segunda-feira, 15 de julho de 2024

NOMES OCULTOS NOS EVANGELHOS E O HOMEM DA BILHA DE ÁGUA NA ÚLTIMA CEIA


 

Marcos é o evangelho mais confiável historicamente e serviu de fonte onde os outros se apoiaram. Nosso tema hoje é o motivo de nomes ocultos nos evangelhos. Temos alguns exemplos e começamos por um bem conhecido na cena da prisão de Jesus: “Um dos circunstantes puxou da espada e feriu um servo do sumo sacerdote, e decepou-lhe a orelha” (Mc. 14,47).  Em Mateus: “Um dos companheiros de Jesus desembainhou a espada e feriu um servo do sumo sacerdote e decepou-lhe a orelha” (Mt. 26,51). Em Lucas: “E um deles feriu o servo do príncipe dos sacerdotes decepando-lhe a orelha direita” (Lc.22,50). Olhemos bem: “um dos circunstantes”; “um dos companheiros” e “um deles”. Há ainda aí outro nome oculto: “Seguia-o um jovem coberto somente com um pano de linho, e prenderam-no; mas ele lançando de si o pano de linho escapou-lhes fugindo” (Mc.14,51). Porquê esta maneira sem dizer nomes? Certamente os autores tinham como objetivo não nomear pessoas como uma medida para protegê-las para não serem perseguidas depois dos acontecimentos. “O motivo narrativo para essa anonimia não é difícil de adivinhar: ambos haviam estado em conflito com a polícia. Gerd Theissen atesta que vários aspectos da narrativa da Paixão em Marcos refletem a situação da Igreja de Jerusalém nos anos 40-50 d.C. Alguns desses traços dizem respeito a personagens nominadas ou não na narrativa. Daí deduz-se, continua Theissen que é difícil confirmar, por exemplo, se a pessoa que decepou a orelha do servo do sumo sacerdote e o jovem que fugiu nu se eram discípulos de Jesus ou não. E conclui que é altamente improvável” (R. Bauckham o.c.p.239). E porquê no evangelho de João somente ele diz que foi Pedro quem decepou a orelha? “Simão Pedro, que tinha uma espada, puxou dela e feriu o servo do sumo sacerdote e decepou-lhe a orelha direita, o servo chama-se Malco”. (Jo.18,10).  Sem dúvida, porque o evangelho de João foi redigido 50 anos mais tarde, pelo ano 100 ou 105 d.C. e aí havia uma animosidade muito grande e competição entre a comunidade fundada por João e a comunidade de Pedro. “Naturalmente, ninguém pode estabelecer a veracidade dos detalhes narrados somente por João” (Raymond Brown, Comentário do evangelho de João vol.II,p.1240). Outro local que chama também a atenção é atmosfera de perigo e segredo protetor na narrativa da Paixão em Marco em outras duas histórias bastante estranhas. Jesus envia dois discípulos com a missão de trazer o potro que Jesus montaria ao entrar em Jerusalém e preparar a refeição pascal. Primeira cena:"Ide à aldeia que está defronte de vós e logo ao entrardes nela achareis preso um jumentinho" (Mc.11,2) Segunda cena: "Ide à cidade e sair-vos-á ao encontro um homem carregando um pote de água. Segui-o e onde ele entrar pergumtai ao dono da casa 'onde está a sala em que devo comer a Páscoa com os meus discípulos? (Mc.14, 14-15). As duas cenas descrevem o grande momento de perigo em que Jesus se encontrava, pois ele andava escondido das autoridades para não ser preso, e por isso Jesus fez a “Ceia pascal” em segredo. Por isso tais palavras devem ser um tipo de “senha” que Jesus tinha combinado a fim de indicar aos discípulos aquelas pessoas antes combinadas para ser emprestado o jumento e onde seria a casa da Ceia. O acordo, portanto, foi feito antes com o dono do jumento e com o dono da casa  E porque Jesus não dá o nome dos donos da casa e do  jumento? A ausência de referência aos donos é para não pôr em perigo essas pessoas. Quanto ao homem que carregava o pote de água é também um sinal preestabelecido. E não era coisa difícil porque quem carregava potes de agua eram as mulheres, portanto, fácil era para os discípulos toparem com esse senhor carregando um pote de água para que emprestasse em segredo a casa e a sala para a ceia pascal. Como vemos, todas as precauções são tomadas para que não seja descoberto o segredo do empréstimo tanto do jumento como da casa da ceia pascal. Nesta altura do campeonato “Jesus já esperava ser preso a qualquer momento, mas ele não queria que isso acontecesse sem que ele tivesse feito a refeição pascal com os discípulos. Dessa forma o local devia ser muito cuidadosamente mantido em segredo, até para os próprios discípulos” (o.c.p.244). Outro fator importante a respeito do que aconteceu na prisão de Jesus foi a fuga dos discípulos, pois na verdade os evangelhos afirmam “que todos o abandonaram e fugiram” (Mc.14,50). Deste modo é compreensível que tanto Marcos como os outros evangelhos, na hora da crucificação somente indicassem vagamente que algumas mulheres estiveram presentes: “ Achavam-se ali também algumas mulheres observando de longe” (Mc.15,40). Quem são as mulhers descritas por Marcos na crucificação? A esta presença das mulheres Chad Myers dá um significado teológico, para dizer que “nem todos abandonaram Jesus no Getsêmani. As mulheres agora se transformam na ‘linha de salvação’ da narrativa do discipulado”. Quanto à mãe de Jesus, “ela aqui não é descrita como ‘mãe’ porém como discípula também para contrapor à cena de Mc.3,34: “Eis aqui minha mãe e meus irmãos”. Em todo caso, seja quais forem as três mulheres, Marcos as apresenta como alternativa para os três homens do círculo íntimo anterior, Pedro, Tiago e João; para significar que elas são as verdadeiras discípulas”(o.c.p.469). O tema aqui é mais teológico do que histórico, o tema do discipulado. Por sua vez Raymond Brown completa: “Na verdade, os sinóticos não mencionam as mulheres até o final da cena da crucificação após a morte de Jesus. E o evangelho de João o que diz sobre os nomes das mulheres junto à cruz? “Junto à cruz de Jesus estava sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria mulher de Cléofas e Maria Madalena”(Jo.19,25).  Autores “sugerem que a menção das mulheres em João se introduziu no evangelho de João mais tarde. A maioria dos comentaristas com Bultmann e Dauer sugerem que originalmente a menção das mulheres se introduziu em João mais tarde, para antes da morte de Jesus quando se adicionou também a observação de Jesus à sua mãe e ao discípulo amado.” (o.c.vol.II, p.1375). A opinião do C.Myers, por sua vez, é: “nossa opinião é que a referência ao discípulo amado, aqui, como em outros lugares, é um complemento à tradição” (o.c.p.1376). Origenes, no séc. IV interpretava que Maria representava a herança de Israel que agora estava sendo confiada aos cristãos na figura do discípulo amado”, que não era o filho de Zebedeu mas o representante dos cristãos” (Cf. o.c.p. 1377). Como dito antes, os evangelhos sinóticos afirmam que nenhum dos discípulos seguiram Jesus até à cruz, então nem o apóstolo João. E como dissemos noutro blog, o  "discípulo amado" não era o filho de Zebedeu. É já no sé.IV os Padres da Igreja atribuem essa implicação teológica dizendo, junto com Orígenes, que o discípulo amado era a Igreja.

Conclusão. Há um nome oculto também da mulher que ungiu Jesus antes da Paixão, na casa de “Simão o leproso”. “Quando ele se pôs à mesa entrou uma mulher com um frasco de alabastro de um perfume de nardo puro e derramou-o sobre a sua cabeça”.(Mc. 14,3). A respeito desta pessoa anônima, termino com a observação do autor citado: “O que punha as pessoas em perigo em Jerusalém no período da comunidade cristã primitiva seria a cumplicidade delas com o pretenso comportamento sedicioso de Jesus nos dias que antecederam a prisão. Aliás, toda a comunidade cristã estava potencialmente em perigo devido à sua lealdade a um homem que foi executado por tal comportamento insurreto”(C.Myers o.c.p.250). Desta maneira o evangelho ocultou este nome pelos mesmos motivos que ocultou os outros.

P.Casimiro João      smbn

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