segunda-feira, 1 de maio de 2023

O que a Bíblia copiou do mundo antigo; e o que a Igreja tem que copiar do mundo moderno.


 

O que a Bíblia copiou do mundo antigo? A Bíblia dos judeus aprendeu e colou partes do Gilgamesh, o primeiro livro do Mundo, no Gênesis; Depois aprendeu com o primeiro Código de Leis do Mundo, o Código de Hamurabi e colou partes dele no Código do Sinai. E, como dissemos na semana passada, aprendeu e copiou a cultura da Profecia, partes dos Salmos e dos Provérbios. Cf, John Bright, História de Israel, p.162-214; E: (Mark Smith “O Memorial de Deus”, 148).

E o que a Igreja aprendeu com o mundo moderno? Os Direitos humanos, a liberdade de religião, a liberdade de consciência, e a democracia. O reconhecimento dos Direitos humanos exarados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1949 é fruto da filosofia moderna do Iluminismo e da Razão. (Descartes). Esta filosofia faz hoje parte da Bíblia moderna das Nações e da Igreja, que a duras penas teve que aceitá-la depois de ter lutado tanto contra ela e a ter condenado no séc.XIX pela caneta do Papa Pio IX. E do mesmo jeito as outras duas questões que estavam no páreo das grandes relutâncias da Igreja: a liberdade de consciência e a liberdade de religião. Com isso surge na teologia católica a tese da salvação universal reconhecida igualmente, como a liberdade de consciência e de religião, pelo concílio vaticano II. Vejamos os termos da declaração: “Este Concílio Vaticano declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa. Esta liberdade consiste no seguinte: todos os homens devem estar livres de coação, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites. Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica da sociedade deve ser de tal modo reconhecido que se torne um direito civil. (Doc sobre a Dignidade Humana, I,2).

Sobre a universalidade da salvação e de quebra sobre a necessidade do batismo para a salvação eis a historia de alguns textos. Em certa altura lemos no evangelho de João: “Aquele que rejeita o Filho não verá a vida pois a ira de Deus cairá sobre ele” (Jo.36). E outra afirmação paralela é aquela: “Quem não crer será condenado” (Mc. 16,16). Em primeiro lugar, estas afirmações de João e de Marcos não são do evangelho original, mas foram adicionadas depois de uns 150 anos pelo redator eclesiástico final. No evangelho de João trata-se da cena da conversa com Nicodemos cuja historicidade até é questionada. (E.Boring, Comentário do evangelho de João, vol.I,  p.349). Na verdade, deverá ser entendida esta cena de Nicodemos como uma adição muito posterior como uma programática catequese batismal, onde, na época de ‘Nicodemos’ isso não existia. E é de notar que essa adição é da época da mesma adição ao evangelho de Marcos onde se diz: “Todo aquele que crer e for batizado será salvo, quem não crer será condenado” (Mc.16,16). Como sabemos, o evangelho de Marcos termina na metade do capítulo 16, sendo adição posterior a segunda metade. E tanto aqui como em João, o que há por trás disso tudo? Como os judeus se julgavam a única religião do mundo, assim os primeiros cristãos se julgavam também a única religião do mundo. Como para os judeus havia a obrigação de circuncidar, para os cristãos havia a obrigação de batizar. Logicamente que a primitiva Igreja se julgava também na mesma situação: se converter para cristão e se batizar. Esta teologia primitiva rolou por toda a Idade Média e patrística. Porém ninguém notou que a circuncisão já tinha sido excluída, pela luta mortal de Paulo, pela qual ele deu a cabeça a prêmio e sofreu o martírio. Mas parece que isso passou despercebido em todas as cabeças, e nas teologias patrística e medieval. O batismo continuou condição essencial para a salvação, até ao concílio vaticano II em que se debateu a teologia da salvação universal, para batizados e não batizados. As teologias patrística e medieval tiveram como fundamental o mote de São Justino (séc. II): “Fora da Igreja não há salvação”.  O concílio vaticano II foi o primeiro a quebrar esse mote, de modo que hoje a teologia formula o mote “Fora da Igreja há muita salvação”.  Na verdade no documento Lumen Gentium se afirma: “A divina Providência não nega os auxilios necessários à salvação daqueles que sem culpa não chegam ao conhecimento explicito de Deus e se esforçam por levar uma vida reta; tudo o que de bom e verdadeiro neles há é considerado pela Igreja como preparação para receberem o evangelho para que possuam a vida eterna” (L.Gentium, n.16).

Então aquela afirmação de João: “Aquele que rejeita o Filho não verá a vida” (Jo.3,6), ou seja aquele que “não aceita” o Filho não seria salvo, foi portanto uma tábua do edifício com prazo  de validade vencida, como foi a outra tábua, a circuncisão. E, como dá a entender a Pontificia Comissão Bíblica, a Bíblia foi escrita, reescrita, editada, reeditada e reelaborada. Um discurso feito 150 anos depois por um pregador ou catequista sobre o batismo incrementou toda uma teologia milenária.

Conclusão. A duras penas a Igreja tem dado o braço a torcer na quebra de braço com o mundo moderno. Mas quando chegou no fundo do túnel não vê outra saída senão aprender com o mundo moderno. O tempo dos choros do século XIX ainda quer se perpetuar, mas sem eficácia, em muitas cabeças de hoje. A Igreja junto com os Estados Unidos foi a última em aceitar a doutrina dos Direitos humanos e da liberdade de religião e de consciência em 1949. Há porém atualmente no horizonte outras questões em debate que estão sendo osso duro para a Igreja, mas não terá outro jeito senão ir se declarando e aceitando as conclusões da ciência e as teorias da bioética e da engenharia genética. Como é costume, a Igreja acha que tem as chaves da ciência mas essas ela nunca teve. Se até nas chaves da fé ela já teve que se retratar, como na necessidade do batismo para a salvação e até para as crianças, como não irá se dobrar às chaves da ciência nos casos mencionados? E não só, também nos casos dos direitos de opção sexual que estão sendo tão estranhados por algumas alas da Igreja. Neste caso, como naqueles que analisamos o futuro é também da ciência. Não aconteça como aqui se declara: “A Igreja masculina e muitas vezes machista na sua hierarquia decisória, decidiu sobre a questão da regulação da natalidade, sem consultar as mulheres. Talvez por essa razão a voz da Igreja sobre o controle da natalidade não seja escutada”. (Cf. Maria Inês de Castro Millen, Sexualidade e Pastoral, p.231). E, como declarou numa frase célebre um dos maiores cientistas do planeta: “A religião sem a ciência é cega”(Albert Einstein).

P.Casimiro João        smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

 

 

 

 

 

 

 

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