segunda-feira, 16 de setembro de 2024

TRÊS QUARTOS DE JUDEU E UM QUARTO DE CRISTÃO.

 

O homem judeu batia no peito e dizia: “dou-te graças ó Deus porque não sou mulher”. Nos mandamentos constatamos o seguinte: “Não cobiçarás a casa, nem a mulher, nem o escravo, nem a escrava, nem o boi, nem o jumento do teu próximo, nem alguma coisa que pertença ao teu próximo” (Êx.20,17). Em que nível está posta a mulher? No mesmo nível das “coisas” que “pertencem“ ao próximo. Vejamos as “coisas” que pertencem ao próximo: a casa, o escravo, a escrava, o boi, o jumento e a mulher. Nesse contexto a mulher é uma “coisa” do próximo, igual o boi, e o jumento. Então o macho judeu podia bater no peito e “dar graças a Deus por não ser mulher”, isto é, uma coisa nem “qualquer coisa que pertença ao macho seu próximo.” No catecismo dos rabinos vinha assim: qualquer demente, doido, criança, escravo, escrava e mulher são excluídos da Sinagoga porque os seus Anjos escondem a cara com vergonha”. No casamento já referimos várias vezes como logo se podia despachar a mulher e trocar por outra, “Se um homem tomar uma mulher e se casar com ela e se ela não for mais agradável aos seus olhos” (Dt.24,1). Para manter ou aumentar a fortuna da família do macho havia uma moeda de troca. Essa troca tinha uma moeda: era a mulher. Quando o macho homem encontrava outra mais rica em herança de terras e campos logo ia atrás e despachava a que tinha porque tinha feito bom negócio. Os estudiosos dizem que a intenção de Jesus nas declarações do evangelho era lutar contra estas disposições machistas e patriarcais. Infelizmente este machismo passou para a Igreja. E sobre a lei do apedrejamento: Tinham a lei de apedrejamento para os dois adúlteros  porém o macho homem nunca era apedrejado, somente a mulher.(Lev.20,10). Também é do conhecimento geral que a mulher era só para uso carnal, isto é, para reproduzir. Produzir mais filhos era aumentar a mão de obra para o trabalho nos campos pois era a única riqueza. Ficava excluída a dimensão afetiva no casamento e todos os sentimentos de afeto no casal. Coisa também proibida pela moral da Igreja com muita severidade durante toda a Idade Média. Fora do sexo animal nada da carinho e mostras de afeto. Por isso diz a história que na confissão era uma tortura da parte dos padres para descobrir se havia estas coisas no casal, consideradas como pecados graves. E a vítima era sempre a mulher, sujeita a uma tal tortura psíquica que a mulher ficava sem saída: se já vinha doente ficava morta. Sim, morta na sua dignidade. E repare bem, quem procurava o padre eram as mulheres, e por isso imagine o que ía aí de tortura. Sem dúvida, lembrando este histórico, é que o Papa Francisco uma vez declarou “o confessionário não pode ser um lugar de tortura” (Catequeses,23 de abril 2013). Vamos deduzir o tanto de machismo que tem aí. O que diriam os machos homens? Sem dúvida assim: A mim não me pegam lá não. Sabemos do “anticlericalismo” que inundou a Europa nesses séculos e que perdura ainda hoje. Para quê que os machos homens “iriam sujeitar-se a esse “tribunal de tortura”? É claro, muitos permitiam que a mulher fosse lá para evitar males maiores, e porque “ela era coisa domesticada.” Domesticada pelos padres e domesticada pelos maridos em casa. Mas à parte isso quantos não iam deixar a mulher se sujeitar a essa tortura? E a consequência lógica chegou: o afastamento e enojamento da Igreja, “essa Igreja assim, não”. Nos dias de hoje trava-se a luta da emancipação da mulher e a luta contra todo tipo de violência, não só de assédio sexual e importunação sexual. É uma transformação da discriminação, a fase moderna do mesmo domínio machista. Ao mesmo tempo estes machos homens mais viciados pelo domínio machista são os que menos aceitam a luta das mulheres, para que elas não possam escapar das suas garras. E também não aceitam a diversidade de gênero pelo mesmo motivo. E se são cristãos, não têm mais nada de “cristão” senão dizer que “isso vem na Bíblia”. Entre os católicos e entre os evangélicos a mesma coisa. Eu disse somos três quartos de judeu e só uma quarta parte de cristão. Os três quartos de judeu vêm no DNA do cristão e na ideologia diabólica do rebaixamento da mulher. Agora entre católicos e evangélicos há uma diferença: se o católico se apoia menos no Antigo Testamento, o evangélico se apoia muito mais, e por isso eles ficam muito mais no Antigo Testamento e por isso eles ficam muito mais contra a mulher e os seus direitos. É só comparar a porcentagem de evangélicos “radicais” que infetam as bancadas de Brasília, e não deixam este país caminhar para a frente. Cruz credo. Vamos ler aquela diatribe de Paulo onde diz: “Meus irmãos, nem idólatras, nem adúlteros, nem efeminados, nem pederastas, nem ladrões, nem beberrões, nem insolentes, nem salteadores terão parte no Reino de Deus” (1 Cor.6,10). Se reparamos bem, aí faz a culpabilização do gênero, e nega a qualidade de ser mulher, e as qualidades legitimamente femininas da mulher. Vejamos: Quando vemos uma mulher com características de “homem”, como músculos, força muscular, jeito de homem, fala etc. achamos tudo normal. Até porque diz a ciência que características dos dois sexos estão presentes em ambos os gêneros. Porém o Paulo taxava de defeitos característicos de mulher nos homens: chamando-os de “efeminados”, e como tal “não entrariam no Reino de Deus”, isto é, nos grupos da nova família de Jesus e de Deus. Na linguagem de hoje corresponderia ao gênero não binário, ou não “cis” ou de gênero fluido ou intersexual ou pessoa pan. Aliás também não seria ele a admitir ou expulsar gente desse Reino de Deus, onde Jesus era inclusivo, e ele pretendendo ser exclusivo, o que não adéqua.

Conclusão. No séc.II do cristianismo o teólogo Marcião tinha a seguinte opinião: o Antigo Testamento não fazer parte da história do Novo Testamento, considerando-o como fruta passada com validade de prazo vencida. Não teria passado tanto a carga da Velha Aliança para não confundir tanto as cabeças do cristão.

P.Casimiro João     smbn

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segunda-feira, 9 de setembro de 2024

NAQUELE TEMPO DISSE MOISÉS.

 

Naquele tempo disse Moisés: “Nada acrescenteis e nada tireis à palavra que vos digo”. Esta ordem vem em Dt.4,2. Outra vez Jesus disse: “As doutrinas que ensinais são preceitos humanos” (Mc.7,7). Para os fundamentalistas e literalistas aquela palavra de Moisés deverá ser uma base importante, “nada acrescentar ou tirar”. Só que não era bem assim que os judeus faziam, mas eles mexeram e remexeram muito nos escritos da Bíblia. Partes importantes da Bíblia foram refundidas e reeditadas e retocadas. Os exemplos são as edições conhecidas como eloísta, javeista e sacerdotal, conforme essas equipes usavam o nome de Eloin, ou de Javé para Deus, e revisões de equipes de sacerdotes para tratar sobre o Altar, regras de culto, vestes sacerdotais, pureza sacerdotal, e demais itens envolvendo o Templo. Depois disso foram aumentando mais comentários que ficaram nas páginas até hoje. Outras vezes quando as cópias não estavam bem conservadas o novo redator escrevia o que lhe parecia melhor segundo o seu entendimento ou a sua teologia. Este tipo de acrescentos ou acréscimos prolongou-se até o séc. II d.C. quando fizeram a convenção de Jamia, e aí definiram que não mais podiam fazer retoques na Bíblia. Como então interpretar a palavra de Moisés, “nada acrescenteis, nada tireis”, seria igual a dizer: o que lhes disse é muito importante, prestem muita atenção. E na verdade, na polêmica de Jesus com os fariseus e mestres da lei, Jesus ou o redator até teriam debochado sobre tais tradições para as quais eles apelavam (Mc.7,7-8). Quer dizer em todas as religiões há a Tradição. Digamos que a Tradição é o arcabouço das verdades provenientes dos fundadores das religiões, e da sua fé. Dizíamos na página anterior que fé é a maneira de cada povo entender Deus. Além da Tradição fundamental há tradições que podemos chamar também costumes, “é costume”, “era costume”. Toda a religião tem seus costumes como tem a sua Tradição. E no cristianismo tinha tradições que já mudaram, ou acabou o seu tempo de validade, assim como acabou o tempo de validade para a Circuncisão dos Judeus, e as regras de “puro e impuro”. Na Igreja acabou a “tradição” de batizar logo cedo as crianças, hoje em dia não há obrigação de tempo e nem “obrigação” de batizar, deixando à consciência dos pais, e se a pessoa for adulta, à consciência e vontade dela. Outra tradição é aquela que dizia: “fora da Igreja não há salvação”. Este jargão reinou em toda a Idade Média e é atribuído a São Justino, séc.II d.C. Na verdade, naquela época nem sonhavam com a evolução dos tempos modernos como a liberdade de consciência e liberdade de religião que foi abraçada também pela Igreja católica e sacramentada pelo concílio vaticano II no N.16 da Lumen gentium e N.2 da Constituição Nostra Aetatae onde se diz que todas as religiões têm verdade e santidade que são reconhecidas pela Igreja. E quem cumprir de boa consciência as suas religiões encontra a salvação. Vemos então que há a Tradição, e também as tradições ou costumes. E também “tradicionalismos” quando as pessoas dão mais importância aos costumes do que ao central da fé. Digamos que dão importância e se prendem com muitas frescuras como se diz na gíria do Nordeste do Brasil. No evangelho, eles preocupavam-se demais com as tradições ou “frescuras” “recebidas dos antigos” (Mc.7,3). “Abandonais os mandamentos para seguir as tradições dos homens” (Mc.7,14).

Conclusão. Suponho que colocamos no seu devido lugar aquela “ordem” de Moisés no cap.IV do Deuteronômio. Moisés fez como os reis da antiguidade, que tinham já os termos consagrados para marcar a sua autoridade: “Este decreto foi por mim decretado e não pode ser alterado”. Moisés não fez outra coisa senão isso que faziam os fundadores de antigas religiões e os imperadores quando publicavam seus decretos: E assim vemos o mesmo procedimento no evangelho de Mateus: “Nem uma só letra ou vírgula serão tiradas na Lei até que tudo se cumpra” (Mt.5,17).

P.Casimiro João        smbn

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segunda-feira, 2 de setembro de 2024

O MAIOR TESOURO

 

Se perguntarmos, facilmente ouviremos a resposta: a fé. Porém, a fé divide, o amor une. O amor vale mais do que a fé (1Cor.13,13). Há a fé dos protestantes, dos Orientais, dos afro-brasileiros, dos chineses, dos japoneses, dos africanos, dos indígenas de todos os continentes e dos católicos. A fé divide, o amor une. A própria Igreja e as Igrejas protestantes já mataram por causa da fé. Quantas brigas hoje por causa da fé ainda existem. Porém quando há terramotos, tsunamis, chove gente de todo lado para ajudar e ninguém pergunta qual é a sua fé? A fé é diferente, o amor é o mesmo. Esse é o tesouro que sempre se esconde mas  que sempre precisamos descobrir. O grande tesouro do A.T. era a Torah, a Lei. No pórtico do Templo de Jerusalém estava esculpida uma videira de ouro de dois metros de altura significando a Torah. Na festa das luzes havia um grande letreiro “Eu sou a luz”, referente à luz da Torah, que depois Jesus aplicou a si mesmo, “Eu sou a luz”.  Pela Torah (lei) morriam e matavam. Na festa da Luz da Torah os sacerdotes carregavam sete candelabros de ouro com sete luminárias cada um, ao ritmo de hinos, aclamações e muito incenso. Este era o grande tesouro dos Judeus, a Torah. Pela Torah morriam e pela Torah matavam. Porém, veio São Paulo no princípio do cristianismo, e para ele o maior tesouro já não era mais a Torah, mas a morte de Jesus Cristo na cruz, donde a fé em Jesus tomou o lugar da Torah. Quase assim como se na morte de Jesus tivesse morrido também a Torah. “Abolindo na própria carne a Lei” (Ef.2,14). Então o maior tesouro ficou sendo a fé em Jesus Cristo. Porém, quando chegou a Idade Média, a fé em Jesus ficou em segundo lugar e a Igreja da Idade Média fez ressuscitar, digamos, de novo a Lei que, assim como a Torah, era defendida pela Igreja não já como a luz, mas como verdade da salvação, a “verdadeira Igreja” pela qual se morria e se matava. Por isso na Idade Média a maior preocupação da Igreja era a Lei. Preservar a Lei e atacar as heresias. E a teologia principal era a teologia Apologética. A Apologética tinha o único objetivo da defesa contra as heresias. Na verdade, quem se achava na posse total da verdade ou se achando “dona da verdade” achava que podia fazer tudo. Todos os que pensavam diferente deviam ser atacados. Esse era o tesouro escondido. Só que, paulatinamente, a Igreja começou a entrar na modernidade. O que diz a modernidade de hoje? O concilio de Latrão (1215) e de Florença (1442) tinham definido o jargão “Fora da Igreja não há salvação” atribuído a São Justino (séc.II d.C.). No concilio Vaticano II esta doutrina teve uma nova história, onde se declarou o reconhecimento da verdade e da santidade que estão presentes em todas as religiões. “Todos os que buscam a Deus sinceramente e procuram cumprir a sua vontade conhecida por meio da sua consciência, e agem sob o influxo íntimo da graça podem obter a salvação” (Lumen Gentium, N.16). E: “A Igreja católica não rejeita o que é verdadeiro e santo em todas as religiões” (Nostra Aetate, N.2).(Cf.www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br 26/11/23). No séc.II a.C. filósofos pagãos  já tiveram intuições que nos surpreendem como estas: “Os atos de benevolência em relação ao próximo constituem uma confirmação da ação do espirito divino que governa o mundo humano”. E ainda: “Como providência, razão Suprema e pai da humanidade, Deus identifica a sua vontade com a lei moral; cumprindo essa lei e purgando-se a si mesmo de toda afeição, o indivíduo se identifica com a divindade” (Sêneca, cf Helmut Koester, Introdução ao Novo Testamento, vol. I, p.357). O evangelho diz que há um tesouro escondido (Mt.13,44). E uma pérola. Como vimos, para os judeus era a Torah. Para São Paulo era a fé em Jesus Cristo na cruz. E para a Igreja a verdade da “verdadeira Igreja”. E para a modernidade qual será? Na verdade, se já não é mais a Torah (a Lei) que com São Paulo deu lugar à fé, e não mais também a verdade da “verdadeira Igreja”, fica então a pergunta qual será o maior tesouro que ainda a Igreja prega, depois da Torah e da fé em Jesus Cristo uma vez que se salvam também os que não têm a fé em Jesus Cristo? Espere: é o Amor. Como assim? Se pela Torah se matavam pessoas; se pela “verdadeira fé” se matavam pessoas, então tem que haver um outro tesouro que não mata. É o amor. E este amor já aqueles filósofos citados o anunciavam, e já as religiões antigas também quando afirmaram: “Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles”, (citado em Mt.7,12). E, vejamos, se acontecer que essas religiões façam isso e se a Igreja não fizer e apelando somente ao “divino” e destruindo o “humano”, que verdade e que tesouro estaria propondo? Como poderia invocar em seu favor a autoridade do “sagrado”? E aí se revela o maior tesouro e mais sagrado: nem “jejuns”, nem “sacrifícios” ou “orações”(Mc.2,18). Mas o amor se torna o maior tesouro e a melhor religião. O cantor Francisco Marinho já intuiu isto quando botou no seu repertório de suas canções essa aí: “O amor é a melhor religião”.

Conclusão. No final da história não haverá religiões. Já não existirá Budismo ou Hinduismo ou Xintoismo, Islamismo ou Judaismo ou Cristianismo. No final não existirá nenhuma religião, nem profeta nem iluminados, e nem Buda, e nem o próprio Jesus Cristo que entregará tudo a Deus Pai (Jo14,28).

P.Casimiro João    smbn

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