segunda-feira, 22 de maio de 2023

“Viver em Deus sem Deus, como se Deus não existisse” (D.Bonhoeffer).


 

Uma esposa a quem morreu o marido de mal súbito, alguma pessoa lhe dirá que Deus assim queria? E, na missa fúnebre o padre dirá aos filhos do casal que “Deus levou o seu pai”?

Uma preocupação perene da humanidade é o problema do mal. O aspecto do “problema’ depende muito da imagem de Deus e da visão do mundo em que operamos. A primeira resposta à pergunta “como Deus permite o mal” deveria ser: “qual a imagem que eu faço de Deus”? Se lidamos com um Deus  manipulador exterior ao mundo e aos acontecimentos, que poderia ter feito as coisas perfeitas mas por alguma razão decidiu deixar coisas más acontecerem, temos aí um problemão, como considerando o deus onipotente ditador do universo, responsável por tudo que acontece, o qual teria deixado à sorte o rumo das coisas em vez de atuar na hora com um simples estalar os dedos ou com uma varinha mágica? E porque não o fez? Eis a resposta do teólogo D.Bonhoeffer. O teólogo Dietrich Bonhoeffer emitiu uma teologia observável pela experiência da criança crescida quando, desde o cativeiro nazista, escrevia: “Estou na situação de ‘viver em Deus sem Deus, como se Deus não existisse”. (Cartas, Ed. Sigueme). É assim como a evolução da criança: no inicio ela está na mãe e com a mãe, e se sente uma só coisa com ela pelo cordão umbilical biológico, depois pelo cordão umbilical afetivo. Em seguida vem a experiência da adolescência e da adultez. Na vida adulta o filho vive na mãe sem a mãe, como se a mãe não existisse. Exerce completamente a sua liberdade e responsabilidade. Deu certo? Deu. Não deu certo? Não. De quem são os acertos? Da mãe? Não. Os erros? Da mãe? Não. Assim Deus e nós. Vejamos uma página de Bonhoeffer: “Deus nos dá a conhecer que devemos viver como indivíduos capazes de enfrentar a vida sem ele. As pessoas religiosas falam de Deus quando o conhecimento humano não dá mais de si mesmo, ou quando fracassam as capacidades humanas. Na realidade limitam-se a oferecer um deus ex machina, ao qual exibem para que ele solucione os problemas impossíveis. Mas eu não quero falar de Deus nos limites, mas sim no centro, não nas fraquezas mas sim na força, isto é, não na hora da morte e da culpa mas sim na vida e no bom do homem. Nos limites parece-me melhor guardar silêncio e deixar sem solução o impossivel. Diante de Deus e com Deus, vivemos sem Deus. Como Cristo na cruz” (Cartas, 2008).

Vejamos em pratos limpos. O filho que se emancipou assumiu sua liberdade. Os pais ficam para trás. Age por sua conta e risco. Não está mais esperando o aval do pai. Os filhos vivem nos pais como se os pais não existissem. Vivem de experiências, e de experimentar como é. Objetivo deles? Querer avançar. E fazer diferente. Deus certo? Às vezes. Deu errado? Às vezes. E, como na natureza há um princípio de reconstrução, também há no ser humano. Sim, porque a natureza não é burra, ela é inteligente e interage com as inteligências do ser humano.

E qual é o lugar de Deus aí? Autores falam na encarnação como se Deus se encarnasse em toda a criação, comunicando não só matéria mas inteligência, de modo que toda ela fosse infundida com a energia que é de Deus e por ela fosse sustentada e guiada. “Não podemos restringir essa realidade a um “ele” que estaria lá em cima no céu, até porque não tem acima nem em baixo. Por outro lado Deus deve estar presente em toda parte como força, energia ou poder da vida, seja o que for que sustenta e energiza a vida” (Michael Morwood, O católico de amanhã, p.40). Para avançar mais vejamos: Há duas maneiras de pensar em Deus: Numa, Deus é considerado totalmente distinto da criação, muito acima dela, como o dono de uma máquina que ele controlasse à distância. “Deus ex machina” como se dizia na filosofia clássica. É o entendimento mecanicista de Deus. A máquina do mundo trabalha e um super inspetor exterior só intervém quando a máquina entra em mau funcionamento, e então se chama o deus bombeiro. A segunda maneira compromete a mente dos filhos crescidos e emancipados. Aqui a inteligência está na cabeça do filho emancipado que lida com a mente da matéria. Você sabe, os filhos emancipados trabalham tanto com a mente deles como com a mente da máquina...pense só na descoberta das vacinas... “A mente não está só no cérebro, a mente está em toda a matéria e interage com o cérebro. “A mente está presente nas plantas e nos animais e essa mente torna-se consciente em nós. Esse é um modelo científico que nos permite imaginar a presença de Deus impregnando tudo que tem existência e os seres humanos de maneira especial. E essa presença criadora - chame de Mente, chame de Energia da vida ou de qualquer outro nome - leva em conta o acaso e a liberdade e a responsabilidade e o totalmente inesperado.(Morwood o.c.p.42). Lembremos como neste totalmente inesperado foi inventada por acaso a primeira lâmpada elétrica pelo inglês Edson; e como, pelo acaso, foi inventado também o FACEBOOK. Pergunte ao americano Mark Zurckenberg e ao colega brasileiro Eduardo Luiz Saverin.

“Aqui Deus é entendido como presença encarnada em vez de manipulador exterior. Onde quer que a presença de Deus esteja, seria de esperar encontrar variedade, espontaneidade, mudança, crescimento, desenvolvimento, novas possibilidades, adaptabilidade e até desordem, o preço da liberdade e de encontros casuais”(o.c.p.42). Por isso mesmo os cientistas dizem que a natureza traz em si movimentos: o desacerto e o conserto. A religião hindu traz esse mesmo conceito quando observaram a presença de três forças na natureza, a que chamaram de deus: o deus criador, o deus destruidor e o deus consertador. Essa é uma maneira inteligente e religiosa de conceber a presença encarnada de Deus em toda a natureza. Um dos humanistas mais conhecidos do séc.XV põe estas palavras no boca de Deus ao criar o homem: “Coloquei-te no mundo para que daí possas ver melhor tudo que no mundo existe. Não te fiz celeste nem terrestre, nem mortal nem imortal, para que, livre e soberano, artífice de ti mesmo possas modelar-te e esculpir-te com a forma que escolheres. Serás capaz de regressar ao nível das coisas inferiores e dos animais mas serás também capaz, mediante a tua vontade, de renascer no nível das coisas mais elevadas das coisas. Quando homem filosofa ele ascende a uma condição angélica e comunga com a Divindade” (Pico della Mirandola, em Delumeau, 1984, p.108). E John Robinson, autor do Livro “Honestos com Deus” (Honest to God) afirma: “A fronteira que separa os que creem em Deus dos que não creem, não tem quase nada a ver com o fato de aceitarem a existência ou não existência de tal Ser; é antes, uma questão de abertura ao que é santo, ao sagrado, que se esconde mesmo nas insondáveis profundidades das relações mais seculares” (J.Robinson, 19963,p47-48). Do dito nesta página, termino a modo de

Conclusão: Do que fica dito vamos avaliar a resposta adequada ou não para o problema com que começamos: se o marido morre de repente de um ataque de coração que imagem de Deus é transmitida à mulher, ao lhe dizer que isto deve ser o que Deus queria? Ou que imagem de Deus é transmitida aos filhos quando o padre na missa fúnebre faz uma declaração no sentido de que “Deus levou” este homem de nós? Uma visão de um dos seres mais inteligentes da humanidade disse sobre a Natureza: “a vida é a sua invenção mais bela, e a morte é o seu artifício para ter mais vida. A morte é só o elo necessário à corrente da vida” (Goethe, em Umberto Galimberti, Rastos do sagrado, p.140).

P.Casimiro João    smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 

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