Não é novidade que havia validades de prazo do Antigo
Testamento. Essa descoberta não é só da visão teológica e da crítica atual, mas
“já foi manifestado por autores de diversos escritos do Novo Testamento, pois
há partes do A.T. que foram abrogadas, outras deixaram de ser normativas e outras
foram relativizadas ou corrigidas, especialmente as leis do Pentateuco” (Eduardo Arens, “A Bíblia sem mitos” Paulus, 2014, pag.199). Sem contar que teólogos
antigos como Marcião excluíam do seu cânon o Antigo Testamento. Partes que foram
abrogadas não é difícil de encontrar, como Circuncisão. Abluções, Leis
sabáticas, todas as leis de morte para “pecados sexuais” (Lev.19,20-29); leis
de morte e apedrejamento. E pecados que eram castigados com fogueira, “os três
serão queimados vivos” (Lev.20,14). Outras que deixaram de ser normativas, como
sacrifícios de animais, cultos e suas cerimônias e suas vestes e leis de
sangue. E leis relativizadas, como de gênero, de todo tipo de exclusão por
conta de raça, de riqueza, doença, ou pobreza ou gênero. Assim como maldições
(Lev.26, 15-46). E também leis de escravidão que permitiam a venda de pessoas
como escravas (Lev.25,44-54). Todas estas situações tiveram seu tempo que
dependia da cultura atrasada e primitiva da humanidade e dos judeus. Acabou o
prazo de validade. Embora que a própria Igreja tivesse imitado até há bem pouco
tempo essas situações de morte, de queima etc. pelos séculos XVI até XVIII.
Isto nos leva a ver que seria incômodo afirmar que estas eram “palavra” de Deus
e “ordens de Deus”. Eram palavras e ordens das pessoas humanas daquela época
primitiva, que se atribuíam autoridade com coisas tão odiosas. E não iríamos
dizer que essas autoridades eram constituídas por Deus, mas nasciam de relações
primitivas de como os povos entre si se organizavam, tanto na ordem social como
na religião. E nem que essa religião e essa autoridade vinha de Deus
porque se fosse de Deus, seria Deus que
era o culpado. Como vimos noutra página, cada povo teve sempre uma religião e
seus sistemas religiosos, assim como teve uma política e seus sistemas
políticos. Tanto entre judeus como não
judeus. Já vimos o que é religião e o que são sistemas religiosos: religião é a
busca de Deus e de obediência à consciência; sistemas religiosos são as formas
e as formatações de como exprimir e manifestar a amizade com Deus, ou o temor,
ou o louvor, e “aplacar” Deus para ele não “castigar”, e depois agradecê-lo. E
isto inclui gestos, ofertas de animais, danças, e livros que contam as coisas
de cada época, e as louvações ou sacrifícios de cada época, que mudavam segundo
as circunstâncias e os entendimentos de cada época. É isso que estamos detectando
também na Bíblia, que faz parte desses sistemas religiosos universais. Vejamos
alguns exemplos de coisas que acabaram com o tempo na Bíblia, além do relatado
atrás: A poligamia(vários casamentos) praticada por todos os reis de Israel; a
facilidade do divórcio, como ficou escrito no Deuteronômio, e como era praticado por todo o judeu: “Se um
homem toma uma mulher e se casa com ela, e resulta que esta mulher não ache
graça a seus olhos porque descobre nela algo que lhe desagrada, lhe redigirá
uma ata de repúdio, colocará na mão dela e a despedirá de sua casa”
(Dt.24,1-5). Eis o que diz Eduard Arns a respeito: “A Bíblia não é um livro
onde se encontram respostas a todos os problemas, tal como controle da
natalidade, corrida armamentista, ecologia. Os problemas daqueles tempos não
são idênticos aos nossos. Não somente isso, mas as respostas correspondem ao
grau de compreensão de cada época. É assim que o problema do divórcio recebeu
diferentes respostas em diferentes escritos da Bíblia (Dt.22,13; e cap.24,1-5;
Mc.10,1-12 e Mt.19,3-9). As respostas estavam condicionadas pela teologia do
momento e dirigiam-se a auditórios concretos daqueles tempos. A vontade de Deus
para nosso momento histórico atual deve ser buscada para tempos de hoje. Os
escritores bíblicos ofereciam
referências e orientações para o tempo deles. Eles não tinham condição de ensinar
sobre questões de biologia, de antropologia, de psicologia social, mas para
comunicar suas crenças” (o.c.p.233-234). Para terminar vejamos alguns erros da
Bíblia: *A arqueologia descobriu que Jericó não era habitada nos tempos de
Canaã (Js.6-9) *Nabucodonosor era rei da Babilônia, e nunca foi rei de Nínive
(Jd.1,1) *Em Dn.cap.5 se dia que Baltazar era filho de Nabucodonosor, mas não
era; ele era filho de Nabomid, o último rei da Babilônia. *Não foi Dário que
conquistou a Babilônia, mas Ciro (Dn.6,1). *Dário não era filho de Xerxes, ao
contrário, ele é que era o pai de Xerxes
(Dn.9,1). *Na arca de Noé se diz duas coisas contrárias, uma vez que entrou um
casal de cada ser vivo e noutro lugar que entraram sete casais de cada ser vivo
(Gn.6,19 e Gn.7,2). * Também num lugar diz que o dilúvio foi de 40 dias, e
noutro lugar de 150 dias (Gn.7,12 e Gn.7,24). *Que o rei Joaquim não tinha
filhos (Jer.22,19) mas quem lhe sucedeu foi seu filho (2Rs.24,6). *Em 2Sam. se
diz que Davi comprou um terreno por 50 ciclos de prata, e em 1Cr. que comprou o
mesmo terreno por 600 ciclos de ouro.(1Cr.21,25). Enquanto há o mandamento “Não
matarás” (Ex.20,13), em Josué Deus mandou “passar a fio de espada” todos os
habitantes das cidades conquistadas, inocentes ou não (Jer.10,28). Para
terminar, “como poderia explicar-se que teria sido Deus quem inspirou a ideia
de que a terra era plana e o centro do universo, quando sabemos que a terra é
somente um planeta que gira em redor do sol, e não o contrário? Caso tivesse
sido assim, Deus se teria equivocado muitas vezes e seria responsável pelos
erros que estão na Bíblia” (E.Arnes, “A Bíblia sem mitos”, p.243).
Conclusão. Para o Islão o livro do seu sistema religioso é o Corão, e
eles afirmam que foi escrito por Deus. Eles idolatram o Livro. Em contrapartida
o Novo Testamento acabou por idolatrar também a Bíblia porque também “escrita
por Deus”. Será que Deus disse uma vez uma coisa e depois outra coisa? Afinal,
os dois livros fazem parte de dois sistemas religiosos. O Corão faz parte do
sistema religioso deles, e a Bíblia faz parte do sistema religioso dos
judeu-cristãos. Não podemos idolatrar a Bíblia.
P.Casimiro João
smbn
www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br
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