Existe
um Jesus que viveu na Palestina, e existe um Jesus como estava na cabeça dos
cristãos depois da Páscoa.
“Não
temos acesso direto ao Jesus antes da Páscoa pelos evangelhos e Cartas
apostólicas” nos diz o teólogo João
Batista Libãnio, “Creio na Trindade”, Paulus, p.59). O Jesus antes da Páscoa
não é relatado por ninguém. O Jesus que é relatado pelos evangelhos é o Jesus
que estava na cabeças dos cristãos muitos anos depois. Se você tem um grande amigo
que morreu há 50 anos, alguém vai dizer-te: “não, você é suspeito, vou procurar
outra pessoa para falar sobre ele porque você é suspeito”.
Tem
acontecimentos com duas dimensões; a dimensão histórica, e a dimensão da
interpretação (da admiração). No acontecimento da crucificação de Jesus, por
exemplo, tem a dimensão histórica, igual como a morte de Tiradentes. E tem
também a dimensão da interpretação. A dimensão da interpretação é a dimensão da
fé. E nos relatos as duas dimensões se entrelaçam tanto, que nem dá para
distinguir ou então levam à “ilusão” que ambas são históricas. Na crucificação,
os dados que são da interpretação, são os seguintes, só para falar em
alguns: Sobre o enforcamento de Judas, que muitos autores põem em dúvida, uma
vez que os evangelhos foram buscar estes dados no Antigo Testamento para
colarem nos seus relatos: “E eles pegaram
trinta moedas como preço daquele que for avaliado pelos filhos de Israel; eles
o deram pelo campo do Oleiro. Então eles pegaram o dinheiro do meu pagamento,
trinta moedas de prata” (Zac.11,11-12).
Outros dados do Antigo Testamento aí colados: Quando na
crucificação é dito que “porém a ele não
lhe quebraram as pernas” (Jo.19,3), foram buscar do A.T. assim: “Cada cordeiro deverá ser comido dentro de
uma casa e não se deverá quebrar nenhum osso”(Êx.12,46). Sobre lançar
sortes sobre a túnica (Mt.27,35): “Repartem
entre si as minhas vestes e lançam sortes sobre a minha túnica” (Sl.21,19). Sobre as palavras de deboche ao crucificado
para descer da cruz(Mc.15,30), foram buscar no mesmo salmo: “Esperou no Senhor, pois que ele o livre, que
o salve, se o ama”(Sl.21,9). Sobre os dois ladrões, que é também posto
cientificamente em dúvida o caso(Mc.15,28): “Foi colocado entre malfeitores” (Is.53,12). Mais aportes: “Em toda a terra houve trevas desde a hora
sexta até a hora nona; obscureceu-se o sol e o véu do templo se rasgou pelo
meio”(Lc. 23,44) encontra-se em Zacarias: “ Nesse dia não haverá mais luz e nem gelo; não haverá mais dia e noite” (Zac. 11,12). Sobre a exclamação
de Jesus na cruz”meu Deus, meu Deus
porque me abandonaste”(Mc. 15,23) tem seu paralelo no salmo: “Meu Deus, meu Deus porque me
abandonaste”?(Sl.21,2). “As pedras
quebraram-se, a terra tremeu, e os túmulos se abriram e muitos corpos dos
justos ressuscitaram e apareceram a muitas pessoas”(Mt.27,51) faz parte da escatologia
do Antigo Testamento onde as pedras se abrem, a terra treme e os túmulos se
abrem e o s justos ressuscitam. Vejamos:”Os
teus mortos viverão e os seus corpos
ressuscitarão”Is.26,19; “E muitos que dormem no pó da terra acordarão”(Dn.13,14).
Estes
são os dados da interpretação que foram grudados no histórico da
crucificação de Jesus mas não são da fala de Jesus. Estes foram colocados na
boca dele como se ele mesmo tivesse falado. Os escritores foram pesquisar no
Antigo Testamento para adaptar ao acontecimento. Agora, afloram duas atitudes
possíveis: ou você fica na primeira dimensão histórica do puro acontecimento e
não sai dali; ou aceita também a segunda dimensão e se ajunta à multidão dos
que escreveram, e acompanha os que têm aceitado até o presente: esta é a
dimensão da fé. E não só. Nesta segunda dimensão tem ainda duas opções: os que
aceitam estes acrescentos do Antigo Testamento como sendo históricos, talvez
porque não sabem; e os que sabem que eles não são históricos nem falados por
Jesus. “ O choro é livre” dizia a Juju; e aqui a escolha também é livre.
Concluindo:
Na vida concreta de Jesus topamos com dados mais ou menos objetivos e
controversos que aconteceram ou não aconteceram como são narrados. Para obter
tais resultados se construiu o método crítico-histórico e literário, como
analisou o teólogo Libanio. Um exemplo nos elucida: “Tomemos o caso da ressurreição
de Lázaro. Não temos condição de provar que os pormenores da doença, morte e
ressurreição de Lázaro, narrados por João, signifiquem descrição rigorosa dos
fatos. A qualquer conclusão que o estudo crítico-histórico literário chegue
sobre a ressurreição ou não de Lázaro, permanece a verdade definitiva e
fundamental da confissão de Marta, “Sim Senhor, creio que és o Cristo, o filho
de Deus que devia vir a este mundo”(Jo.11,24). Então o que permanece é a
intenção de João que está pedindo a fé no filho de Deus, e dá o exemplo de
Marta, independentemente ou não da veracidade factual do milagre. Reflexão
semelhante pode-se fazer sobre as narrativas de Caná e do cego de nascença, que
são uma catequese teológica tendo como fundo algum possível núcleo factual”(Libânio,
o.c.p59-60).
Conclusão. Como no acontecimento da crucificação, também o citado
autor colocou as duas dimensões dessas narrativas, que podemos chamar de parábolas:
a dimensão histórica e a dimensão da fé. A dimensão histórica seria um pequeno núcleo
“factual” impossível de discernir, uma vez que ele está orientado para a fé; e
a dimensão da fé, que é o objetivo do narrador-catequista, onde ele aumentou
dados culturais da época. Na parábola das bodas de Caná está subjacente a ideia
da antiguidade de deuses que transformavam água em vinho, e a ideia do Antigo
Testamento em que na futura vinda do messias uma videira produziria mil cachos,
e cada cacho mil uvas. Além da transposição da lavagem ou ablução do Antigo
Testamento representada pelos seis potes de pedra de 100 litros, pra dizer que
todas as abluções do Antigo Testamento não eram nada em comparação com Jesus.
Olhada nesta perspectiva a cena de Caná é uma grande parábola, e assim também
inúmeras narrativas bíblicas, que para os hebreus eram “middrash”, e para nós
parábolas. Como diz um autor anónimo, a piedade atrapalha a história. Temos um
exemplo no Livro de Daniel, todo feito em piedade e não em historia.
P.Casimiro
João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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