segunda-feira, 29 de julho de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA, A MANOBRA DE MARCOS SOBRE AS DUAS MULTIPLICAÇÕES DOS PÃES.

 

Terá havido duas multiplicações dos pães, ou uma só, como no evangelho de João, o único que traz uma multiplicação dos pães com suas lições? Porém, Marcos apresenta duas, seguido pelos outros dois evangelhos de Mateus e Lucas. Para o caso temos que olhar à intenção deste detalhe. Os estudiosos inclinam-se para o fato que houve só uma multiplicação dos pães e que a narrativa de duas será uma montagem teológica estratégica para responder aos ambientes judeus, por um lado, e dos pagãos, por outro lado. Para os judeus a primeira narrativa é feita em território judeu; para os pagãos, em território pagão, em Betsaida na Decápole. Esta montagem (Mc. 6,30 e 8,10) constitui um só discurso com duas versões. Para os judeus a primeira, e para os gentios a segunda. A primeira em território judeu, para os gentios em território pagão, em Betsaida, na Decápole. “Esta montagem teológica se confirma pelo exame dos episódios que se intercalam entre as duas narrativas. Elas tendem a mostrar que também os pagãos são dignos da mesa do Senhor” (Emile Morin, Jesus e    as estruturas do seu tempo, Paulus, 2018, p.78). No intervalo das duas refeições expos a doutrina de que um pagão pode ser tão puro quanto um judeu. Resumindo, a multiplicação dos pães em Marcos, em que ele muito habilmente utilizou os dois relatos, um do lado da Palestina, outro do lado dos pagãos serve para mostrar que o banquete de Jesus estava aberto aos pagãos e aos judeus. “Bela montagem teológica explicando plasticamente sobre “puro” e “impuro”. Mostrando assim que a pureza do homem vem da pureza do coração, e não das abluções rituais” (cf. o.c.p. 79). O mesmo sentido tem a cena que vem aí colocada sobre o surdo-mudo da Decápole: Os pagãos outrora incapazes de ouvir a palavra de Deus, e de lhe falar, doravante estão aptos para lhe prestar verdadeira homenagem (Mc.7,31). “Marcos dá uma lição bem planejada de solidariedade de Jesus com os pecadores, com os pequenos, os sem-lei, com os impuros, com os estrangeiros; ele contestou fortemente as estruturas de uma sociedade que ousava se apoiar em Deus para justificar a separação entre aqueles que ensinam e os que escutam; entre os que decidem e os que obedecem; os que devem ser honrados e os que devem ser condenados”(o.c.p.79). Quais as semelhanças e as diferenças com os outros evangelhos? E porquê a “primeira multiplicação dos pães” e a “segunda multiplicação dos pães” só no evangelho de Marcos e Mateus? O evangelho de Mateus seguiu as duas versões de Marcos à risca e teve Marcos como fonte. Já o evangelho de Lucas (Lc.9,10-17) que bebeu também de Marcos só se interessou com a 1ª multiplicação no território da Palestina, e embora copiasse também a segunda versão, todavia não teve o interesse da catequese de Marcos. Neste particular, os três falam do local da 2ª multiplicação, Betsaida. E todos os três falam no detalhe dos 12 cestos cheios, que sobraram depois de “saciados”. E, por sua vez tanto Mateus como Marcos falam dos 07 cestos que sobraram na 2ª multiplicação em terras pagãs. Porquê 07 e não 12? Porque 12 representa para os judeus as 12 tribos, enquanto que 07 na refeição dos pagãos está relacionado com os 07 diáconos que foram escolhidos entre os pagãos para servirem às mesas quando “houve queixas dos gregos contra os hebreus porque  suas viúvas tinham sido negligenciadas na distribuição diária” (At.6,1). Já o evangelho de João limitou-se a só à 1ª multiplicação como dissemos (Jo.6,1-13) e em seguida aproveitou para falar da eucaristia pondo a comparação entre o maná do deserto com Moisés e este novo pão ou maná da Eucaristia, com Jesus. E aí temos duas questões, a primeira era a questão da dificuldade que encontrou este evangelho de João para ser aceito no cânon do Novo Testamento pelas suas muitas influências dos gnósticos, e em segundo lugar porque não fazia menção dos sacramentos em todo o evangelho. Como foi resolvida esta questão? Do seguinte modo, um segundo redator tardio colou este tema eucarístico grudado na multiplicação dos pães em referência explícita à eucaristia, para que este evangelho entrasse no Cânon do Novo Testamento, assim como foi inserida também a referência ao Batismo no episódio de Nicodemos (Jo.3,1-21), com o mesmo objetivo. Com este jogo foi aceito no cânon o evangelho de João e incluído no cânon do Novo Testamento embora já  bem mais tarde, no século IV. Eis então a motivação do “discurso” de João após a multiplicação dos pães e do discurso sobre o Batismo com Nicodmos.(Cf. Raymond Brown, Comentário do evangelho segundo  João, vol.I- pag.485-552).

Conclusão. Tivemos ocasião de ver um exemplo de inculturação começando já no Novo Testamento. Como falei, vem aí a referência à escolha dos primeiros sete diáconos motivada já por uma “briga” que vem narrada nos Atos dos Apóstolos. Como houvesse ”queixas dos gregos contra os hebreus porque as suas viúvas eram negligenciadas na distribuição da refeição diária”, os apóstolos convocaram uma reunião, e foi decidido o seguinte: “escolhei dentre vós sete homens os quais ficarão encarregados deste serviço” (At.6,1-3). Foi o suficiente para que os redatores do evangelho de Marcos e Mateus fossem buscar este episódio para a segunda refeição servida no território dos pagãos.

P.Casimiro João  smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

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