva mais que sobre a vida de Jesus, como afirmam Bultmann, Vincent Teylor e Dibelius” (Df. o.c.p.314). As tradições foram criadas e modificadas livremente de acordo com as necessidades da comunidade. Tais comunidades não tinham nenhuma razão para tentar preservar relatos históricos por causa do seu valor histórico”. Acrescentemos ainda outro aspecto: que “o tradutor dava a sua própria interpretação do que ouvia e escrevia das testemunha” (o.c.p.522).

P. Casimiro João      smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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