segunda-feira, 28 de outubro de 2024

TUDO DITO E TUDO AINDA POR DIZER NO CRISTIANISMO

Na convicção popular geral, há duas certezas inconscientes: a primeira é que o que sabemos do mundo nada tem que mudar, e achamos que já sabemos tudo; segundo, sobre a fé é a segunda convicção solidificada pelo que pensamos saber tudo, e nada mais há para conversar. O máximo é pensarmos que algumas novidades que a gente escuta fora do nosso entendimento desde meninos e meninas é tido como brincadeira ou coisa de quem não tem mais que fazer ou que dizer. E nos respaldamos nos WatsApps que nos escoram na mesma mesmice do que aprendemos nos primeiros bancos da escoa e da catequese. O resto consideramos como perda de tempo. Por outro lado, quer uma coisa quer a outra nos petrificam e viramos fósseis de nós mesmos. Quando nos satisfazemos só nos slogans da Terra criada em 6 dias e no primeiro “casal” da humanidade e nos identificamos com o nosso signo baseado nos astros ficamos como se fôssemos pessoas que viveram há 1.500 anos. Mesmo que sejamos donos de um celular da última geração, porque isso não muda a nossa cabeça só muda a nossa relação com a velocidade das inutilidades. E a nossa formação continua desinformação que nos desinforma. E semelhantemente quando paramos na questão da fé daquilo mesmo que quando fizemos a 1ª comunhão estamos também com a cabeça de um cristão de há 1.500 anos. E com a agravante que os Vídeos e Youtubs que surgem nas redes sociais têm como finalidade: de nos acorrentar no mesmo nível arcaico e obsoleto porque para eles interessa não avançarmos mas frear na mesma mesmice de criança de há 1.500 anos. Exemplos temos de sobra: um Malafaia, um Edir Macedo, um Nikolas, e uns Freis que só têm um objetivo: frear o conhecimento do cristão. É que “crescer” custa. Há uma atitude nos humanos que nos paralisa e impede de crescer: É nos agarrarmos à nossa segurança, à nossa zona de conforto. E nos incomoda sair ou duvidar dessa situação. Erick Fromm fala do medo do novo. Todo o diferente do que aprendemos é uma ameaça à nossa segurança. Devido a isso também temos medo de conversar com o diferente, aquele que pensa diferente da gente. “Todo diferente é uma ameaça. Os que estão fixos nos significados antigos resistem a qualquer releitura impedindo que as futuras gerações entendam a mensagem. Esse medo reside numa insegurança fundamental individual e coletiva” (E.Fromm, O medo à liberdade, 1960, in Libanio, “Olhar para o futuro” 2003,p.37). Na página anterior falámos no início embrionário da fé da humanidade e comparamos com o desenvolvimento lento e progressivo do embrião intrauterino. Esse inicio embrionário também é chamado de Teísmo. É concepção teística de Deus, atribuindo tudo a Deus, como quando o embrião depende de tudo da genitora-mãe. “Antropologicamente, a origem da concepção teística depende do processo evolutivo. Quando surge o ser humano, automaticamente, ele sente tremenda necessidade de se segurar nalguma coisa fora dele. Segundo Freud, experimenta-se então um “trauma de consciência”, faz-se uma experiência de crescimento histórico. É o “despertar religioso”. Todas as religiões tiveram esse componente como “termostato” para sair daquela dor de parto. Buscando então um deus protetor, conquistando-lhe a confiança e afastando-lhe a ira. O processo dessa religião embrionária que os técnicos chamam de teísmo foi criado pela consciência humana atemorizada diante de todos os medos em busca de proteção. É uma construção humana. Não é idêntico a Deus. Mas estratagema criado pelo homem para atravessar a aurora da descoberta da sua consciência” (Libanio, o.c.p.89-90). Esta concepção de teísmo marcou toda a tradição cristã. Influenciou os autores do Novo Testamento, em sequência dos mesmos autores do A.T. como mais primitivos ainda. Vejamos o que diz o teólogo Libanio: “A concepção teista de Deus interpretou, já desde o N.T. a Jesus Cristo teisticamente. No desenrolar do N.T. os textos, à medida que vão sendo escritos se tornam mais teístas. Há um núcleo sobre Jesus Cristo anterior ao teísmo, mas aos poucos foi sendo interpretado nesse horizonte, para terminar no Evangelho de João com a preexistência, passando pela concepção virginal de Maria. Todas essas formulações teísticas são, portanto, incompreensíveis para as pessoas de hoje. O crescimento do Jesus “maravilhoso” que tanto entrou no mundo de modo miraculoso – encarnação, concepção, e nascimento virginal – como fez milagres, é o preço teístico da leitura de Jesus. Cabe despojá-lo dessa veste, apresentando nova compreensão dele, como um ser humano que faz conhecido, visível e imperativo, o Fundamento de Todo Ser (Deus). Em Jesus encontramos alguém que pintou o retrato de uma nova humanidade e convida as pessoas a caminharem nessa direção. A tradição dogmática da Igreja fixou a concepção teística. Não foi uma concepção errada, mas para um tempo, e hoje não serve.” (o.c.p.90-91). A linguagem da fé tornou-se frequentemente fixada numa cultura e num universo simbólico determinado. Quem se afasta deles esbarra com sua incompreensibilidade. A própria linguagem teológica anterior desgasta-se. Por isso a linguagem teológica necessita de permanente atualização. E a atualização tem que acompanhar a atualização psicológica, antropológica e cosmológica da humanidade. “Quando eu era criança entendia como criança” (1 Cor.11,13) já falava o Paulo. Este crescimento acompanha todo o desenrolar da história. A humanidade tem momentos de muita lucidez, e como o despertar de um sono profundo. E quando desperta tem um sonho. E, como disse Raul Seixas: “sonho que se sonha só é um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade”. E vira caudal de um rio que rompe as comportas das maiores represas do mundo. Um momento desses foi o ano de 1789 com o evento da Revolução francesa. Aqui, na revolução francesa, houve uma experiência profunda e coletiva do valor da razão humana e das liberdades humanas e dos Direitos Humanos. E aí se gerou uma revolução, começando por uma revolução física, para que tivesse lugar a revolução integral, porque os “poderes” antigos resistem sempre às forças novas. E, como é inútil botar remendo novo em pano velho, o pano velho tinha que se rasgar. Mas foi o preço para que o pano novo viesse, e veio para ficar. O historiador R.Remond falou de absurda oposição entre direitos de Deus e direitos humanos, como se opostos fossem. Nessa data escreveu também G.Faus que “Gregório XVI não entendia nada do mundo moderno, o qual ele recusava em bloco”. A encíclica “Mirari” nos revela enorme ignorância: repudiando a “liberdade de consciência”, chamando- de “pura loucura” e erro pestilento”, e chamando de “monstro” a liberdade de imprensa” (G.Faus em Libânio,o.c.p.77). Não admira que as consequências chegassem em 1240 com Inocêncio IV que decretou a tortura e a pena de morte na Igreja. Por isso o historiador Remond constata que na Europa o catolicismo se tornou para os intelectuais como perigoso para a liberdade do espirito e do indivíduo, e como ameaça para o exercício da razão crítica. E daí que se desenvolveu uma cultura de desprezo em ralação ao catolicismo no séc.XIX. “A linguagem teológica e muitas práticas pastorais ainda atualmente em curso no mundo cristão estão impregnadas do imaginário social religioso pré-moderno” (Libanio, o.c.p.82).

Conclusão. Reportando-nos ao nosso título: No cristianismo tudo dito e tudo ainda por dizer, constatamos duas coisas: a primeira é que o dado fundante da revelação precisa sempre se tirar a poeira que se amontoa pelo tempo, com o detergente da crítica das gerações que releem, limpam e interpretam para as novas linguagens, culturas e gerações; a segunda é que a revelação ela é dinâmica e juntar-se a ela vêm as “revelações” cosmológicas, antropológicas e de experiências que surgem com novos horizontes, como a experiência dos Direitos Humanos que vieram na carruagem do Iluminismo do séc.XIX. Portanto a humanidade cresceu desde o “despertar religioso”, embrionário, até chegar a uma consciência atualizada do nosso século. “O cristianismo, se é uma religião do livro, não o é, porém, de modo fundamental. Em Jesus Cristo tudo está dito e tudo ainda está por dizer” (Valadier, apud Libanio, o.c.p.32).

P.Casimiro João      smbn

www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br

 

 

 

 

 

  

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