A bíblia não é geográfica, nem
histórica, é uma fé e uma teologia. O nascimento de Jesus é um exemplo claro pois até há bem pouco tempo não estava definido o ano do seu
nascimento. Hoje em dia sabe-se que nasceu 6 anos “antes de Cristo”. É que o
evangelho não foi escrito por especialistas históricos da época, mas por especialistas de fé.
Diferentes dos gregos, que aprendiam
para compreender, os judeus aprendiam para reverenciar. Dos gregos nasceu a
filosofia mundial, a física e a matemática. Na verdade, o conhecimento de fé e
o conhecimento de ciência são diferentes. A Igreja, por sua vez, como herdeira
dos judeus, também aprendeu para reverenciar e não para compreender. Daí vieram
os dogmas e muitas doutrinas. Daí veio também a tradicional briga entre a fé e
a ciência. A teologia antiga dizia que a ciência tinha que ser escrava da fé.
Hoje não é mais isso, e embora a fé não seja escrava da ciência, no entanto a
fé tem que seguir os ditames da ciência para não virar crendice. Na verdade
Santo Anselmo de Cantuária, no séc.XII já proferiu a famosa sentença: “Fides
quaerens intelectum”, a “fé buscando entendimento”, o qual também explicava:
“acredito para entender” e vice-versa: “penso para que possa crer”. E o Papa
Paulo VI em 1970, comentando a sentença de Anselmo falava muito claro na
“confiança na capacidade cognoscitiva do ser humano: “A fé tem necessidade do
serviço da razão; a fé não sufoca a razão nem a substitui”.
Na Grécia nasceu a ciência, na Judeia
nasceu a Bíblia. Diferença: a ciência é universal, e a fé bíblica é particular,
embora os judeus até alimentassem a ambição de torná-la universal, e até hoje
nem atingiu 20% por cento da humanidade. E assim como a fé nasce de
experiências religiosas concretas, assim há tantas religiões como povos e
civilizações no Universo. Além da fé bíblica temos as religiões mesopotâmicas e
sumérias, donde aliás a Bíblia partilhou muitos elementos, as religiões indianas,
chinesas, japonesas, as pérsicas ou masdeístas de Zoroastro, as religiões
iranianas, e babilônicas. Em todas as religiões antigas havia profetas,
Orações, Salmos, alguns dos quais passaram para a Bíblia, assim como mais de 30
provérbios do Livro dos Provérbios, sem falar nos mitos da criação, dilúvio,
arca de Noé, Torre de Babel etc.(Cf. John Bright, História de Israel,
p;118-120).
Essas religiões nasceram da experiência
mística de um fundador. No povo hebreu a sua experiência deveu muito ao símbolo
formado em torno do sofrimento do “Servo Sofredor” como personificação dos
cativeiros do Egito, Pérsia e Babilônia. Na Pérsia surgiu Zoroastro que viveu a
juventude perambulando e meditando, sempre no contato com Deus. Com ele surgiu
uma religião monoteísta registrada como a primeira religião monoteísta do
mundo. Perseguido pelos príncipes e sacerdotes, morreu assassinado por eles. (o.c.p.129).
O conceito de céu-inferno-purgatório vem inclusivamente desta religião fundada
por Zoroastro, que passou para os sumérios e babilônicos e judeus. O conceito
de alma vem de Platão, e para ele era uma emanação dos deuses, separada da
matéria, teoria esta que originou a filosofia e depois a teologia dualista.
Temos outros fundadores de religiões, que como Zoroastro percorreram suas
nações como peregrinos e profetas ambulantes que sentiam o fogo de Deus queimar
os seus corações, como Confúcio na China, Buda na Índia, Narayana no hinduísmo,
Am Omikami no Japão bem como os monges Sohei, e também Maomé na Arábia. Os
profetas surgiram da crise. ”Não resta a menor dúvida de que o aparecimento dos
profetas nasceu do desaparecimento de alguns templos o que levou a se juntarem
em grupos de livres movimentos carismáticos. Vemo-los peregrinando ardentes de
zelo, “profetizando” ao som de música e no meio de sua fúria incentivando todos
a um zelo santo para combater o inimigo invasor” (J. Bright o.c.p.232).
Assim como a cultura, as ideias, a
filosofia, as religiões passam de uns países para os outros. “Inúmeros estudos
sobre as línguas antigas, o contexto histórico e social, os costumes e a
mentalidade dos autores, os empréstimos que fizeram, tudo isso nos permite uma
melhor compreensão da unidade do ser humano, suas relações uns com os outros e
com o Criador”.(Gilles Drollet, Compreender o Antigo Testamento, p.33). Graças
a Deus que os estudos modernos descobriram esta riqueza humana na unicidade do
ser humano”, como refere também G.Drollet. O resgate das literaturas antigas que recoloca o Antigo Testamento em seu ambientge
natural é algo absolutamente moderno. Nem o Renascimento, nem a Idade Média,
nem a própria antiguidade puderam instituir uma comparação direta entre os
textos da Bíblia e seus correspondentes egípcios e cananeus e outros.
Atualmente conhecemos testos mesopotâmicos sobre a Criação, Jardim do Éden o
dilúvio, e sabemos que os autores da Bíblia se inspiraram neles para expor sua
própria visão das coisas e do mundo. Desse modo podemos entender melhor sua
mensagem”(o.c.p.33).
Princípios éticos internacionais foram
proferidos por fundadores de religiões que hoje fazem parte do patrimônio da
ética mundial. É de Zoroastro o primeiro princípio chamado “regra de
ouro”(Mt.7,21): “Não faças aos outros o que não queres que façam a você”. E
Confúcio, da China dizia: “Quando vires um homem bom tente imitá-lo; um mau,
examina-te a ti mesmo”. Não foi sem razão que o vaticano II declarou a respeito da salvação universal: “Tudo que
de bom e verdadeiro neles há é considerado pela Igreja como preparação para o
evangelho e para que possuam a vida eterna” (Lumen Gentium, N.16).
Conclusão.
Voltando ao mote com que iniciamos: “os gregos aprenderam para compreender, os
hebreus para reverenciar” diremos agora a mesma coisa para as outras religiões,
e que a religião hebraica partilhou muita coisa das outras religiões. A
Pontifícia Comissão Biblica nos diz: “O estudo das múltiplas formas de
paralelismo permite um melhor discernimento da estrutura literária dos textos
bíblicos”; e “todos se baseiam numa cosmologia já ultrapassada”. Denuncia
também a leitura fundamentalista como sendo “uma grande estreiteza de visão ao
analisar certos episódios só porque encontram-se na Bíblia”. E afirma a
necessidade de uma interpretação no hoje do nosso mundo porque “os textos da
Bíblia são a expressão de tradições religiosas que existiam antes deles, os quais foram retrabalhados e
reinterpretados para responderem a situações novas desconhecidas
anteriormente”. (Pont. Com. Bíblica, 1994).
Parafraseando então e retomando a
afirmação de Abraham Yoswa concluiremos que a fé dos povos nasceu para
reverenciar enquanto que a ciência é para compreender. E como afirma também
Umberto Galimberti: “raciocinar” é mais dificil do que “crer”(Rastros do Sagrado, p.327) por isso em
tantas nações uma só pessoa passou sua experiência religiosa para multidões, e
sua experiência atingiu facilmente milhões.
P.Casimiro João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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