O que a Bíblia copiou do mundo antigo? A
Bíblia dos judeus aprendeu e colou partes do Gilgamesh, o primeiro livro do
Mundo, no Gênesis; Depois aprendeu com o primeiro Código de Leis do Mundo, o
Código de Hamurabi e colou partes dele no Código do Sinai. E, como dissemos na
semana passada, aprendeu e copiou a cultura da Profecia, partes dos Salmos e dos
Provérbios. Cf, John Bright, História de Israel, p.162-214; E: (Mark Smith “O Memorial de Deus”,
148).
E o que a Igreja aprendeu com o mundo
moderno? Os Direitos humanos, a liberdade de religião, a liberdade de
consciência, e a democracia. O reconhecimento dos Direitos humanos exarados na Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1949 é fruto da filosofia moderna do
Iluminismo e da Razão. (Descartes). Esta filosofia faz hoje parte da Bíblia
moderna das Nações e da Igreja, que a duras penas teve que aceitá-la depois de
ter lutado tanto contra ela e a ter condenado no séc.XIX pela caneta do Papa
Pio IX. E do mesmo jeito as outras duas questões que estavam no páreo das
grandes relutâncias da Igreja: a liberdade de consciência e a liberdade de
religião. Com isso surge na teologia católica a tese da salvação universal
reconhecida igualmente, como a liberdade de consciência e de religião, pelo
concílio vaticano II. Vejamos os termos da declaração: “Este Concílio Vaticano declara que a pessoa humana tem
direito à liberdade religiosa. Esta liberdade consiste no seguinte: todos os
homens devem estar livres de coação, quer por parte dos indivíduos, quer dos
grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria
religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem
impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado
com outros, dentro dos devidos limites. Este direito da pessoa humana à
liberdade religiosa na ordem jurídica da sociedade deve ser de tal modo reconhecido
que se torne um direito civil. (Doc sobre a Dignidade Humana, I,2).
Sobre a universalidade da salvação e de
quebra sobre a necessidade do batismo para a salvação eis a historia de alguns
textos. Em certa altura lemos no evangelho de João: “Aquele que rejeita o Filho não verá a vida pois a ira de Deus cairá
sobre ele” (Jo.36). E outra afirmação paralela é aquela: “Quem não crer será condenado” (Mc. 16,16).
Em primeiro lugar, estas afirmações de João e de Marcos não são do evangelho original,
mas foram adicionadas depois de uns 150 anos pelo redator eclesiástico final. No
evangelho de João trata-se da cena da conversa com Nicodemos cuja historicidade
até é questionada. (E.Boring, Comentário do evangelho de João, vol.I, p.349). Na verdade, deverá ser entendida esta
cena de Nicodemos como uma adição muito posterior como uma programática
catequese batismal, onde, na época de ‘Nicodemos’ isso não existia. E é de notar
que essa adição é da época da mesma adição ao evangelho de Marcos onde se diz:
“Todo aquele que crer e for batizado será
salvo, quem não crer será condenado” (Mc.16,16). Como sabemos, o evangelho
de Marcos termina na metade do capítulo 16, sendo adição posterior a segunda
metade. E tanto aqui como em João, o que há por trás disso tudo? Como os judeus
se julgavam a única religião do mundo, assim os primeiros cristãos se julgavam
também a única religião do mundo. Como para os judeus havia a obrigação de
circuncidar, para os cristãos havia a obrigação de batizar. Logicamente que a
primitiva Igreja se julgava também na mesma situação: se converter para cristão
e se batizar. Esta teologia primitiva rolou por toda a Idade Média e
patrística. Porém ninguém notou que a circuncisão já tinha sido
excluída, pela luta mortal de Paulo, pela qual ele deu a cabeça a prêmio e
sofreu o martírio. Mas parece que isso passou despercebido em todas as cabeças,
e nas teologias patrística e medieval. O batismo continuou condição essencial
para a salvação, até ao concílio vaticano II em que se debateu a teologia da
salvação universal, para batizados e não batizados. As teologias patrística e
medieval tiveram como fundamental o mote de São Justino (séc. II): “Fora da Igreja não há salvação”. O concílio vaticano II foi o primeiro a
quebrar esse mote, de modo que hoje a teologia formula o mote “Fora da Igreja há muita salvação”. Na verdade no documento Lumen Gentium se afirma: “A
divina Providência não nega os auxilios necessários à salvação daqueles que sem
culpa não chegam ao conhecimento explicito de Deus e se esforçam por levar uma
vida reta; tudo o que de bom e verdadeiro neles há é considerado pela Igreja
como preparação para receberem o evangelho para que possuam a vida eterna” (L.Gentium,
n.16).
Então aquela
afirmação de João: “Aquele que rejeita o Filho não verá a vida” (Jo.3,6), ou
seja aquele que “não aceita” o Filho não seria salvo, foi portanto uma tábua do
edifício com prazo de validade vencida,
como foi a outra tábua, a circuncisão. E, como dá a entender a Pontificia
Comissão Bíblica, a Bíblia foi escrita, reescrita, editada, reeditada e
reelaborada. Um discurso feito 150 anos depois por um pregador ou catequista
sobre o batismo incrementou toda uma teologia milenária.
Conclusão. A duras penas a Igreja tem dado o braço a
torcer na quebra de braço com o mundo moderno. Mas quando chegou no fundo do
túnel não vê outra saída senão aprender com o mundo moderno. O tempo dos choros
do século XIX ainda quer se perpetuar, mas sem eficácia, em muitas cabeças de
hoje. A Igreja junto com os Estados Unidos foi a última em aceitar a doutrina dos
Direitos humanos e da liberdade de religião e de consciência em 1949. Há porém
atualmente no horizonte outras questões em debate que estão sendo osso duro
para a Igreja, mas não terá outro jeito senão ir se declarando e aceitando as
conclusões da ciência e as teorias da bioética e da engenharia genética. Como é
costume, a Igreja acha que tem as chaves da ciência mas essas ela nunca teve.
Se até nas chaves da fé ela já teve que se retratar, como na necessidade do
batismo para a salvação e até para as crianças, como não irá se dobrar às
chaves da ciência nos casos mencionados? E não só, também nos casos dos
direitos de opção sexual que estão sendo tão estranhados por algumas alas da
Igreja. Neste caso, como naqueles que analisamos o futuro é também da ciência.
Não aconteça como aqui se declara: “A Igreja masculina e muitas vezes machista
na sua hierarquia decisória, decidiu sobre a questão da regulação da
natalidade, sem consultar as mulheres. Talvez por essa razão a voz da Igreja
sobre o controle da natalidade não seja escutada”. (Cf. Maria Inês de Castro
Millen, Sexualidade e Pastoral, p.231). E, como declarou numa frase célebre um
dos maiores cientistas do planeta: “A religião sem a ciência é cega”(Albert Einstein).
P.Casimiro
João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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