Uma
esposa a quem morreu o marido de mal súbito, alguma pessoa lhe dirá que Deus
assim queria? E, na missa fúnebre o padre dirá aos filhos do casal que “Deus levou
o seu pai”?
Uma
preocupação perene da humanidade é o problema do mal. O aspecto do “problema’
depende muito da imagem de Deus e da visão do mundo em que operamos. A primeira
resposta à pergunta “como Deus permite o mal” deveria ser: “qual a imagem que
eu faço de Deus”? Se lidamos com um Deus manipulador exterior ao mundo e aos
acontecimentos, que poderia ter feito as coisas perfeitas mas por alguma razão
decidiu deixar coisas más acontecerem, temos aí um problemão, como considerando
o deus onipotente ditador do universo, responsável por tudo que acontece, o
qual teria deixado à sorte o rumo das coisas em vez de atuar na hora com um
simples estalar os dedos ou com uma varinha mágica? E porque não o fez? Eis a
resposta do teólogo D.Bonhoeffer. O teólogo Dietrich Bonhoeffer emitiu uma teologia
observável pela experiência da criança crescida quando, desde o cativeiro
nazista, escrevia: “Estou na situação de ‘viver em Deus sem Deus, como se Deus
não existisse”. (Cartas, Ed. Sigueme). É assim como a evolução da criança: no
inicio ela está na mãe e com a mãe, e se sente uma só coisa com ela pelo cordão
umbilical biológico, depois pelo cordão umbilical afetivo. Em seguida vem a
experiência da adolescência e da adultez. Na vida adulta o filho vive na mãe
sem a mãe, como se a mãe não existisse. Exerce completamente a sua liberdade e
responsabilidade. Deu certo? Deu. Não deu certo? Não. De quem são os acertos?
Da mãe? Não. Os erros? Da mãe? Não. Assim Deus e nós. Vejamos uma página de
Bonhoeffer: “Deus nos dá a conhecer que devemos viver como indivíduos capazes
de enfrentar a vida sem ele. As pessoas religiosas falam de Deus quando o
conhecimento humano não dá mais de si mesmo, ou quando fracassam as capacidades
humanas. Na realidade limitam-se a oferecer um deus ex machina, ao qual exibem
para que ele solucione os problemas impossíveis. Mas eu não quero falar de Deus
nos limites, mas sim no centro, não nas fraquezas mas sim na força, isto é, não
na hora da morte e da culpa mas sim na vida e no bom do homem. Nos limites
parece-me melhor guardar silêncio e deixar sem solução o impossivel. Diante de
Deus e com Deus, vivemos sem Deus. Como Cristo na cruz” (Cartas, 2008).
Vejamos
em pratos limpos. O filho que se emancipou assumiu sua liberdade. Os pais ficam
para trás. Age por sua conta e risco. Não está mais esperando o aval do pai. Os
filhos vivem nos pais como se os pais não existissem. Vivem de experiências, e
de experimentar como é. Objetivo deles? Querer avançar. E fazer diferente. Deus
certo? Às vezes. Deu errado? Às vezes. E, como na natureza há um princípio de
reconstrução, também há no ser humano. Sim, porque a natureza não é burra, ela
é inteligente e interage com as inteligências do ser humano.
E
qual é o lugar de Deus aí? Autores falam na encarnação como se Deus se
encarnasse em toda a criação, comunicando não só matéria mas inteligência, de
modo que toda ela fosse infundida com a energia que é de Deus e por ela fosse
sustentada e guiada. “Não podemos restringir essa realidade a um “ele” que
estaria lá em cima no céu, até porque não tem acima nem em baixo. Por outro
lado Deus deve estar presente em toda parte como força, energia ou poder da
vida, seja o que for que sustenta e energiza a vida” (Michael Morwood, O
católico de amanhã, p.40). Para avançar mais vejamos: Há duas maneiras de
pensar em Deus: Numa, Deus é considerado totalmente distinto da criação, muito
acima dela, como o dono de uma máquina que ele controlasse à distância. “Deus
ex machina” como se dizia na filosofia clássica. É o entendimento mecanicista
de Deus. A máquina do mundo trabalha e um super inspetor exterior só intervém
quando a máquina entra em mau funcionamento, e então se chama o deus bombeiro.
A segunda maneira compromete a mente dos filhos crescidos e emancipados. Aqui a
inteligência está na cabeça do filho emancipado que lida com a mente da
matéria. Você sabe, os filhos emancipados trabalham tanto com a mente deles como
com a mente da máquina...pense só na descoberta das vacinas... “A mente não
está só no cérebro, a mente está em toda a matéria e interage com o cérebro. “A
mente está presente nas plantas e nos animais e essa mente torna-se consciente
em nós. Esse é um modelo científico que nos permite imaginar a presença de Deus
impregnando tudo que tem existência e os seres humanos de maneira especial. E
essa presença criadora - chame de Mente, chame de Energia da vida ou de
qualquer outro nome - leva em conta o acaso e a liberdade e a responsabilidade
e o totalmente inesperado.(Morwood o.c.p.42). Lembremos como neste totalmente
inesperado foi inventada por acaso a primeira lâmpada elétrica pelo inglês
Edson; e como, pelo acaso, foi inventado também o FACEBOOK. Pergunte ao
americano Mark Zurckenberg e ao colega brasileiro Eduardo Luiz Saverin.
“Aqui
Deus é entendido como presença encarnada em vez de manipulador exterior. Onde
quer que a presença de Deus esteja, seria de esperar encontrar variedade,
espontaneidade, mudança, crescimento, desenvolvimento, novas possibilidades,
adaptabilidade e até desordem, o preço da liberdade e de encontros
casuais”(o.c.p.42). Por isso mesmo os cientistas dizem que a natureza traz em
si movimentos: o desacerto e o conserto. A religião hindu traz esse mesmo
conceito quando observaram a presença de três forças na natureza, a que
chamaram de deus: o deus criador, o deus destruidor e o deus consertador. Essa
é uma maneira inteligente e religiosa de conceber a presença encarnada de Deus
em toda a natureza. Um dos humanistas mais conhecidos do séc.XV põe estas palavras
no boca de Deus ao criar o homem: “Coloquei-te no mundo para que daí possas ver
melhor tudo que no mundo existe. Não te fiz celeste nem terrestre, nem mortal
nem imortal, para que, livre e soberano, artífice de ti mesmo possas modelar-te
e esculpir-te com a forma que escolheres. Serás capaz de regressar ao nível das
coisas inferiores e dos animais mas serás também capaz, mediante a tua vontade,
de renascer no nível das coisas mais elevadas das coisas. Quando homem filosofa
ele ascende a uma condição angélica e comunga com a Divindade” (Pico della Mirandola,
em Delumeau, 1984, p.108). E John Robinson, autor do Livro “Honestos com Deus” (Honest
to God) afirma: “A fronteira que separa os que creem em Deus dos que não creem,
não tem quase nada a ver com o fato de aceitarem a existência ou não existência
de tal Ser; é antes, uma questão de abertura ao que é santo, ao sagrado, que se
esconde mesmo nas insondáveis profundidades das relações mais seculares”
(J.Robinson, 19963,p47-48). Do dito nesta página, termino a modo de
Conclusão: Do que fica dito vamos avaliar a resposta adequada ou não
para o problema com que começamos: se o marido morre de repente de um ataque de
coração que imagem de Deus é transmitida à mulher, ao lhe dizer que isto deve
ser o que Deus queria? Ou que imagem de Deus é transmitida aos filhos quando o
padre na missa fúnebre faz uma declaração no sentido de que “Deus levou” este
homem de nós? Uma visão de um dos seres mais inteligentes da humanidade disse
sobre a Natureza: “a vida é a sua invenção mais bela, e a morte é o seu
artifício para ter mais vida. A morte é só o elo necessário à corrente da vida”
(Goethe, em Umberto Galimberti, Rastos do sagrado, p.140).
P.Casimiro
João smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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