“Não
rogo pelo ‘mundo’, mas por aqueles que me deste, porque são teus”
(Jo.17,9). Quem são os do ‘mundo’? No primeiro significado cosmológico, o ‘mundo’
era o cosmos, a matéria. Ele não era criatura de Deus, mas dum ser divino
secundário a quem os gregos chamavam “demiurgo”, e o evangelho de João
lhe chama “príncipe deste mundo”(Jo.14,30),
porque o ser superior não se
misturava com a matéria. No evangelho de João este conceito de ‘mundo”
tomou um conceito teológico de coisa má, porque incluía a matéria, como
depois para Santo Agostinho e não só. E este apelativo de “mundo” e pertencente
ao “mundo” começou sendo aplicado aos não-crentes, mas depois também aos
judeus. E dali avançou para os cristãos que separaram-se da comunidade
original, os “separatistas” que fizeram outras comunidades. Isto é, “mundo” seria
tudo o que era alheio a eles. (Cf
BLOG www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
de 18/7/2021). E estas atitudes passaram também para a 1ª Carta de João: “ E há pecado que conduz à morte, não digo
que se reze por eles” (1Jo.5,16), transformando-se
numa recusa a orar por outros cristãos que cometeram o ‘pecado mortal’ de se separarem
da comunidade deles.
Aa
Cartas de João são contra os “separatistas” que em massa deixaram a
comunidade por divergências sobre a cristologia (cf.BLOG www.paroquiadechadinha.blogspot.com.br
de 08/8/2021). Então os separatistas já não eram mais “irmãos”. Para o
autor das Cartas, os “irmãos” eram os da comunidade. Na verdade as disputas
internas é que deram origem às Epístolas joaninas.
E
aqui aparece a grande anomalia dos escritos de João. Em nenhuma ocasião do Novo
Testamento se levanta tanto a voz em favor do amor dentro da fraternidade
cristã. Com fervor evangélico o autor afirma: “Quem não ama seu irmão a quem
vê, como poderá amar Deus a quem não vê?” 1 Jo.4,20. No entanto esta mesma
voz é implacável em condenar seus adversários que tinham sido membros da sua
comunidade. Agora eles são demoníacos, anticristos falsos
profetas, “Eis que há muitos
anticristos; eles saíram dentre nós, mas não eram dos nossos”( 1Jo.2,18).
Enquanto
que os membros da comunidade são exortados a se amarem mutuamente, o trato com os dissidentes deve ser o seguinte: “se alguém vem ter convosco sem ser portador
desta doutrina não o recebam em casa nem o saúdem; aquele que o saúda toma parte em suas obras
más” (2 Jo.vv. 10 e 11).
Olhando
superficialmente, ficamos maravilhados como o autor joanino mistifica o “amor”
enrolado na sua comunidade “nisto todos
conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” Jo.
13,35. Dá a impressão que para a tradição joanina só existia um único
mandamento “esse é o meu mandamento”
Jo.15,12. Porém, debaixo destas palavras está o radicalismo de se considerarem
como ‘irmãos’ somente eles.
Em
consequência com esta tese vêm outras afirmações limitadoras: “O Espírito da verdade que o mundo não pode
receber porque não o vê nem o conhece mas vós o conheceis porque permanece em
vós” (Jo.14,17). E ainda: “Pai justo,
o mundo não te conheceu, mas eu te conheci” 17,25...não surpreende numa tradição em que o evangelho coloca Jesus
prometendo que aqueles que o conhecem conhecerão também o Pai. Claro que eram
eles também os que conheciam o Pai. Assim como eram eles que “agiam segundo a verdade” e que “se
aproximavam da luz” Jo.3,21, e os
“outros” andavam nas trevas porque se afastavam da luz” (Jo.8,12).
Perto
de finalizar, comparemos a linguagem dualista empregada por João e nas
Cartas, contra o mundo, e os judeus: Os seguidores de Jesus “não andavam nas trevas” “Quem
ama seu ‘irmão’ não anda nas trevas,” evangelho 8,12. “Quem ama
seu ‘irmão’ permanece na luz. Porém, para os outros muda completamente de
figura, para uma atitude de condenação: “Vós
tendes como pai o demônio, evangelho 8,44. “Aquele que peca é do demônio”; todo o que é nascido de Deus não peca”
Carta 1 Jo.3,8. Claro que quem peca são os ‘outros’, e os ‘justos’ são só
eles e “nascidos de Deus”. Mas os
separatistas diziam que os outros os odeiam com tantas condenações que lhes
fazem.
“Quando
avaliamos o evangelho de João descobrimos um senso de hostilidade de ‘nós contra eles’. Este fato levou os cristãos de séculos
posteriores a ver uma divisão dualista da humanidade; em um “nós” que
estamos “salvos” e um “eles” que não estão. Na sua atitude para com os
separatistas “nem os recebam nem saúdem “(1 Jo,2,19), ele forneceu
incentivos àqueles cristãos de todos os tempos que se sentem justificados
odiando outros cristãos por causa do amor de Deus” (R.Brown, o.c.p.141).
Concluindo,
é provável que nos cause arrepios esta constatação talvez nunca imaginada por
leitores dos escritos atribuídos a João. Mas temos que nos acostumar com a
ideia de que os escritos bíblicos foram escritos por gente igual a nós que
viveram as mesmas lutas e tiveram as mesmas experiências de amor limitado e
grupal, e repulsa e condenação
para quem não pensava igual a eles. E também caíram na tentação de
“apropriar-se” da “verdade” de Deus e da sua “salvação” e da
presença do seu Espírito ou Paráclito.
Isso
mostra um quadro mais leal da vida da Igreja, com mazelas e tudo, como dito no
BLOG anterior de 18/7/2021 (Cf. www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br)
P.Casimiro
João smbn
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