segunda-feira, 26 de agosto de 2024

QUARESMA DE SÃO MIGUEL

 

Alguém invocando ou trazendo exemplos e vivências de São Francisco para que possamos fazer a mesma coisa. Em primeiro lugar, para quem não está por dentro, São Francisco não queria que os seus frades estudassem teologia, para que não ficassem “orgulhosos”. Só com a intervenção de Santo Antônio de Pádua é que começaram os estudos teológicos. São Francisco também não tinha estudado teologia e nem filosofia e nem Liturgia. Também ninguém vai exigir que São Francisco já estivesse informado da teoria da evolução pela qual sabemos agora que o mundo não foi criado em seis dias, mas “durante cerca de 15 bilhões de anos”. E que a figura de Adão e Eva eram simbólicas e lendárias. E, claro, também a mesma coisa não podemos exigir dos Padres da Igreja da Idade Média, inclusive do próprio Santo Agostinho, o qual não admitia que as crianças que morriam sem o batismo fossem para o céu, devido a essa mesma teoria de Adão e Eva. De jeito nenhum, o que foi depois corrigido pela Igreja depois da Idade Média. E a mesma coisa, afinal, também não podemos exigir de São Paulo, e indo mais para trás, também daqueles filósofos estoicos antigos que dividiam o mundo governado por Anjos bons e Anos maus, os demônios: “No mundo, existem duas almas do mundo no reino entre Deus e a matéria, uma alma superior, boa, e uma alma inferior má. Esta última determina o mundo inferior abaixo da lua, sujeito à mudança e à instabilidade. O reino entre Deus e a humanidade é ocupado por demônios, alguns com poder divino, outros participantes do modo vacilante de percepção sensorial. A hierarquia do mundo dos demônios é uma escala desde o mundo humano até Deus” (Plutarco, séc.I a.C. Cf.H.Koester, Introdução ao Novo Testamento, vol.I, §6, p.364). E houve os Persas, que trouxeram a primeira vez a noção de inferno e ensinaram para os Judeus. Donde se conclui que acreditar no inferno e nos demônios ou não acreditar, veio das filosofias e religiões pagãs naturais, e por isso pertence ao patrimônio cultural da humanidade, como como diria o teólogo João Batista Libanio. Assim como a noção de demônios também veio dessas mesmas filosofias e religiões pagãs antigas antes ainda dos Judeus e pertence ao mesmo patrimônio da humanidade. Portanto, os demônios não são uma noção cristã, mas uma noção cultural e vem das filosofias gregas, romanas e persas. Assim, por consequência, “expulsar demônios” também não é uma noção ou conceito cristão, mas uma noção cultural que se fazia nessas épocas antigas pelos meios que eles imaginavam, e que passou daí para os judeus. Na verdade, é estranho quando se expõem vídeos que montam todo o arcabouço da Igreja no inferno e nos demônios, esse jeito antigo e filosófico e pagão comum entre as culturas antigas e judaicas e cristãs, patrimônio cultural como dissemos. A gente fica estarrecido quando vemos afirmações como esta: “Um terço dos anjos não viram a Deus; os ‘tronos que eram dos demônios agora serão nossos”. Tem pessoas que passam tempo para contar a fé nos demônios. Não é originário da fé cristã e nem do Antigo Testamento. É mais cultural do que fé. Filósofos estoicos diziam: “Deus permitiu que os demônios tivessem algum poder sobre nós” (Seneca, séc.I a.C.). Esses vídeos afirmam que, segundo Mateus, cap.16, Jesus chamou a Pedro de Satanás. Se chamou, então é porque tinha Satanás. E porque é que Jesus não expulsou o Satanás que estava em Pedro? Também afirmam que o método histórico-crítico de estudar a Bíblia é herético. Veja a pobreza de espírito afirmar isso quando os melhores estudos bíblicos e os maiores autores internacionais se baseiam no método histórico-crítico. Ainda afirma que “se instalou na Igreja uma espécie de heresia por confusão da caridade”, colocando Deus não mandando ninguém para o inferno porque Deus ama. Para confirmar esta afirmação sem jeito, ele volta ao conceito de inferno, que não é um conceito de origem cristã como dissemos, como sendo maior de que (o amor de) Deus. Deus teria que obedecer ao conceito cultural do inferno. Por outro lado, falando agora do combata de São Miguel, serão desconhecedores daquela luta nos céus do filósofo Platão, no “Diálogo de Timeu”, em que é descrito num dualismo mitológico o combate entre Deus e Belial, entre um anjo de luz e um anjo das trevas? E esse anjo das trevas foi chamado pelo nome de Lúcifer ou Belzebu, e o anjo de luz Miguel? (Cf. H.Koester, o.c. §6,p.388). Neste caso essa luta e esse anjo e esse combate não é conceito originário da fé judaica e nem cristã, mas da filosofia dualista platónica, que passou para a cultura judaica e depois cristã. No céu não há luta de seu ninguém contra ninguém, mas nas mitologias antigas assim pensavam, e que Deus precisaria de combatentes fortes para lhe ajudarem nessas lutas mitológicas. Mais um elemento fulcral do combate do assim chamado São Miguel que não é de fé mas cultural mitológico, e como tal também fazendo parte do patrimônio cultural da humanidade pelo grande cacife do filósofo Platão. Por seu lado, o mito chamado Miguel é uma herança das mesmas filosofias dualistas gnósticas como sendo o nome do anjo chefe das "milícias" do céu foi compartilhado na literatura apocalíptica judaica a primeira vez por Daniel quando se referia ao combate contra os inimigos de Israel Dn.12,1 e pelo Apocalipse de João também no cap.12. Assim como no livro de Tobias aparece outro mito como sendo um anjo Gabriel fazendo curas. Fazem parte das mitologias e angeologias culturais da humanidade ou patrimônio cultural da humanidade.

Conclusão. Enquanto tem influenciadores que passam o tempo em arrumar vídeos e mais vídeos e ganhar fama e nome nas mídia, seria mais importante que tivessem mais cuidado. Tem multidão de vídeos que se prestam muito bem para seguidores da faixa etária dos 80 anos, ou 100 porque não têm nada a perder. Mas publicar vídeos desfazados que dariam muito bem para cabeças da época de 100 anos atrás como dissemos mas que atrasam e infantilizam os seguidores de hoje, é muito perigoso. Imagine como seria um Eném de agora com gabaritos de há 500 anos atrás. Imagine como seria uma cirurgia de hoje num moderno hospital com os métodos de há 500 anos atrás.

P.Casimiro João       smbn

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segunda-feira, 19 de agosto de 2024

A TEOCRACIA DE MOISÉS PERMITIU DESPEDIR A MULHER POR DUREZA DE CORAÇÃO.

 

Moisés exercia o “poder” religioso e o poder “civil”. Nele, como em todos os líderes da Antiguidade, tudo funcionava assim. Era o tempo da teocracia. Uma consequência foi um dia uma resposta de Jesus à pergunta dos discípulos: “Como é que Moisés mandou dar certidão de divórcio e despedir a mulher? Respondeu-lhes Jesus: Por causa da dureza do vosso coração é que Moisés vos permitiu repudiar a vossa mulher” (Mt.19,7). Na verdade Jesus não condenou aí Moisés, mas aceitou o que ele fez. Isto é, segundo o texto, ele fez o correto. Qual foi o correto? Dar a certidão de divórcio e despedir a mulher. Por “causa da dureza do vosso coração”. Todo o problema aqui se baseia numa antropologia e numa cosmologia antiga. É diferente considerar se houve um primeiro homem e uma primeira mulher no tocante ao princípio da humanidade, o que se chama teoria do criacionismo, ou se houve ancestrais donde se originaram muitos homens e muitas mulheres originários da humanidade atual, o que se chama evolucionismo. Na antropologia e na cosmologia atual funciona a segunda teoria científica, a evolução ou evolucionismo. Por outro lado, essas duas teorias fundamentam teologias diferentes. E na verdade, toda a teologia do Antigo Testamento foi criada na base da antiga antropologia e cosmologia chamada do criacionismo. Essa teologia passou para o Novo Testamento, e ainda faz parte do imaginário de 99% de nossas cabeças. E como é um tronco de dois mil anos antes de Jesus, e mais outros dois mil anos depois de Jesus, levará outros dois mil e mais dois mil para brotar outra planta nova. Evidente que nessas teorias antigas não entravam coisas como bebês de proveta, barrigas de aluguel, manipulações de embriões e engenharia genética, assim como métodos anticoncepcionais. Todas estas coisas hoje lícitas seriam reprovadas, assim como seriam reprovadas as uniões que não produzissem filhos, porque nessas teologias arcaicas a união dos sexos seria só para reprodução de muitos filhos, porque ter muitos filhos era aumentar a riqueza da casa. Como uma fábrica que aumenta os funcionários. A fábrica eram as terras para cultivar, e os funcionários eram os filhos. É por isso também que eram proibidas uniões homofóbicas porque não produziam filhos e masturbações e companhia. Não tinha valor o afetivo, só o sexual produtivo. Inclusive na Igreja católica não eram permitidas carícias entre casados, e preliminares do sexo, porque seriam imorais, assim como seriam imorais se não houvesse o “sexo reprodutor”. Só este é que devia ser almejado. Foi grande a surpresa e a reação da cúpula da Igreja quando foram iniciados os métodos anticoncepcionais, e ela os condenou na época.

Conclusão. Hoje não é mais a teocracia mas a democracia e a separação de poderes inerentes à mesma democracia. As Nações são autônomas em organizar suas famílias e têm esse poder por direito natural de existência e sobrevivência. Assim como os primeiros seres que “originaram” os primeiros hominídeos tiveram esse direito natural de “criar homens e mulheres” que somos nós hoje.

P.Casimiro João     smbn

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sábado, 10 de agosto de 2024

JESUS O PÃO DA VIDA E A ÁRVORE DA VIDA.

 

EIS AQUI O PÃO DO CÉU, QUEM DELE COMER NÃO MORRERÁ.  Nas leituras da Sinagoga nos períodos da Páscoa era lido o trecho de Gênesis que fala da árvore da vida e do conhecimento (Gn.2,17). Por sua vez, este discurso da catequese do “pão da vida” foi feito no período da Páscoa (Jo.6,59). Os estudiosos associam que historicamente o discurso junta as leituras da sinagoga, ao ensinamento que Jesus é o “novo pão” e a “nova árvore da vida”. (Cf. Raymond Brown, Comentário do evangelho de João, Paulus 2020, vol I, p.520). Nossa catequese: Trata-se de comer e trata-se de pão. Trata-se de morrer e não morrer. Aqui há uma chamada ao princípio do princípio que é o princípio da criação. Havia um jardim cheio de plantas as mais bonitas. No meio, a árvore da vida e do conhecimento. O Senhor tinha prevenido: se comerdes, morrereis (Gn.2,17). Seria possível? Estaria Deus brincando? Esses habitantes do jardim quiseram experimentar. Até porque alguém ali por perto os ajudou a terem coragem. Botaram a mão. E o fruto ficou engasgado na garganta. Até porque segundo a lenda, ainda existe na garganta masculina “o pomo de Adão”. E a história acaba dizendo que eles morreram. E por conta disso “a morte entrou no mundo” (1 Cor.15,21). Passados 4.000 anos ou tanto mais que ninguém sabe, veio um profeta que se chamava Jesus e afirmou: “Eu sou o pão da vida, quem dele comer não morrerá” (Jo.6-48). Direto ao assunto: É como se Jesus dissesse: os primeiros homens do jardim comeram da árvore da vida e morreram, porém agora quem comer este pão que sou eu não morrerá. No nosso caso Jesus se apresentou como a contrapartida da árvore do paraíso. Deu a morte. Ele deu a vida. É como se Jesus dissesse: “Eu sou a árvore da vida”. 

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segunda-feira, 5 de agosto de 2024

TEOLOGIA BÍBLICA, SIGNIFICADO ESCATOLÓGICO DO BATISMO DE JOÃO BATISTA

 Nesta página convido o leitor a adentrar no gênero das narrativas da vida de João Batista, como ele surge envolto nos moldes das vocações do Antigo Testamento. No dizer de Eugene Boring o único evangelho que fala do nascimento do Batista, é Lucas 1,5-26, e este evangelho de Lucas consta de três compartimentos: o primeiro pertence ao tipo lendário dos nascimentos do Antigo Testamento, como o de Samuel (1 Sam.1, 1-20), Sansão (Jz.13,20) e as estéreis Sara (Gb.11,30), Rebeca (Gn.25,21) e Raquel (Gn.30,29). Neste gênero são incluídos os primeiros capítulos do evangelho de Lucas onde terá copiado esses links inclusive desde o batismo de Jesus até à vida pública. (Cf. E.Boring Introdução ao Novo Testamento vol II p. 1064-71). Por seu lado, Helmut Koester por outras palavras tem as mesmas informações: “Não é possivel fazer um relato histórico sucinto da vida e do ministério quer de João Batista quer de Jesus de Nazaré. Há só um breve comentário sobre João do historiador Flávio Josefo. Tudo o que existe são uns poucos dados externos, como a execução de João pelo tetrarca Herodes Antipas e a condenação de Jesus à morte na cruz pelo governador Pôncio Pilatos. Só é possível avaliar seus ministérios e mensagens na forma de uma trajetória que pode ser traçada desde as expectativas escatológicas de Israel no primeiro século d.C. A história de João e de Jesus se tornou memória da comunidade, uma memória que chegou até nós não como um registro de fatos mas como um diálogo, em que tudo que foi dito se transformou em história e palavras de significado da comunidade para o presente” (Helmut Koester, Introdução ao Novo Testamento, Paulus, 2012 vol.II §8,p.80). Podemos ainda aduzir mais semelhanças ou paralelos com as narrativas e a saga do profeta Elias. Tanto a narrativa sobre João como sua doutrina social levam os historiadores a comparar a saga de João do mesmo tipo que a saga do profeta Elias. Ora isto leva a crer que não passa de um produto cristão. H.Koester conclui portanto que “com toda a probabilidade a narrativa do nascimento de João, se não for do próprio Lucas, é uma composição cristã, ou talvez uma lenda piedosa herdada dos seguidores de João. É impossível dizer se a informação de que João descendia de uma família sacerdotal merece confiança. Por seu lado, o batismo de João deve ser entendido como um selo escatológico para reconstituir os eleitos de Israel que seriam “poupados” no julgamento de Deus.” (o.c.§8,p82). No estilo e na preocupação escatológica de João entra um gesto significativo cultural da religião de Moisés, onde se diz que os “seguidores de Moisés foram todos batizados na nuvem e no mar” (1.cor.10,2). Nesse sentido, “o batismo” de João significava uma nova passagem para o final dos tempos e para a chegada do Reino de Deus que se aproximava também pela “voz do deserto” que ele representava (Is.40,5). Traços comparativos atestam ainda uma escatologia como um link tirado do Antigo Testamento, como aquele onde “o machado já está posto à raiz da árvore”, Mt.3,10 sobre o juízo e o julgamento de Deus sobre a nação de Israel. O martírio de João é posto em suspeição pela história de Flávio Josefo que afirma outro motivo, a execução do Batista aconteceu porque Herodes Antipas suspeitava de uma insurreição popular, porque a mensagem de João implicava consequências políticas (o.c.§8, p.83). Isto se confirma pelo fato de que na mesma época de João, aconteceu a execução de Judas o Galileu, de Teúdas e do profeta “Egípcio”. Constatamos portanto que a Introdução do evangelho de Lucas sobre João, e não só, traz um resumo do Antigo Testamento sobre nascimentos miraculosos, e sobre a escatologia do fim de um mundo e o começo de outro novo mundo, com a parábola do “machado na raiz da árvore” e com o batismo de Jesus por João, trazendo à baila o “batismo” na nuvem e no mar por meio de Moisés. E daí segue, como que firmando-se nesse alicerce do Velho Testamento, a vida pública de Jesus para levantar o novo edifício do Reino de Deus.

Conclusão. Costumamos subestimar a tradição de João Batista e relegá-la às calendas, como ofuscada pela vinda de Jesus. Historicamente, não parece tão verdadeiro esse ofuscamento e esse sumiço de João. Algumas indicações existem da continuidade da presença de João simultaneamente com a presença de Jesus. Certa ocasião Paulo perguntou a alguns discípulos “recebestes o Espirito Santo quando abraçastes a fé? Em que batismo fostes batizados? No batismo de João, responderam eles” (At. 19,1 ss). Podemos pensar num tempo passado mas o tempo podia também ser aquele mesmo, i.é, ainda haveria gente batizando no batismo de João. Um dia Jesus teria dito: “Entre os nascidos de mulher não surgiu nenhum maior do que João” (Mt.17,1ss). Os estudiosos desconfiam que essa declaração tenha sido feita por Jesus, mas fosse ou não, redatores posteriores quiseram corrigir logo com o acréscimo: “mas o menor no Reino dos céus é maior do que ele”. Hoje em dia existe ainda o grupo dos Mandeanos, uma seita religiosa que existe no Iraque, e que alguns estudiosos dizem ter-se originado nas terras do Jordão, derivados do João Batista”(o.c. vol.II, §8, p.84).

P.Casimiro João                  smbn                   

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