A
cena do evangelho quando Jesus perguntou “quem
sou eu” provoca Pedro que respondeu ‘tu
és o Messias’. Em seguida Jesus continuou assim: “o filho do homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos
sumos sacerdotes e doutores da Lei”(Mc.8,31-32). Ao que Pedro respondeu: “Que Deus não permita isto, isto não te
acontecerá”. Aí são representados o Messias de Pedro e o Messias de São
Francisco: o Messias de Pedro é o Messias do poder temporal, dos imperadores; o
Messias de São Francisco era o Messias
do povo sofredor e de Isaías no cântico do Servo, cap.50.
Estas
duas tendências ou visões de Messias continuaram na Igreja por toda a Idade
Média e ainda estão presentes até hoje. A teologia do Pedro, do poder temporal,
sempre esteve presente na teologia do Vaticano, como vimos no blog anterior (www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br, 3/4/22). A segunda era a teologia e a prática de São
Francisco.
Como
vimos no “Ordenamento do Papa”(Dictatus
Papae) do séc.XI, o Papa tinha o direito de vestir as insígnias
imperiais. E não só, os príncipes tinham que beijar os pés do Papa. Podia
julgar todos os homens, e não ser julgado por ninguém, e abaixo de Deus não
havia ninguém maior do que o Papa. Com isto então se formou a corte do Papa, ou
Cúria romana, imitação do Senado romano(H.Kung, A Igreja tem salvação?
235-240).
Já
bem outra é a teologia e a prática do Francisco de Assis, que seguiu a teologia
e a prática do 2ºIsaías do Servo sofredor, de que iremos falar, e no qual os
pobres têm se inspirado para se olharem como sendo esse servo desprezado,
marginalizado e abandonado ‘quase por Deus’ mas sobretudo pelos poderes
temporais. E não só, mas crucificado e roubado. Não é em vão que os autores das
cerimônias da Paixão foram buscar a letra dos Salmos e os capítulos do Servo
sofredor de Isaías. E nem imaginavam que estavam fazendo um serviço à corte ou
Cúria do Papa, pois com isso desviavam a atenção do povo, de seus próprios
sofrimentos para “aplicá-los” à pessoa de Cristo, desviando da pessoa do
pobre. E de tal maneira isso nos envolve
que estamos pensando que essas palavras da hora da “Paixão” são mesmo de
Cristo, e que aquelas “orações” saíram da boca de Cristo.
Alguns
exemplos: “Ofereci as minhas costas para
me baterem e as faces para me arrancarem
a barba; não desviei o rosto de bofetões e cusparadas” (Is.50,6); “Meu Deus,
meu Deus, por que me abandonastes”(Sl.21,1); “Esperou no Senhor, que ele o
salve, se é que o ama”(Sl.21,9); “Traspassaram minhas mãos e meus pés, poderia
contar todos os meus ossos; eles me olham, observando...”Repartiram entre si as
minhas vestes, e lançaram sortes sobre a minha túnica"(Sl.21,19). Os redatores da Paixão foram buscar todas
essas expressões no Antigo Testamento. Essas leituras na Sexta feira Santa são
do profeta Isaías, e dão a ideia que são sobre Jesus mas é sobre Israel, que
Isaías comparava a um Servo do Senhor, e por isso estes trechos são chamados “o
Canto do Servo”. Vejamos: “Ei-lo o meu
servo será bem sucedido, sua ascensão será ao mais alto grau. Assim como muitos
ficaram pasmados ao vê-lo, tão desfigurado ele estava, que não parecia ser um
homem ou ter aspecto humano. Era desprezado, o último dos mortais, homem
coberto de dores, cheio de sofrimentos; passando por ele tapávamos o rosto, tão
desprezado que ele era, não fazíamos caso dele. A verdade é que tomava sobre si
nossas enfermidades e sofria ele mesmo nossas dores; e nós pensávamos que era
um chagado, golpeado por Deus e humilhado! Mas ele foi ferido por causa de
nossos crimes; a punição a ele imposta era o preço da nossa paz, e suas
feridas, o preço da nossa cura. Todos nós éramos como ovelhas desgarradas, cada
qual seguindo o seu caminho, e o Senhor fez cair o pecado de todos nós. Foi
maltratado e submeteu-se, não abriu a boca. Quem se preocupa com a sua origem?
Foi eliminado do mundo dos vivos; e por causa do pecado do meu povo foi
golpeado até morrer. Deram-lhe sepultura entre os ímpios, um túmulo entre os
ricos porque não praticou o mal nem se encontrou falsidade em suas palavras. O
Senhor quis macerá-lo com sofrimentos. Oferecendo sua vida em expiação, ele
terá descendência duradoura e fará cumprir com êxito a vontade do Senhor. Por
esta vida de sofrimento alcançará luz e
uma ciência perfeita. Meu servo o justo fará justos inúmeros homens,
carregando sobre si suas culpas. Por isso compartilharei com ele multidões e
ele repartirá suas riquezas com os valentes seguidores, pois entregou o corpo à
morte, sendo contado como um malfeitor; ele na verdade resgatava o pecado de
todos e intercedia em favor dos pecadores” (Is.52,13-15 ss).
Estas
palavras são do profeta Isaías lamentando os sofrimentos e os martírios do povo
de Israel quando chegou do cativeiro da Babilônia. Por ser um cântico e uma
poesia foi chamado o Canto do Servo. E o servo era o povo de Israel.
Está bem evidente, como ilustram os estudiosos que aquele povo, o povo de
Israel considerado o “servo do Senhor” por aquela vida de sofrimento iria
alcançar luz e uma ciência perfeita (Is.53,11). Como diz o ditado, iria aprender
com a própria experiência e ter mais juízo. Aliás, enquanto neste hino o
profeta trata o povo como uma pessoa, um “homem”, por outro lado
diz “eles”. “Eles já receberam
duas vezes mais do que os pecados que cometeram”(Is.40,2).
Quase
concluindo, é evidente que a teologia do Messias de Pedro tinha toda a
vantagem em aplicar este cântico do Servo a Jesus porque assim desviava
a atenção de toda a Igreja dos sofrimentos do povo sofrido. Reparemos que ainda
hoje não será ainda assim? Nas Vias Sacras da Quaresma para quem
dirigimos nossa atenção, nosso olhar e nossa compaixão? Não é para o Cristo
nos Quadros e na cruz? Ainda bem que nas últimas vias sacras da CNBB se tem
voltado já a atenção e os olhares para o povo sofrido, o povo de São Francisco,
como violência, salário, desmatação da Amazônia, e segregação
racial.
Conclusão. Para a corte dos Papas foi levado o
Messias de São Pedro. Para o povo foi levado o Messias de São Francisco. O
Messias de São Pedro construiu a teologia medieval que chegou à Idade
Moderna, que quis iniciar uma crítica e uma outra orientação para ela,
com o aporte das mudanças e das luzes e da inteligência do Renascimento, e das
novas ciências. Entre esses aportes e provocações estava a teologia da
libertação, como fruta madura das outras ciências em curso. Antes de
avançarmos vem ao caso uma citação da Carta de Tiago:”Irmãos, imaginai que na vossa reunião entra uma pessoa com anel de
ouro e bem vestida, e também um pobre com sua roupa surrada, e vós dedicais
atenção ao que está bem vestido, enquanto desprezais o pobre” (Tg.2,3). Aí
estão descritas as duas teologias do Messias do Pedro e do Messias de São
Francisco. Não será que a teologia de Roma se recusou a aceitar a teologia
do Messias de São Francisco persistindo em recusar a teologia da libertação? Vós dedicais atenção ao que está bem vestido
enquanto desprezais o pobre”.
P.Casimiro
João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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