segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

O BULLING E A OVELHA E A SOCIOLOGIA


 

Os povos da antiguidade chamavam os governantes de “pastores”. E chamavam o povo de “rebanho”. Isto faz uma bela metáfora sobre o que a ovelha tem para ser roubada pelos governantes, sem ela nem se dar conta: o leite e a lã. O leite era considerado uma preciosidade para a alimentação; a lã tecia as roupas das épocas antigas. E era extorquido o leite e a lã do cidadão, isto é, tudo o que ele tinha, que se definia como extorsão e opressão de que o povo era alvo. Continuando com a metáfora, o leite e a lã eram então os direitos do povo, como salário para trabalhar, e terra para cultivar. O povo não tendo a paga suficiente do seu trabalho facilmente ficava sem nada e à mercê dos governantes como pedintes de favores, assim como quando era despojado de suas pequenas áreas de terra para entregar aos grandes proprietários para pagar suas dívidas. Seria assim como tirar seu leite e sua lã, falando de gado. Colocado nestas condições, muitos viravam salteadores ou se espalhavam pelas nações se vendendo como escravos. É assim que o A.T. dedura os falsos governantes como falsos pastores: “Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos! Comem a gordura, vestem-se de lã e degolam as ovelhas gordas, mas não apascentam as ovelhas. Visto que vós, com o lado e com o ombro dais empurrões e, com os chifres, impelis as fracas até as espalhardes fora. Vocês bebem o leite das ovelhas, usam a sua lã para fazer roupas. Não tratam as fracas, não curam as doentes, não fazem curativos nas machucadas, não vão buscar as desviadas, nem procurar as que se perderam. Mas tratam as ovelhas com violência e crueldade. E por não terem pastores, elas se espalham. Animais ferozes as devoram, porque as ovelhas perdidas vagueiam pelas montanhas”. (Ez.34,3-6). Vamos agora aumentar a reflexão social que esta parábola implica. Falámos na nação que descarta cidadãos-ovelhas que, arruinados, ficam fragilizados, doentes, e sem chão. Falemos agora da família, da escola ou de uma comunidade religiosa. Acontece que aí se descarta um filho, um aluno, ou um cristão, quando se rejeita e não é acolhido. Se essa pessoa cair na desorientação e na depressão de não se sentir mais amada, essa pode ser uma das ovelhas rejeitadas e sem horizonte na vida. Mas o pecado não é dela, é de quem a rejeitou. Por outro lado, se essa pessoa se recuperar haverá mais alegria do que pelos outros  noventa e nove, isto é, por todos os outros que a rejeitaram. O problema não é que essa pessoa ou essa “ovelha” pecou, foram os outros, os noventa e nove que pecaram porque a rejeitaram. “Ai de vós escribas e fariseus hipócritas, que fechais o reino dos céus diante dos homens, pois vós não entrais nem deixais os outros entrar” (Mt.23,13).  Acontece com essa pessoa o que acontece com as “ovelhas” que se “desgarraram pelas montanhas”, porque abandonadas pelos falsos  governantes. Ajuntando a isto, existem os alunos nas escolas que sofrem os bullings e não aceitam mais voltar para o convívio da turma que os marginalizava. E não só, também aquele filho ou filha que não encontrava mais lugar na família mas só críticas e marginalização. Quantos não largam família e se refugiam nas drogas ou na vida do crime, ou simplesmente viram moradores de rua. O que é intrigante é que essa fala do antigo testamento nunca foi contra o cidadão-ovelha mas contra os governantes-pastores. Como ela se tornou uma inversão de 190 graus posteriormente na Igreja e na sociedade civil é que é problema e isso tem explicação farisaica de sempre defender a autoridade seja civil ou religiosa ou política, desculpabilizando-a para culpabilizar sempre o inocente. Aí o inocente vira infrator, e os mandantes viram os heróis. Alguma coisa não tem andado certo. E “Jesus viu que eram como ovelhas sem pastores”(Mc.6,34). Há motivos ideológicos, sim, e ideias preconcebidas também das Igrejas e dos “pregadores” em inverter as coisas e colocar o “pecado” na “ovelha”,  isto é, no pobre e no fraco e no explorado e não naqueles que causam essa situação de exclusão. Assim como acontece também na sociedade civil e política.  Conclusão. A lição é grande. E a responsabilidade é grande no descaso que leva à fixação de sempre culpar o “fragilizado” e aplaudir o lado dos “fariseus” e dos falsos justos e dos falsos religiosos e muitas vezes dos grandes políticos, como se diz hoje no Brasil da Faria Lima e das mansões de Miami, e por aí vai.

P.Casimiro João      smbn

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segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

LAVAGEM CEREBRAL OU METANOIA

Numa rara ocasião eu tive a sorte de assistir à independência de Moçambique, um dos mais lindos países da África oriental. Nos anos seguintes eu soube que havia o Ministério da Ideologia Nacional. Era para cuidar e vigiar para que toda a população seguisse e não se afastasse da ideologia marxista do governo que era de Mao Tse Tung. Aliás tinha sido a China que tinha assessorado a independência de Moçambique quando saiu do colonialismo português em 1975. Os cidadãos, na verdade, eram sujeitos a uma lavagem cerebral para que o pensamento ateu ocupasse a sua cabeça, pelo que deviam sujeitar-se à disciplina de lavar ou extrair de sua cabeça toda a doutrinação anterior, quer do governo colonial, quer da Igreja ou das Igrejas. Quando em dado momento me adiantei mais nas estruturas da Igreja, tive ocasião de fazer a comparação entre o Ministério da Ideologia e o outro departamento da Igreja católica: o Dicastério para a doutrina da fé, que substituiu a anterior Congregação para a doutrina da Fé, que por sua vez substituiu a Suprema e Sacra Congregação da Inquisição. Esta breve indicação me falou muito de um certo paralelismo. Por sua vez, não seria muito diferente no Antigo Testamento onde se previa a pena de morte para diversas formas de infidelidade à lei (Dt.17,2-5; Lv.24,16; Lv.20,10. Quando veio Jesus pregou a metanoia, que em grego significa mudança de mentalidade, (Mc.1,15). Afinal, não era outra coisa senão também uma lavagem cerebral. Este complexo de coisas se explica pela “internalização”, conceito psicológico pelo qual o ser humano internaliza conceitos, ou seja coloca no seu interior, dentro de si mesmo, na sua cabeça sistemas e paradigmas de conhecimento tão internos que ficam fazendo parte de sua cabeça, seu pensar e seu agir. Por isso se diz também “fazer a cabeça”, assim como deixar a cabeça antiga por uma cabeça nova. Na linguagem simples e corriqueira vernácula os tradutores lhe chamaram simplesmente de “conversão”. Vamos nos referir e direcionar ao evangelho, que também vamos traduzir por “boa nova” ou “feliz notícia”. Ora, como em todas as lavagens cerebrais o processe não é simples, nem da noite para o dia. Assim, teríamos que ver o significado de boa nova ou feliz notícia que traz o evangelho de Jesus. Esta feliz notícia de Jesus exigia também uma lavagem cerebral, que significa deixar a “cabeça antiga” por uma cabeça nova.  A cabeça antiga do pobre que se julgava  sem valor nenhum, e a cabeça do rico e político que pensavam isso acerca do pobre como sendo sem valor nenhum. E quem diz pobre diz pecador, leproso, cego, coxo, aleijado. Era preciso trocar a cabeça destes e daqueles. Noutro lugar o evangelho também lhe chama “não botar remendo novo em pano velho” (Mc.2,21). Esta lavagem cerebral no grego tem o nome de “metanoia”. Digamos que em primeiro lugar esta metanoia tinha duas direções: para os bem instalados na vida, e para os “desinstalados”,  para os ricos e para os pobres. Para os ricos e políticos essa lavagem ia bater em cérebros blindados contra qualquer lavagem possível; e, por incrível que pareça, também para os pobres. Vamos explicar esse aporema da tal metanóia ou lavagem cerebral, ou ‘conversão’. Trata-se, em primeiro lugar, da valia da pessoa humana. Nada se constrói em cima do que não é seguro. Ora, o que é preciso primeiro é considerar o valor de ser gente, ou pessoa humana. Direcionemo-nos primeiro aos pobres, porque eles julgavam-se sem valor. Talvez se julgassem como escravos, quando não tinham mais nada para viver se entregavam como escravos para uma família. Era a situação social do pobre, assim como uma coisa ou objeto que pertencia a alguém, e que se podia trocar ou vender. Não é nada não, mas a mulher estava igualmente nestas mesmas condições de poder ser trocada ou vendida. E não só, no referente ao imaginário religioso também era assim. Vendo que o pobre era considerado como nada pelos homens, então ele pensava que também para Deus não era nada. Desprezado pelos homens, desprezado por Deus. Ainda no século passado isso existia aqui nalgumas regiões do Brasil, onde os donos de terras diziam para os sem terra: vocês não têm terra, então não têm Deus. Esta situação foi confrontada pelo homem que mais amou e entendeu a humanidade, Jesus Cristo. E botou pra quebrar com o seu propósito de mudar a cabeça dos judeus, dos ricos e dos pobres. Dos pobres para saberem que tinham valor, e dos ricos para saberem que pobre tem valor. E tentou “fazer a cabeça” deles, tanto de uns como de outros. Tão difícil fazer a cabeça como grande era o medo das consequências: as vinganças dos ricos e dos políticos sobre os pobres, e o sofrimento e a paciência do pobre para conseguir ser alguma coisa. Além do perigo aduzido pelo grande sociólogo Paulo Freire, da vingança coletiva do pobre que, quando ganhasse um “lugar ao sol” fosse tratar os outros como ele tinha sido sempre tratado. Mas não é por um motivo hipotético que se deixa de fazer uma obrigação natural, assim como não foi pelo perigo dos insucessos humanos que a humanidade deixou de existir. Ela existiu e enfrentou e enfrenta os ciclos e riscos difíceis. Esta tarefa  exige tempo. Não seria no tempo de Jesus, nem Jesus poderia ter a oportunidade de ver a mudança. Ao invés disso, ele viu, sim, o poder da reação e da raiva das classes dominantes sobre ele, tanto das classes políticas e do dinheiro quanto do poder da religião. Ficaria para mais tarde este efeito dessa mudança de cabeça, porque Jesus lançou apenas a semente da palavra e do exemplo. E por incrível  que pareça, essa história dessa metanoia, ela se concretizava em pequenos grupos ou “comunidades” com esforço e paciência. Mas como um todo de prática vigente, somente 18 séculos depois do desaparecimento de Jesus, digamos, no século 18, com o grito que virou um grito mundial em que se proclamava o slogan para toda a humanidade: IGUALDADE, FRATERNIDADE, LIBERDADE, em 1789. E tanto que em 1946 teve o mérito de ser proclamado como “DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS” para toda a humanidade onde a maioria das Nações mundiais o subscreveram, como o Brasil. Não porém algumas nações que não mudaram a “cabeça” e nem fizeram essa metanoia do valor intrínseco da essência do ser humano. Algumas até poderão considerar-se religiosas, mas não consideram que antes da religião tem o ser humano. E quem despreza o ser humano por causa da religião não é humano nem religioso. Ou seja é uma consideração falsa de religião. Esta falsa religião foi a que Jesus encontrou quando veio na Palestina dos judeus. Falamos em metanoia. E falamos que levou 18 séculos, ou 1.800 anos para que se transformasse em valor universal. Uma sementinha que o Senhor Jesus lançou sobre a pergunta: Quem tem mais valor, o homem ou o dinheiro? O homem ou o poder? O homem ou a riqueza? O homem ou a religião? E de quebra, como pano de fundo, aquele jargão universal que já vinha nas bíblias de todos os povos antes dos judeus: “Não faça aos outros aquilo que não quer que façam a você.”  Nisto consiste a lei e os profetas (Mt.7,12). Conclusão.”A felicidade, para  os pobres, começa pelo reconhecimento de que possuem os mesmos direitos que os ricos. Isso, por si só, representa uma revolução. Jesus sonhou com uma mesa onde todos tivessem um lugar: ricos, pobres, sãos, doentes, justos e pecadores” (João, Casimiro em “Páginas de teologia bíblica para hoje, vol.I, p. 31)

P.Casimiro João         smbn

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segunda-feira, 24 de novembro de 2025

CEM MOEDAS DE PRATA.


 Era uma vez um coronel das terras do Oriente que, antes de viajar entregou 100 moedas de prata a dez colaboradores mais confiados do seu agronegócio e terceirizou a eles o trabalho de suas propriedades. Após suas férias e suas diversões e saciar sua sede de regalias pelas capitais da Europa, quando voltou convidou logo seus arrendatários para conferir os negócios e os lucros. Ao que mais lucrou confiou-lhe o governo de um quinto dos seus domínios territoriais, e ao segundo um décimo. A outro que decidiu não negociar deixou-o de mãos vazias, igual como estava antes. Porém, sobre os outros sete terceirizados o coronel não nos dá notícias. Mas isso não interessa ao narrador Lucas. (Lc. 19.11-23). Como é já um jargão, o evangelho não é geográfico e não é histórico, é teologia. E a lição moral ou teológica aqui qual será? A mesma da Carta aos Tessalonicenses, que estava sendo escrita pela mesma época. " Depois nós, os vivos, os que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens ao encontro do Sehor  nos ares"(1Tes.4,17). Os cristãos da 3ª geração ainda estavam no aguardo da vinda de Jesus com seus anjos, para levar os vivos ao seu encontro “nos ares”. Isso dava ocasião para que alguns não se dessem mais ao cuidado de trabalhar. Até que uma Carta posterior teve que corrigir essa visão dando o seguinte recado:  “Não vos deixeis facilmente perturbar o espírito e alarmar-vos por palavras que afirmam estar iminente o dia do Senhor. Quem não quer trabalhar não deve comer”(2 Tes.3,10). Esta Carta foi escrita para corrigir o sufoco da espera do “dia do Senhor” de uns vinte anos atrás, E de onde afirmamos que neste evangelho também estavam na espera da vinda do “dia do Senhor”? Lá no início da parábola quando é falado assim: “Jesus estava perto de Jerusalém e eles pensavam que o “reino de Deus ia chegar logo.” (Lc.19,11). E qual a comparação ou paralelo entre a situação das comunidades da Carta citada e do evangelho? O seguinte: na Carta alguns não queriam trabalhar, e no evangelho esse terceiro empregado também não queria trabalhar. Após este preâmbulo histórico avancemos na exegese: Por conta das 100 moedas de prata e do “prêmio” acumulado, esta narrativa tem servido para os capitalistas da Europa e Américas para pensar a mesma coisa sobre Jesus, isto é, que ele apoiaria o lucro de quem já tinha mais, e para rotular de “preguiçoso” o terceiro funcionário,  rotulado de “servo mau e preguiçoso”. E notamos ainda que a partir de análise do ambiente que explicamos da espera ou expectativa do final dos tempos, vemos que não tem sido esta a visão principal, e até de muitos comentadores. Porque será? Não haverá aí uma visão até inconsciente do valor do acúmulo? Poderíamos ver aí uma visão oposta, i.é, que da perspectiva camponesa os dois que lucraram mais para o coronel-patrão poderiam ser considerados como exploradores que cooperavam com o patrão em esquemas de opressão. Em segundo lugar notemos o seguinte: A possibilidade de esta parábola ter sido uma reflexão do evangelista está nos últimos versículos: “Enquanto a esses inimigos que não queriam que eu reinasse sobre eles, trazei-os aqui e matai-os na minha frente” (Lc.19,22). Era impossível aquele patrão ser a representação de Jesus ou de Deus como dá a entender o texto. É mais uma reflexão de como agiam os patrões daquele tempo visando o lucro. Além disso, é mais uma indicação literal de histórias imperiais elaboradas pelos redatores que marcaram atitudes na história da Igreja e da nobreza para fazer os mesmos procedimentos de “matar” e torturar, adotando os mesmos métodos do patrão-homem-nobre-e-rico. Temos um caso paralelo de como não era costume "agradecer" ao trabalhador ou funcionário. Por ventura o patrão terá que agradecer ao servo porque fez o que lhe havia ordenado? (Lc.17,9). Somos convidados a ter prudência quanto à costumeira expressão de que a “Bíblia dizia”. Na verdade uma coisa é dizer   a “Bíblia dizia” outra coisa é: a “Biblia diz”. Ou seja: a Bíblia dizia para aquela época muitas coisas sobretudo tendo em conta assuntos de costumes sociais e culturas ainda rudes e atrasadas e opressoras que não poderia  dizer para hoje, como no caso referido onde a Bíblia “dizia” que não precisa “agradecer” ao trabalhador por ter feito o seu serviço. Enquanto que hoje todo patrão deve reconhecer o valor do funcionário e lhe ficar sempre grato. Porém naquela época não se agradecia ao funcionário ou trabalhador mas só se tratava com rigor e quem sabe na base do chicote, sem agradecimento nenhum. As palavras do Papa Francisco são atuais: “Nos bons relacionamentos não faltem as três palavras: “com licença, desculpe, obrigado”. Também entre patrões e funcionários.

P.Casimiro João              smbn

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segunda-feira, 17 de novembro de 2025

ORAÇÃO E MAGIA E BATISMO

Há um exemplo muito elucidativo numa etapa do crescimento ou não crescimento do povo da Bíblia, onde se mostra uma mentalidade primitiva mágica. É no livro do Êxodo, pelo ano 1.200 a.C: “Amanhã estarei de pé no alto da montanha com a vara de Deus na mão. Quando Moisés conservava as mãos levantadas, Josué vencia o inimigo, quando Moisés deixava cair as mãos, o inimigo vencia. Pegando então uma pedra colocaram-na debaixo dele, e então Arão e Ur, um de cada lado sustentavam as mãos de Moisés, e Josué derrotou os inimigos a fio de espada” (Ex.17,9-13).  Ainda hoje há essa atitude. Adulto que não cresceu na fé e no entendimento continua na fé de criança, assim como os judeus pensando que num estalar de dedos Deus resolvia todas as coisas, ou na expressão de hoje “fazia milagres.” Vamos ver que esta magia não se infiltrou só na oração mas também no sacramento. Comecemos pelo  batismo. Comumente o batismo se torna um rito muito simples: é só botar a água na criança e pronto. A gente acha que o batismo automaticamente salva, como uma coisa mágica. Porém, etimologicamente batismo significa muito mais do que isso. Batismo é um mergulho. Mergulho na vontade de Deus e na missão que temos que fazer, do qual o mergulho na água é o símbolo ou a comparação. Sem dúvida, como Jesus terá dito um dia: “devo receber um batismo, e não vejo a hora para que isso se cumpra” (Lc.12,50). Qual era esse batismo? Não seria ir para a paixão e morte próxima? Para nós, batismo é muito simples, mas ele é esse mergulho de corpo inteiro na vontade de Deus e nas tarefas que temos que fazer, assim como Jesus fez esse mergulho. Infelizmente, nas catequeses habituais se insinua que o batismo perdoa os pecados e pronto. E veio a tradição que sem o batismo não havia salvação. E de quebra que quando estamos batizados estamos salvos. A mágica funcionou. De tal maneira entrou na cabeça do povo que ficou resumido que a vida do cristão é só ser batizado. Porém agora a Igreja diz que não são só os batizados que se salvam. Nesta lógica poderá alguém perguntar: então para que serve o batismo? Eu respondo: O batismo não é para a outra vida, é para esta. Se é na Igreja católica é para cumprir as tarefas da Igreja católica; Se for nos evangélicos é para cumprir as tarefas dos evangélicos, e assim por diante. Imagine só isto: o militar é para esta vida, não é para a outra vida; o advogado é para esta vida, não é para a outra vida; o médico é só para esta vida, não é para a outra vida. Na outra vida não vai ter militar, nem médico, nem advogado, e nem padre, nem bispo e nem Papa, porque lá não precisa. Onde precisa é aqui nesta terra. É assim que Jesus disse: “tenho que receber um batismo, e era para cumprir as tarefas que ainda faltavam. Assim nós. Na verdade, o desenvolvimento da humanidade teve o paralelo com o desenvolvimento da criança. Vejamos.

A criança é por natureza mágica. Ela nasce mágica. Porquê? Porque não sabe fazer ainda nada. É o pai e a mãe que fazem tudo. O pai faz os brinquedos, conserta os brinquedos. O pai é forte. Defende do cachorro, defende dos bichos, pega no colo, nas cacundas, cura as doenças, bota o carro para andar, conserta os estragos, sabe onde está a água, onde está o mercado, bota tudo em casa. O pai é o herói. É maior que todos. A humanidade era uma criança. Ela também nasceu mágica. Assim como para a criança o pai pode tudo também para a humanidade Deus podia tudo. Era Deus que fazia tudo, o fogo, as nuvens, as plantas, o mar e os frutos e que vencia as guerras. Vai ver, se a criança não crescesse, ela iria ficar sempre criança e na dependência total da mãe e do pai o tempo todo. Pais que fazem tudo para as crianças, botam as crianças na vida sem aprender a fazer nada. Ao contrário, a criança que começou a ganhar independência pouco a pouco aprenderá a não depender dos outros e a resolver os seus problemas. Sua experiência junto com o seu estudo lhe ensinarão a resolver os seus problemas. Assim aconteceu com a humanidade. Tem aquela parte da humanidade que, apesar de muitos séculos que passaram ainda ficaram como crianças que não desenvolveram. Quem sabe, seriam os pais que o pouco que sabiam não ensinaram aos filhos. Justo pelo medo de que os filhos aprendessem demais, e mais do que eles. Isto aconteceu nas sociedades que guardavam muitos segredos. Alguns velhos que tiveram sorte de aprender mais coisas não é que guardariam muitos segredos a sete chaves? E por isso são temidos, porque eles podem fazer mal aos outros, por vingança. Não será daí que vem a tradição e a cultura dos feiticeiros e dos gurus? Em contrapartida, em outras partes do mundo democratizou-se o ensino. E foi onde os pais não tiveram medo de ensinar os filhos. Pais e filhos frequentaram círculos de estudo, ou eles mesmos os criaram. Nasceram assim as escolas e as Universidades. Aplicando este aporema agora ao pensamento e à religião acontece a mesma coisa. Aristóteles observava que o ser humano, por natureza, tende ao saber. E também à religião. Neste desenvolvimento, a humanidade também se dividiu em duas etapas. Na primeira etapa, a humanidade  quando era criança punha todo poder em Deus, como a criança no poder do pai. Mas quando cresceu livremente começou vendo que tudo não dependia de Deus mas também dela mesma. A humanidade que entregava tudo a Deus pra ele tudo fazer, continuava com uma atitude mágica de que só Deus podia fazer tudo pra ela como num estalar de dedos. E daqui temos ainda hoje dois tipos de humanidade: Uma que faz, inventa, faz coisas, transforma coisas e inventa outras. E assim se chegou à inteligência artificial, aos robôs e ao celular. Isto aconteceu numa parte da humanidade onde o estudo acompanhou o crescimento da humanidade. Em contrapartida, naquela parte da humanidade onde o estudo não acompanhou, a humanidade ainda vive bastante na época da magia e dos segredos dos feiticeiros e dos gurus.

Conclusão. Falta-nos o tempo de avançar para a narrativa de outros sacramentos, pois falamos no batismo. Mas, pelo dito, dará para descobrir sinais de magia também, e coisificação, noutros sacramentos. Dizemos “coisificação” porque é o mesmo significado de magia. E infelizmente essa magia ficou por muito tempo “consagrada” na Igreja com a expressão que os sacramentos agem “ex opere operato”, ou seja, posto o rito, tudo acontece automaticamente. É o fato de reduzir Deus a uma “coisa”, e os sacramentos também a “uma coisa”. Quem sabe, talvez também aquele dito de que "para Deus nada é impossivel" seja ainda uma expressão mágica já vinda também dos salmos do Antigo Testamento, (Sl.135,6). Se assim fosse, como não foi possivel os judeus vencerem todas as guerras; Porque não foi possivel livrar-se do extermínio da morte de seis milhões de judeus na Alemanha nazista na época de Aushwitz, em 1945. Por outro lado, quando alguém se joga de um prédio de 10 andares nunca ninguém reza a Deus, mas são os bombeiros que jogam os colchões para não morrer.

P.Casimiro João      smbn

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segunda-feira, 10 de novembro de 2025

RELIGIÃO SEM A CIÊNCIA É CEGA, CIÊNCIA SEM RELIGIÃO É MANCA (EINSTEIN).


 

Esta afirmação de Einstein é cheia de sentido e dignifica as duas maiores atividades do ser humano, a ciência e a religião. Religião sem ciência fica cega e a ciência sem religião fica manca. Bote as duas para funcionar e terá gênios como o autor dessa afirmação. Na antropologia atual reconheceu-se a centralidade do ser humano como sendo o maior valor. Vemos que isso tem uma surpreendente afirmação de Paulo na Carta aos romanos: “De fato os mandamentos resumem-se neste: amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Rom.13,9). As ciências humanas modernas chegaram a defender também isso com ousadia desde o Renascimento. Na época a Igreja se apavorou com essa ideia e condenou o Iluminismo e se distanciou dele. Pio IX e Pio X condenaram estas filosofias rotulando-as de “compêndio e veneno de todas as heresias” (1864). Pio VI inventou até uma suposta “revelação” divina para condenar as teorias modernas da liberdade de consciência e de religião. Por seu lado, Pio IX, com o documento “Syllabus” declarava guerra à modernidade, o que provocou um descrédito e uma debandada geral da Igreja católica de cientistas e filósofos, e provocando um descrédito geral da Igreja nas classes dos intelectuais” (Cf. Hans Kuns, em “A Igreja tem salvação?” p.158). Foi nessa época que começaram surgindo as ideias de democracia, liberdade religiosa, liberdade de consciência, luta pela justiça social defendida pelos ambientes liberais e pelo Iluminismo, teoria que resumia toda as Ciências modernas, ou Renascimento. A Igreja, sendo pega de surpresa, ficou numa atitude defensiva e não dialogante e nessa recusa do diálogo foi perdendo espaço. Pio IX estava saindo de circunstâncias muito delicadas da perda dos Estados Pontifícios confiscados pelo governo da Itália e não estava em condições psicológicas de dialogar com essas novidades. Ele até orientou os católicos a não votarem na época das eleições. Leão XIII procurou amenizar a questão, com a Encíclica social Rerum  Novarum (Sobre as Coisas Novas), mas logo após chegou Pio X que declarou o Modernismo “como compêndio de todas as heresias”. Inclusive publicou o “Juramento antimodernista” em 1910, obrigatório para Bispos, sacerdotes e professores de teologia, do qual foram desobrigados posteriormente por Paulo VI em 1965. Um dos melhores textos de Einstein é aquele onde destaquei aquelas afirmações. Aliás o próprio Einstein chegou a declarar que o mundo pode melhorar tanto com a religião como com a ciência. O problema é que antes dele a religião era inimiga da ciência: “Temos que começar com o coração do homem – com a sua consciência – e os valores da consciência só podem ser manifestados com serviço para a humanidade.  Eu acredito que nós não precisamos nos preocupar com o que acontece depois desta vida, enquanto nós fazemos o nosso dever aqui, para amar e servir. Sem religião não há caridade. A alma que é dada a cada um de nós é movida pelo mesmo espírito vivo que move o universo”. (Einstein). E continua: “A religião e a ciência caminham juntas. Como eu disse antes, a ciência sem religião é manca, e religião sem ciência é cega. Elas são interdependentes e têm um objetivo comum – busca da verdade. O verdadeiro cientista tem fé, o que não significa que ele deve se inscrever em um credo. Por isso é um absurdo para a religião proscrever Galileu ou Darwin ou outros cientistas. E é igualmente absurdo quando os cientistas dizem que não há Deus. Este é o começo da religião cósmica dentro do ser humano: a comunhão e o serviço humano tornam-se seu código moral. Sem tais fundamentos morais estamos irremediavelmente perdidos”. No movimento de que falávamos do Iluminismo entravam também de quebra os direitos da mulher sobre a reprodução, com os meios anticoncepcionais e a invenção da pílula, descoberta por dois médicos católicos John Rock e Pasquale DeFelice. Outra surpresa para a Igreja que  enfrentou também este combate. A discussão chegou até o Concílio Vaticano II, que se mostrou receptivo, encarregando três Comissões para o estudo. Porém, esse estudo chegou a ser barrado por Paulo VI, que publicou em seguida a encíclica “Humanae vitae” (Sobre a Vida humana) contra os contraceptivos, o que ensejou o primeiro caso em que, na história da Igreja no séc.XX a grande maioria do povo e do clero recusava obediência ao papa” (H.Kung, o.c.p;178). A teoria da condenação dos métodos em questão vinha das ideias do matrimônio do Antigo Testamento e do sexo, que tanto um  como o outro só seria usado com a finalidade reprodutiva. Porquê? Porque teriam que produzir muitos filhos para trabalhar a terra, que era o único trabalho da época assim como a guerra. Nesta como entre outras coisas da ciência em que a Igreja (os Papas) da época quiseram se mesclar foi que até se manifestaram contra as Locomotivas a vapor, a Iluminação a gás e contra as pontes suspensas sem falar que também contra as vacinas (o.c.p.143). Termino com a seguinte exclamação poética a partir do Livro da Natureza de Einstein: “Se olharmos  para uma árvore com suas raízes procurando água por debaixo do pavimento, ou uma flor que exala o seu cheiro doce às abelhas polinizadoras, ou até mesmo nós mesmos e as forças interiores que nos impulsionam a agir, podemos ver que todos nós dançamos uma música misteriosa, e o tocador que toca à distância, com qualquer nome que queiramos dar-lhe: Força Criativa, ou Deus, escapa a todo conhecimento dos livros”. (Albert Einstein, extraído do Livro: “Em Busca do Homem Cósmico (1983).

Conclusão. Não nos admiraremos da secularização e da laicização que se deu na Europa após estes acontecimentos? E ainda tendo em conta condenações e prisões de cientistas como Giordano Bruno, preso por 14 anos e depois condenado à fogueira, e de Galileu, o pai da ciência moderna, preso por oito anos, além de outros. Qual o descrédito entre os ambientes universitários? Descrédito que certamente hoje invade todas as esferas de ensino superior, senão declarado, mas vivido e palpitante nos ambientes.

P.Casimiro João         smbn

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segunda-feira, 3 de novembro de 2025

A CRIAÇÃO E O PECADO ORIGINAL EM PAULO E AGOSTINHO.

Num certo capítulo das Cartas de Paulo, ele seguiu o caminho da cosmologia e antropologia de sua época, tendo feito também a plataforma para a teologia de Agostinho que desembocou na célebre teoria da necessidade do batismo para a salvação. E, de quebra, se o batismo era necessário para a salvação, então estavam postas as premissas para a salvação ou não salvação das crianças que morriam sem o batismo. Logo então, era só colocar a conclusão: que, sendo necessário o batismo para a salvação, a conclusão vinha direto: que criança  não batizada não se salvava. Esta teologia bíblica de Agostinho, que por sua vez estava já implícita na teologia bíblica de Paulo, passou por toda a Idade Média até à época do II concílio do Vaticano. Onde Agostinho se firmava? Na Carta de Paulo aos romanos, cap.V. E onde Paulo se firmava? Em Gênesis, cap. 02 e 03. É evidente que a Carta de Paulo seguia a mesma cosmologia e a mesma antropologia de Gênesis, que hoje não tem fundamento. Cosmologia define-se como a teoria da formação do mundo, ou cosmo. Antropologia define-se como o estudo da formação do ser humano, antropos. E está definido hoje que a cosmologia primitiva não era científica, mas mítica. E do mesmo modo a antropologia primitiva também não era científica mas mítica. Por mítica se entende o arrazoado onde não entra a ciência, mas só a imaginação. Vale dizer, os primeiros humanos imaginavam uma maneira de ‘como’ seria possível o aparecimento das estrelas, das plantas, e do cosmo e da nossa terra. E sobre o ser humano  imaginavam ‘como’ teria sido o aparecimento dos seres humanos na terra. São estas ‘imaginações’ que são chamadas ‘mito’, que hoje mais popularmente se chamam também de ‘lendas’. Qual é então a narrativa de Paulo, tirada do mito da ‘criação’, e que deu origem à teologia bíblica de Agostinho? O seguinte como lemos na Carta aos romanos: “O pecado entrou no mundo por um só homem. Através do pecado, entrou a morte. E a morte passou para todos os homens, porque todos pecaram” (Rom,5,12-15). A cosmologia da ‘imaginação’ do Gênesis e a antropologia da mesma ‘imaginação’ são trazidas para aqui por São Paulo. Porém, hoje a Pontifícia Comissão Bíblica declarou já  que essa narrativa do Gênesis se baseia numa cosmologia ultrapassada. E afirma a necessidade de uma interpretação no hoje do nosso mundo porque “os textos da Bíblia são a expressão de tradições religiosas que existiam antes deles,  os quais foram retrabalhados e reinterpretados para responderem a situações novas desconhecidas anteriormente”. E no início desta colocação começa com a declaração explícita: “Essa narrativa do Gênesis se baseia numa cosmologia ultrapassada”.  (Pont. Com. Bíblica, 1994). Por seu lado, Agostinho extrapolou ainda mais, e recorreu `a teoria maniqueísta de que a matéria era má, e só o espírito era bom. Ora, como a criança era gerada pela matéria má do pai que era o sémen, era gerada em pecado. (Cf. Bárbara Andrade, em “Pecado original, ou graça do perdão? Paulus 2007, p.121). Esse pecado foi chamado “o pecado da origem”, ou pecado “original”. A ‘geração’ era a origem do pecado original, e como tal passava o pecado também para todos os homens. As consequências são terríveis. Agostinho argumentava que a ‘geração’ embora que era má e pecaminosa, mas era necessária.  Como se diz, era então um mal necessário. Mas veja a doutrina moral que daí se desenvolveu por exemplo para o casamento. Como podia ser isso? Sim, que haja casamento mas somente para que haja filhos, sem nenhum tipo de outras coisas  como afeto, carinho, abraços, carícias, tudo simplesmente como sexo tipo animal, só porque é necessário para reprodução. Esta situação, além de vir dos maniqueus também já vinha dos Judeus, para  os quais só o sexo com reprodução é que podia acontecer, casamento sem filhos não podia. E quantos mais filhos melhor, sabe porquê? Para trabalhar as terras, porque a terra era a única fonte de renda para as famílias. (Cf. Eduardo L. Azpitarte, em Ética da sexualidade e do matrimônio, p.83). Tire daí as conclusões deles porque é que condenavam o sexo não reprodutivo, e é isso que botaram na sua bíblia. Por isso quando hoje se invoca a Bíblia sobre sexo e sobre relações sexuais veja as tradições e ‘contradições ‘humanas’ e antiquadas e obsoletas que pode estar ouvindo...Paulo transcreveu situações sofridas daquele dualismo de sua teologia bíblica da carne como sendo má, quando declarou : “Estou ciente de que o bem não habita em mim, isto é, na minha carne. Com efeito, não faço o bem que quero, mas faço o mal que não quero. Homem infeliz que eu sou.” (Rom.7,18-19.24).  Esta teologia bíblica que moldou a teologia da Idade Média e a moral não ficou só por aqui mas trouxe consequências. E entramos na temática do matrimônio. Como dissemos noutra página, a Igreja  só começou a marcar a sua presença  nos matrimônios no séc.XII, quando o matrimônio entrou para o número sete dos sete sacramentos. Antes o matrimônio era só uma questão de família. Os pais acompanhavam os noivos para o quarto, despiam-nos e iam para o banquete, depois de dar uma bênção para o casal. O costume da presença do sacerdote começou da iniciativa de um pai que um dia convidou um padre para essa bênção. Mas a teoria bíblica, e melhor dito maniqueia da “maldade” da matéria tinha entrado de forma drástica na cabeça do clero. O sexo era “mau”? Era. No entanto era “permitido” por causa da geração dos filhos. Mas excluídas carícias, e todos sinais de afeto e carinho, só sexo igual animal, tudo o resto era pecado. A confissão tornou-se uma sessão de tortura porque exigia uma sessão de perguntas sem fim. Por isso o Papa Francisco um dia disse que a confissão não deve ser uma sessão de tortura, certamente lembrando dessas situações. Outra coisa, já pensamos porque até há bem pouco tempo o pai não podia abraçar ou beijar os filhos? Não seria também por esses motivos? E tudo isso vinha, além dos maniqueus, também vinha dos judeus, porque na ideia deles sexo sem filhos não era permitido, como dissemos porque tinham que trabalhar as terras da família, a única fonte de renda das famílias nessa época. Por isso todas as relações e todo sexo que não fosse produtivo era condenado. Daí você pode enumerar as consequências dos atos não direcionados à reprodução como  eram condenados e porque é que eram condenados. Podemos então imaginar por quê e por quais vias muitas leis  e muitas morais eles colocaram na sua bíblia como proibidas e condenadas. Podemos observar e comparar com isso a herança manifestada na encíclica de Pio XI, condenando o onanismo pela única razão de não produzir filhos: “criminosa licença essa que alguns se arrogam, porque só desejam satisfazer seu prazer sem a carga dos filhos” (AAS,22,1930 359, apud Azpitarte, o.c.p.109). Continua aqui a herança da reprodução herdada dos judeus. Como observa Azpitarte, “o receio tradicional para o prazer fez com que a sexualidade perdesse seu caráter festivo para muitos cristãos.” E o mesmo autor afirma que o prazer só pelo prazer “não era considerado comportamento digno do cristão. No entanto a experiência de prazer pelo simples fato de sê-lo não deve ser  catalogado como pecaminoso, o contrário produz tantas patologias.” (o.c.p.111-112).

Conclusão . Às vezes ouvimos isto já tão manjado: "A Bíblia diz". Já dissemos noutra página que uma coisa é a “Bíblia dizia”, outra coisa é “a Bíblia diz”. A Bíblia dizia para a sua época, não diz isso para hoje. O que se ouve, como eu ouvi de um eclesiástico que “família é pai e mãe e filhos” nem sabe que está falando linguagem dos judeus.

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segunda-feira, 27 de outubro de 2025

A FÉ E O HOJE


 

O cristão, por regra, tem medo de ser feliz. Quando goza de certo ambiente momentâneo de felicidade, logo já vem a saudade da infelicidade que tomou conta da sua vida, como a ave que, acostumada na prisão, não se sente bem quando voa dois metros longe da sua gaiola onde se acostumou. Os estudiosos o que dizem sobre a fé que tem orientado a Igreja? “Há todo um lado dolorido da religião que alimenta a melancolia. Frequentemente a fé transforma-se num alibi de que o fiel depende, que quer “agradar” e em função do qual age. Fonte de angústia, porque nos anula a liberdade, a autonomia para tomarmos nas mãos  o próprio caminho, sentindo-nos comandados por outro” (Libanio, Olhar para o futuro, p. 67).  O cristianismo é especialista em grande dureza de uma fraternidade áspera, falta de coração e insuficiente capacidade de amar. Imagem deformada de Deus, rigorismo moralista e masoquista, medo da novidade, insuficiência crítica, fideísmo camuflado, falta de criatividade, repressão da liberdade. Há uma esquizofrenia que afeta muitos eclesiásticos ao terem que ensinar, defender, pregar verdades importantes impostas que não correspondem às suas experiências, à sua interioridade, à verdade deles mesmos. Ou então renunciam a viver no mundo de hoje, aceitando tudo sobre o que pensar e o que conhecer. (Cf. Drewermann, apud Libanio o.c.p.68). E vejamos o que afirma o mesmo autor: “Algum dia a Igreja acabará descobrindo que enquanto continuar presa ao conceito de  uma verdade exterior que não se coadune com a realidade vivida, ela mais ocultará a verdade divina do que revelará. Entretanto os leigos estão a passar por uma trágica experiência de fracasso, incapazes de transmitir aos filhos as suas convicções religiosas, ou seja, o que eles pensam e o que ainda continuam ensinando de maneira antiquada”. E isto torna-se um drama de consciência porque esbarra com a realidade de cada dia. Deste modo, faz-se necessário o questionamento: “Há todo um lado dolorista da religião?” O que nos remete à discussão filosófica, socilógica e psicológica sobre os aspectos negativos ou problemáticos que podem  emergir de crenças e práticas religiosas. A literatura atual, incluindo referências filosóficas como Paul Tilich e estudos sociológicos e psicológicos contemporâneos, descobriu diversas dimensões em que certasformas de religiosidade podem gerar sofrimento ou dor, seja individual ou socialmente falando. Vejamos as causas: primeiro, a religião e o medo: Muitas tradições religiosas estruturam a experiência humana em torno de conceitos de pecado, julgamento e punição eterna, provocando medo constante nos fiéis. Esse temor pode afetar a saúde mental, levando a neuroses ou sensação de inadequação. Segundo: tensão ente religião e modernidade: Estudos contemporâneos apontam que a religião, quando não dialoga com os valores democráticos, culturais e científicos do mundo moderno, pode gerar conflitos internos ou sociais, aumentando o sofrimento de quem tenta reconciliar fé, liberdade individual e conhecimento crítico.

Conclusão: Sim, podemos afirmar que há um lado dolorista na experiência religiosa, particularmente associada a culpa, medo, intolerância e perda de autonomia, sobretudo quando se enfatiza a obediência rígida, dogmas punitivos ou exclusão social. 

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segunda-feira, 20 de outubro de 2025

AMAI OS VOSSOS INIMIGOS.


 

Este estudo é sobre as diferenças entre o evangelho de Mateus, “Amai os vossos inimigos Mt. 5,44   e o evangelho de João:  Amai-vos uns aos outros, Jo.13,34. E sobre as consequências que daí resultam, como veremos no final. Em Mateus  o amor inclui os inimigos; em João especifica: “uns aos outros”. Quem são esses “uns aos outros”? São os discípulos da mesma comunidade, que “observam os mandamentos”. “Se observardes os meus mandamentos permanecereis no meu amor”Jo.15,1-6. Já vem de outra afirmação, do fato de Jesus recusar “a orar pelo mundo” “Não rogo pelo ‘mundo’, mas por aqueles que me deste, porque são teus” Jo17,9. Quem são os do “mundo”? No primeiro significado cosmológico, o ‘mundo’ era a Criação que era má porque era do demiurgo ou do maligno, e não do Deus supremo que não se misturava com a matéria; Esta afirmação tem o seu reflexo nas Cartas joaninas nas quais o ‘mundo’ também eram os judeus num primeiro tempo, mas depois estendeu-se aos ‘separatistas’ que tinham deixado a comunidade e fizeram outras comunidades, i.é, era tudo o que era alheio a eles. (Cf.wwwparoquiadechapadinha.blogspot.com.br de 18/72021). Isto sacamos também da 1ª Carta de João: “E há pecado que conduz à morte, não digo que se reze por eles” 1Jo.5,16, transformando-se  numa recusa a orar por outros cristãos que cometeram o ‘pecado’ de se separarem da comunidade deles. As Cartas de João são contra os “separatistas” que em massa deixaram a comunidade por divergências sobre a Cristologia (cf.www.paroquiadechapadinha.com.br  de 08/8/2021). Então os separatistas já não eram mais “irmãos”. Para o autor das Cartas, os ‘irmãos’ eram os da comunidade dele. Na verdade foram estas disputas internas que deram origem às Epístolas joaninas. Como afirma R.Brown, no livro “A Comunidade joanina”. E aqui aparece a grande anomalia dos escritos de João. Em nenhuma ocasião do Novo Testamento se levanta tanto a voz em favor do amor dentro da fraternidade cristã. Com fervor evangélico o autor afirma: “Quem não ama seu irmão a quem vê, como poderá amar Deus a quem não vê” 1Jo.4,20. No entanto esta mesma voz é implacável em condenar aqueles irmãos que tinham sido membros da sua comunidade. Porém, agora eles são ‘demoníacos’, ‘anticristos’, ‘falsos profetas’, como afirma mais adiante: “Eis que há muitos anticristos; eles saíram dentre nós, mas não eram dos nossos” 1Jo.2,18. Enquanto que os membros da comunidade são exortados a se amarem mutuamente. A Carta recomenda que o trato com  os dissidentes deve ser o seguinte: “se alguém vem ter convosco sem ser portador desta doutrina não o recebam em casa nem o saúdem; aquele que o saúda toma parte em suas obras” 2Jo.10-11. Olhando superficialmente, ficamos maravilhados como o autor joanino mistifica o “amor” enrolado na sua comunidade. Porém dá a impressão que para a tradição joanina só existia ‘um único mandamento’, “esse é o meu mandamento’ Jo.15,12. No entanto, debaixo destas palavras está o radicalismo de se considerarem como irmãos somente eles. Em consequência com esta tese vêm outras afirmações limitadoras: “O Espírito da verdade que o mundo não pode receber porque não o vê nem o conhece mas vós o conheceis porque permanece em vós” Jo.14,17. E ainda: “Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci” 17,25.  Isto não nos surpreende numa tradição em que o evangelho coloca Jesus prometendo que aqueles que o conhecem conhecerão também o Pai. Claro que eram eles também os que “conheciam” o Pai. Assim como eram eles que “agiam segundo a verdade” e que “aproximavam da luz” Jo.3,21  e os “outros” andavam “nas trevas porque se afastavam da luz” Jo.8,12. Perto de finalizar, comparemos a linguagem dualista empregada por João no evangelho e nas Cartas contra o ‘mundo’ e contra os judeus: Os seguidores de Jesus “não andavam nas trevas”: “Quem ama seu ‘irmão’ não anda nas trevas. Quem ama seu ‘irmão’ permanece na luz” Jo.8,12. Agora o oposto: “Vós tendes como pai o demônio” Jo.8,44. “Aquele que peca é do demônio; todo o que é nascido de Deus não peca” 1 Jo.3,8.  Claro que quem peca são os “outros”; e  os “justos”    são eles. Mas os separatistas diziam que João os odiava com tantas condenações contra eles. Quando avaliamos o evangelho de João descobrimos um senso de hostilidade de “nós contra eles”. Este fato levou os cristãos de séculos posteriores a ver uma divisão dualista da humanidade. Um “nós” que estamos “salvos” e um “eles” que não estão. Na sua atitude para com os separatistas “nem os recebam nem saúdem” 1Jo.2,19 ele forneceu incentivos àqueles cristãos de todos os tempos que se sentem justificados, e motivação para odiar outros cristãos” cf.R.Brown, o.c.p.141.

Concluindo. É provável que nos cause arrepios esta constatação talvez nunca imaginada por leitores dos escritos atribuídos a João. Mas temos que nos acostumar com a ideia de que os escritos bíblicos foram escritos por gente igual a nós que viveram as mesmas lutas e tiveram as mesmas experiências de amor limitado e grupal, e repulsa e condenação para quem não pensava igual a eles. E também caíram na tentação de ‘apropriar-se da verdade’ de Deus e da sua ‘salvação’ e da presença do seu Espírito limitada a eles. Isso mostra um quadro mais real da vida da Igreja, com mazelas e tudo, como dito atrás www.paroquiadechapadinha.blogspot.com.br de 18/7/2021.

P.Casimiro João      smbn

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segunda-feira, 6 de outubro de 2025

VINHO E ÁGUA NO CASAMENTO DE CANÁ


 

Segundo o evangelho de João, cap. dois, num dia de casamento são colocados dois símbolos muito significativos: Seis grandes panelas de água, de 100 litros cada uma, e o vinho que acabou. Logo um observador atento  nota que a água era “para abluções dos judeus” (Jo.2,6). E a história que o vinho acabou é para focar no que vem a seguir sobre as panelas e a água. O Antigo Testamento baseava-se nas abluções e na observância da lei de Moisés. Era isto que representavam as panelas e a água. E desde logo o Novo Testamento irá se basear na obediência a Jesus Cristo. É o significado do vinho novo que “veio” da dita transformação da água. No fundo, vem sempre a questão: aceitar Moisés, ou aceitar Jesus? Aqui a teologia deste trecho fica paralela com o que Paulo afirma: “A lei de Moisés já era; agora é a cruz de Cristo pela qual eu estou morto para o mundo e o mundo para mim”, (Gl.6,14) e: “Cristo é o fim da lei, para justificar todo aquele que crê.” (Rom.10,4). No final da cena vem a intervenção da mãe de Jesus para fechar a situação com chave de ouro: Vão fazer tudo que Jesus disser, ou vão continuar fazendo tudo que Moisés disse?

Conclusão. Temos falado na resistência que o evangelho de João encontrou para ser incluído no cânon do Novo Testamento porque não fazia referências aos sacramentos. E foi só aceito porque um redator posterior postou as referências ao batismo com o episódio de Nicodemos de Jo.cap.3 e com as referências à eucaristia no capítulo seis. E no presente caso uma referência ao matrimônio. “O evangelista fez uma reflexão sobre Jesus Cristo como esposo da comunidade o qual oferece o vinho da alegria e da vida nova aos que participam de sua festa.” (Nilo Luza, em Liturgia Diária, 2025 p.78). Cf. também R.Brown, Comentário ao evangelho segundo João, vol.I p.305).

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segunda-feira, 29 de setembro de 2025

TEOLOGIA DA HISTÓRIA, ORIGEM DO CULTO AO IMPERADOR.


 

Podemos estabelecer a origem do culto ao imperador como um deus nos inícios do pensamento dos filósofos da antiga Grécia, com Platão, Xenofonte e Aristóteles. Eles afirmavam que os reis podiam reivindicar honras divinas, e que o exercício da realeza na terra correspondia à realeza de Deus no céu. Entre eles havia alguns mais sensatos para os quais “um rei podia receber honras divinas, mas a cidade pertencia aos cidadãos.” Enquanto que para outros o povo era propriedade do rei.” (H.Koester, Comentário do Novo Testamento vol.I,p.36). Quando o rei conquistava pela lança outros territórios, os territórios conquistados pertenciam como direito de propriedade ao rei. Os novos países eram ‘terras conquistadas pela lança’, sobre os quais o rei possuía direitos soberanos ilimitados. Os habitantes desses países eram simplesmente escravos. O mundo grego ou helenista assumiu esta filosofia, fato que passou posteriormente para as diversas partes do mundo onde, por exemplo os imperadores romanos seriam reverenciados como seres divinos, como César Augusto, Vespasiano, Nero e Domiciano. Para aprofundarmos mais a evolução desta ideologia temos que prestar atenção ao seguimento da História. A potência maior da época antiga antes do Egito, Mesopotâmia e Persa e Roma era a Grécia. Ela tinha colônias inclusive no Egito, na Mesopotâmia e na Pérsia. Conseguiu essa epopeia devido não só ao seu poder econômico e militar, mas sobretudo ao poder da sua sabedoria e sua capacidade organizativa. Os séculos XI e X a.C. renderam-lhe tributos e riquezas de outros Estados e colônias e foram a época de ouro da Grécia. Porém, com o tempo, esses Estados começaram também a se fortalecer e deixaram de enviar seus produtos e matérias primas para a Grécia, transformando-os por sua própria indústria e livre iniciativa. O resultado foi o começo do empobrecimento da Grécia que já não recebia as matérias primas de suas colônias, lá nos séculos VI e V a.C. Uma nação concorrente se fortaleceu: foi a Pérsia que desde tempos vinha concorrendo com a Grécia e que se tornou império concorrente. Foi nesta época que os filósofos foram os primeiros a apresentar a ideia de que somente um individuo com dons divinos seria capaz de restabelecer a paz, a ordem e a prosperidade da nação. A esse indivíduo davam o nome de messias. No caso da antiga Grécia, só um rei na qualidade de um filho de Deus, ou messias, podia levar a nação à antiga glória. Aí apareceu Alexandre Magno, o grego, que se prestou para conquistar de novo o mundo. Alexandre quando chegou ao Egito e o conquistou, o sacerdote egípcio o saudou diante do templo de Amon como “filho de Deus”. (o.c.§1.5b,p.37). De volta à Grécia, Alexandre Magno enviou uma carta a todas as cidades gregas para exigir ser adorado como deus. Então construiu os seus templos onde mandou colocar estátuas de seu pai Filipe II,  assim como dele mesmo e de sua esposa Olímpia e de seu filho. Os atenienses reverenciavam e tiveram estes “deuses” como deuses salvadores (o.c.§1,p.38). Por sua vez a rainha Berenice II, era chamada de “Isis”, “Mãe dos deuses”. Daí em diante Alexandre Magno conquistou a Ásia Menor, a Palestina, a Judeia, a Síria, o Líbano, o Egito, a Líbia, a Fenícia e Mesopotâmia, e a Babilônia. A principal cidade com o nome dele foi Alexandria. Nós veneramos os Santos como exemplos e de humanidade de virtudes cristãs. Já nem é tanta novidade assim, porque na Grécia antiga pessoas excelentes tinham honras de heróis depois da morte, como estamos vendo, sendo celebradas pelos poetas como seres quase divinos (o.c.p.36). Porém a aclamação e entronização como deuses eram reservadas aos reis e filhos de reis. Alguns destes  reis-deuses respeitavam o povo e seus súditos como “cidadãos”, porém, em relação aos outros povos conquistados eram deuses e senhores absolutos  enquanto as populações eram escravas. Eles governavam em linha vertical, i.é, como deuses e senhores da vontade da nação. Isto, além de ser regime da teocracia, ou poder de deuses, era poder de ditadura, onde a nação não tinha vez nem voz, onde o povo não tinha vez nem voz também. O rei era a lei. Era governo de linha vertical onde tudo descia de cima, dos deuses e das deusas que estão “lá em cima”. Porém, nos séculos 18 e 19 o mundo evoluiu para que os governos não governassem em linha vertical mas em linha horizontal, escutando a voz e as petições das nações. Era já o governo da democracia. Foi isto que falou uma vez o presidente do Brasil Luis Inácio da Silva Lula, na 5ª Conferência nacional dos Direitos da Pessoa Deficiente: ”Nós não queremos governar em linha vertical, com uma voz que vem só de cima, mas em linha horizontal, ouvindo a voz e as necessidades do povo com deficiência física”.(Canal Gov. 21/07/24).

Conclusão. Para terminar, notemos também uma espécie de paralelo entre a história da Grécia antiga e a história de Israel: Israel perdeu o seu período de ouro com os reis  Davi e Salomão nos séculos V-IV, e ficou suspirando sempre para que Deus mandasse outro período de ouro igual. Como na Grécia também eles queriam esse enviado “do alto” para a  volta das antigas glórias de Davi. Era essa a missão e o significado de  messias assim como Alexandre Magno tinha sido o messias da Grécia.

P.Casimiro João     smbn

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segunda-feira, 22 de setembro de 2025

FILOSOFAR A VIDA.


 

Tudo começou pela filosofia: a “alma”, o “céu”, o “inferno”, o “demônio”, o “pecado”, o “castigo”. Os primeiros pensadores começaram filosofando a vida. No século XIX a Igreja condenou as locomotivas, a iluminação a gás, as pontes suspensas e as vacinas porque “eram contra a vontade de Deus”, e porue os sábios pretendiam se colocar no lugar de Deus. Comecemos pela “alma”. Platão foi o primeiro filósofo que pensou no elemento ”alma”. A alma era uma chama que habitava no Olimpo, a morada dos deuses. Essa chama era uma substância imortal e eterna distinta do corpo, ela era o princípio da  vida e do conhecimento. Ela pertencia ao mundo das Ideias, ela é real e imutável, e se une ao corpo de forma temporária. A alma, em Platão, possuía três partes: a racional, a espiritual e apetitiva. Numa vida ideal, a parte racional tinha que governar as outras duas dimensões, a sensitiva e apetitiva. Alma era uma substância que existe independente do corpo, sendo este uma prisão temporária para a alma. A alma anima o corpo e é o princípio do conhecimento e do raciocínio da razão, e da busca pela verdade. A alma fazia este trabalho usando a cabeça do corpo; pela dimensão espiritual a alma fabricava as emoções, as paixões, a raiva e a coragem, usando o peito do corpo; a dimensão sensitiva ou concupiscente abrangia os desejos, os prazeres e os instintos usando o abdômen do corpo. Antes de se unir ao corpo a alma contemplava as ideias perfeitas no Mundo das Ideias. O esquecimento ocorria quando se unia ao corpo, mas depois, pela filosofia e o conhecimento recuperava essas ideias. Depois de Platão veio Aristóteles, para o qual a alma não é imortal nem separada do corpo, mas um princípio de vida que dá forma e função ao corpo, tornando-se sua essência. Aristóteles também destacou três funções na alma: a função vegetativa, a sensitiva e a função racional ou intelectiva. A função vegetativa e a sensitiva estão presentes em todos os seres vivos, plantas e animais, a intelectiva só nos humanos. Para Aristóteles a alma e o corpo são uma única coisa, inseparáveis e interdependentes. Seria assim, na metafísica de Aristóteles: a alma é a “forma”, do corpo; o corpo seria a “matéria” da alma. A alma nutritiva era responsável pela Nutrição, crescimento e reprodução; A alma sensitiva era responsável pela sensação de dor e da alegria; A alma racional tinha a função da razão, do intelecto e do raciocínio. As duas primeiras “almas” são comuns a todos os seres vivos, a racional só é própria dos humanos. Conclui-se daí que para Aristóteles a alma não era elemento sobrenatural, como para Platão, mas um princípio natural e essencial para a vida. Por sua vez Zoroastro, da Pérsia, que viveu muito anos antes, entre 1.500 e 1000 a.C. pensava a alma como essência imortal do indivíduo, e após a morte seria julgada com base nas boas ou más obras. As almas boas atravessavam uma ponte para o céu, enquanto que as outras caíam no inferno, ou casa das Mentiras. E lá também havia um lugar intermediário para as almas de ações equilibradas a que os cristãos depois chamaram de purgatório.  Porém, no final dos tempos viria um Messias que reuniria todas as almas, que, purificadas, entrariam num lugar de felicidade. Estamos vendo sobre a filosofia da ‘”alma” e do “céu”. Falemos agora sobre quando se começou a falar sobre sobre “demônio”. Esta palavra começou a ser falada entre os  gregos, era uma divindade menor. Era um deus menor chamado “daimon”, que servia de intermediário entre deuses e humanos, e que podia agir para o bem ou para o mal. No antigo livro de Enoque os demônios eram os filhos dos anjos que foram deixados na Terra depois do dilúvio para levar os homens a adorar os ídolos. No livro do Gênesis fala-se nesses filhos de deuses ou anjos que depois se uniram com as primeiras mulheres e produziram os gigantes,(Gn.cap.6). Finalmente, formou-se a lenda do Apocalipse da “luta de Lúcifer”; numa batalha celestial onde o arcanjo Miguel e os exércitos celestiais lutaram contra o Anjo da luz  ou Lúcifer que queria ser igual a Deus. Derrotado, é lançado na Terra. (Apoc. cap12). Por seu lado, os rabinos judeus ensinavam nos seus segredos  que Deus criou os demônios na tarde do sexto dia mas não teve tempo de dar-lhes um corpo, porque com o pôr do sol começava o descanso do sábado. Por isso eles ficaram vagando. E então entravam no corpo das pessoas e cada um tinha uma doença para adoecer os homens. (Prado, José Luis, biblista). Sobre os princípios da humanidade, muito se tem falado nos mitos do Enuma Elish, e Gilgamesh que foram em parte copiados para o Gênesis, mas agora apresento um mito dos povos africanos: "Deus criou muitos filhos dos homens no céu. Mas um dia apareceu uma criança deformada. Como os homens se revoltassem, foram nesse instante expulsos do céu. Aí Deus se apresentou na Terra em forma de peixe. Em seguida tomou a forma de homem e tornou-se seu companheiro. Ingrato, o homem insultou a Deus, e então Deus separou-se para sempre do homem. Quando os primeiros homens saíram do pântano do caniço, o chefe do pântano mandou um camaleão levar-lhes a seguinte mensagem: os homens morrerão, mas hão de ter outra vida. O camaleão pôs-se a caminho vagarosamente. Entretanto o chefe do pântano mudou de opinião e despachou o lagarto de cabeça azul para dizer aos homens: morrereis e apodrecereis debaixo da terra. O lagarto partiu imediatamente, e em breve ultrapassou o camaleão. Quando enfim chegou o cameleão com sua mensagem, os homens disseram-lhe: vens tarde demais, o animal da morte chegou primeiro” (Altuna, “Cultura tradicional africana, apud Vicente, José Armando “A salvação na RTA, Loyola, pag.145-146). Israel sempre quis ter Deus ao seu serviço. Isso traz consequências teológicas. Israel não gerou filosofias, apenas teologismos, e estes direcionados ao orgulho de sua nação, sobre o seguinte: que Deus tinha que estar a seu serviço para derrotar os inimigos, e um dia dominar todo mundo. Tal como o atual Donald Trump de hoje, que alguns historiadores dizem ser descendente de imigrantes de judeus da antiga Baviera alemã. Comparem com o comparsa dele, Natenyahu, de Israel. Porém, na Grécia nasceu a filosofia, que bota a cabeça e a razão para trabalhar e equilibrar a mente, a escrita e as ações. E a pouca filosofia que reinou entre Israel foi tardia, e copiada da Grécia, como o livro da Sabedoria de Ben Sirac, que releu toda a Bíblia sob o prisma da “Sabedoria”, uma filosofia eclética a partir da filosofia dos gregos. A Bíblia dos Judeus não se  interessava com “céu” nem com “inferno” como o zoroastrismo da Pérsia, mas estes conceitos vieram em dado momento tardio para a Bíblia do Novo Testamento, copiando da filosofia  de Zoroastro. Na verdade, para os judeus funcionava assim: Depois da morte havia outro estágio de vida, que chamavam “dormir”, aguardando a vinda final do Messias, como afinal também no zoroastrismo. Porém esse Messias não vinha tratar de  uma vida “no céu”, mas outra vida nesta Terra, vida feliz e libertada dos inimigos da Nação que agora aprontaria todas as vinganças contra todos seus inimigos. Não seria ressurreição como nós entendemos hoje mas uma vida feliz aqui na terra de “novos céus e nova terra”(Is.65,17, e Apoc,21,1). (Cf. N.T.Wright, a ressurrição do filho de Deus, pag.590-595). Isso consta do próprio evangelho quando Pedro perguntou a Jesus o que “eles”, os apóstolos iriam ganhar depois de deixarem tudo:  “Não há ninguém que tendo deixado tudo isso não receba já neste mundo 100 vezes mais em casas, irmãos, irmãs, filhos, terras, e no século vindouro a vida eterna ”(Mc.10,28).  E ainda, no momento da despedida de Jesus, na Ascesão, qual era a preocupação dos discípulos: “É agora que vais restaurar o reino de Israel?” (At.1,6). Podemos ainda conferir o pedido dos filhos de Zebedeu: “queremos o primeiro lugar,  um à tua direita e outro à tua esquerda na vinda do teu reino” (Mc.10,37). Finamente, quando entrou em voga o termo “ressurreição”? “Ressurreição era um símbolo imponente: de “pôr de ponta-cabeça a ordem presente e marcar o começo do reinado do “Messias”, ou seja o “reinado de Israel”. Este conceito vem em todas as entrelinhas do cap.3 do Êxodo, episódio da “sarça ardente”, em Ez. Cap.37, no sentido da “destruição do “(Jo.2,19), e em Isaías cap. 53-56, quando a exaltação do servo sofredor representa a exaltação de Israel. ("Cf. Wright, o.c.p. 595). Falamos em filosofar a vida. Neste capítulo demo-nos conta que a fé vem depois da filosofia. Os elementos que mais nos impressionam e ao mesmo tempo nos incomodam vieram todos da filosofia: ALMA, CÉU, PURGATÓRIO, PECADO, DEMÔNIO, PRIMEIROS ANTEPASSADOS E "SALVAÇÃO". Isto nos diz que o cristão deve botar mais a cabeça na organização da sua vida; Há uma coisa contraditória nisso aí, é aquela atitude dos povos que nos parecem mais religiosos, como Israel, e se mostram os mais egoístas, como o povo judeu, que sempre quiseram ter Deus ao seu serviço. E porque Jesus não se pôs ao seu serviço o eliminaram.

Conclusão. É preciso filosofar a vida; não só teologizar. Porque teologizar sem filosofar cai-se num espiritualismo vazio, e muitas vezes caricato, como aquele que a “iluminação a gás, as locomotivas e as pontes suspensas e as vacinas eram contra a vontade de Deus”, a teoria que condenava esses avanços científicos no séc.XIX. Isto nos diz que a teologia vem depois da filosofia e não o contrário, como aconteceu com Agostinho e Tomás de Aquino  que se seguraram em várias filosofias para fazer as suas teologias, e como acontece com os teólogos modernos.

P.Casimiro João         smbn

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segunda-feira, 15 de setembro de 2025

EXALTAÇÃO DA “SANTA CRUZ”, O PORQUÊ.

É muito bonito fazer uma festa da “Exaltação da santa Cruz”. Mas é muito difícil considerar as cruzes que vão pelo mundo de guerras, de malvadezas e de hipocrisias, como em Gaza, Ucrânia, e as fomes que daí resultam. Em segundo lugar, nesta festa há dois motivos de política, um do mundo, outro da Igreja. O “mundo”, leia-se os “políticos” dizem; “o povo tem que sofrer para nós sobreviver”. A Igreja diz que o povo tem que sofrer para ir pro céu. E botam aí a vontade de Deus. E assim se formou a teologia do sofrimento, a vontade de Deus. Para os políticos é o dinheiro, para a Igreja é a vontade de Deus. Que Deus manda os sofrimentos, e quis o sofrimento de Jesus. Ora, nunca podemos dizer  isso, embora que tradicionalmente a Igreja  o falou e escreveu, até nas orações da liturgia, pelos motivos que dissemos acima. Se Jesus não sofresse seríamos salvos do mesmo modo, e os sofrimentos não vieram da vontade de Deus, mas dos homens. Logo de quebra, no Antigo Testamento fizeram o recurso às “serpentes do deserto” que “foram mandadas por Deus” para castigar o povo. É outra lenda, porque não é Deus que manda o sofrimento e nem mandou serpentes nenhumas. Sempre Deus no meio e sempre o sofrimento. Ora isso das serpentes era um conto pagão para o deus da saúde, Esculápio. E entrou no evangelho de João já mais tarde do original para uma lição do batismo para reforçar uma vida de cruz. Até porque, veja bem, se morrer um pobre cheio de sofrimentos, enterra-se em qualquer buraco. Se morrer um poderoso, vai até bispo no funeral para dizer que vai pro céu. Em vida, o pobre tem que sofrer para ir pro céu; na morte todos vão para o céu. Mesmo antigamente, quando se dizia que os maus não iam para o céu. Não deixa de ser irônico que já 1.500 anos antes de Cristo se dizia isso na religião de Zoroastro, que foi a primeira que falou de “céu”, “inferno” e “purgatório” que o purgatório iria acabar com a vinda de um messias que iria igualar todo mundo, e juntar todo mundo no reino da glória e felicidade. Então, para quê tanto sofrimento pregado? Quando o imperador Constantino concedeu liberdade ao cristianismo já se valeu da cruz com duas lendas inventadas:  numa dizia que tinha achado a cruz de Jesus na Jerusalém destruída depois de 300 anos; a outra que tinha visto no céu uns raios de luz em cruz. Aqui se valeu destas duas lendas para implementar o seu império que estava-se desmoronando: primeiro implementando o seu poder político pela cruz agradando aos cristãos, depois juntando os dois poderes, o poder político da cruz para o pobre e a teologia da Igreja para o sofrimento do povo. Deve ter vindo daí o célebre ditado que o mundo cristão esteve sempre entre a cruz e a espada.

Conclusão. Lemos nas linhas e entrelinhas dos escritores biblistas e teólogos de hoje que nos dizem que todo o Antigo Testamento é uma grande epopeia política. E que o novo é pelo menos três quartos. Situação que adéqua com este tema das “serpentes” venenosas e “teológicas” aportado para a festa da “exaltação da santa cruz”.

P.Casimiro João        smbn      www.paroquiadechapadinha.blgospot.com.br

 

 

 

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

VINHO NOVO EM VASILHAS NOVAS.


 Há quarenta anos atrás o escritor filósofo e teólogo Frei Beto cunhava uma frase que virou jargão internacional “Hoje não vivemos numa época de mudanças mas numa mudança de época”, publicada num artigo para o Jornal “O Globo” em 1984. Na verdade é quase assim como em 1789 quando começava outra mudança de época com a Revolução francesa em que se inaugurava a época do Iluminismo com John Locke; da Razão pura com Eamuel Kant; e da liberdade de consciência e de religião com Descartes. Em que se passava da assim chamada “Idade das trevas”, um apelido da Idade Média para a Idade do pensamento de Descartes. Imagine o mundo de hoje sem a TV, sem o celular, sem o avião, sem os robôs das montadoras de carros e aviões e todos nossos utensílios, sem o laser e todas as suas aplicações na medicina, nas cirurgias presenciais e à distância, e sem a IA, inteligência artificial que está fazendo os seus primeiros ensaios. Um dia o Mestre Jesus decidiu uma polêmica com os tradicionais fariseus e mestres da lei dizendo que não adéqua costurar um “remendo novo em roupa velha” (Lc.5,36), e nem botar “vinho novo em odres velhos, porque o vinho novo arrebenta os odres velhos” (5,37). Por outras palavras, o jargão de Frei Beto vai pelo mesmo caminho quando disse que “estamos numa verdadeira mudança de época”. No entanto há uma plêiade de cristãos e alguns que se têm por conceituados intelectuais dentro das fileiras das hierarquias da Igreja que, supomos, resistem em dar o passo para a “mudança de época”, ou de colocar o “vinho novo” da nova época em vasos novos. Dá-nos a impressão de que têm os pés no dia de hoje mas a cabeça nos dias da Idade Média, inclusive antes do concílio vaticano II. Esta dicotomia cria embates e conflitos. A Igreja atual está envolvida em levar a cabo o debate sinodal. Seria um grande esforço para a atualização da Igreja quanto à Família, à teologia, à Bíblia, à antropologia e à ciência. Se no Sínodo se resolverem cinquenta por cento dos embates e conflitos e resistências encontradas digamos pela velha guarda, seria já um resultado satisfatório. Na verdade, ainda estamos com as nossas homilias chovendo no molhado da idade de há 100 ou 200 anos atrás, em vez da atualização que seria exigida hoje, segundo o jargão do evangelho citado “vinho novo em vasilhas novas”. Eram dessa maneira as “homilias” de Jesus. E era dessa maneira que suscitava embates, resistências e conflitos com os seus opositores. Naquela época os opositores de Jesus eram os mais devotos e os mais “santos” da fé dos judeus. Os fariseus batiam no peito dizendo que eles eram os “santos de Israel”, e da fé e dos costumes judaicos. Não admira que hoje os mais “santos”, os “mais seguidores da tradição e das tradições e “da fé”, sejam também os que se opõem a botar o vinho novo em vasilhas novas. Ao mesmo tempo na fileiras eclesiásticas e nas fileiras do povo cristão isto existe.

Conclusão. Como nas Preces da Assembleia se reza: “Pela Igreja em seu caminhar de renovação sinodal, para que seja fortalecida pelo Espírito diante dos desafios que se apresentam em nossos dias”. A prece termina: “rezemos” (Cf. Liturgia Diária, Nov.2024, pag. 36).

P.Casimiro João    smbn

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segunda-feira, 1 de setembro de 2025

FAMÍLIA, UMA REFELXÃO


 

Um homem fala pra sua mulher: “eu estou sempre contigo porque te amo. Mesmo que não existisse lei nenhuma eu sempre te amarei”.  Que alegria para aquela esposa. E vice-versa, a mulher falando pro seu esposo. O contrário: “eu não separo só porque é proibido, porque não te amo mais.”  Olha a tristeza! Aqui o exemplo de um casamento certo e de um errado. É destes que o último Sínodo dos bispos falou, em 2015. O tema da família é tão abrangente, que ela é o primeiro lugar onde aprendemos a “comunicar”. Ela é o lugar paradigmático onde a comunicação aparece como um diálogo que se tece com a linguagem do corpo, numa expressão feliz do Papa Francisco. Exultar pela alegria do encontro é o arquétipo e o símbolo de qualquer outra comunicação que aprendemos ainda antes de chegar ao mundo. O ventre que nos abriga é a primeira escola de comunicação feita de escuta e contato corporal. Onde começamos a familiarizar-nos com o mundo exterior. Depois de chegarmos ao mundo permanecemos num outro ventre que é a família; um ventre feito de pessoas diferentes inter-relacionando-se. A família é o espaço onde aprendemos a conviver na diferença. Na família recebemos as palavras que são o veiculo da comunicação dos nossos antepassados. Não nos inventamos, e nem inventamos as palavras: tudo recebemos, e nós, como numa corrente, aprendemos a passar adiante o fluido de palavras e comunicação que recebemos em família. Tudo quanto recebemos em família será enriquecido com a nossa experiência que iremos transmitindo por nossa vez. Aprendemos também a oração dos pais e avós, e exemplos de vida que nos passam. Também aqui a família se torna a dimensão religiosa da comunicação. O paradigma comunicativo da família se concretiza em vários canais e capacidades: na capacidade de abraçar, apoiar, acompanhar, decifrar olhares e silêncios, capacidade de rir e chorar juntos. E ainda na capacidade de “visitar” e sair da sua zona de conforto,  indo ter com o outro. É assim que a família leva conforto e esperança às famílias mais feridas. Também na família experimentamos limitações próprias e alheias. E nos damos conta que não existe família perfeita cem por cento. E não precisamos ter medo da imperfeição, da fragilidade, nem mesmo dos conflitos. Por isso aprendemos a enfrentá-los de modo construtivo. Aprendemos ainda que a família é uma comunicação que definha e se quebra como a teia de uma rede de tecido, mas é possível refazer os nós e fazê-la crescer, e ficar mais bonita que colcha de fuxico. Na família, como na rua, entram os meios de comunicação social. Eles são perigosos e são luminosos, segundo aquela afirmação de O.Murchu: “é da essência do futuro ser perigoso”. Aí nadamos num futuro belo e arriscado. Na família se aprende também a conviver com as tecnologias e não só se deixar arrastar por elas. Seja a família um ambiente onde se aprende a comunicar. Uma comunidade que sabe acompanhar: festejar, frutificar e narrar. Narrar significa compreender que nossas vidas estão entrelaçadas numa trama unitária; que as vozes são múltiplas, mas onde cada uma é insubstituível. É importante afinar o olho clínico no seguinte, segundo as palavras do Papa Francisco: “Aquilo que parece normal para um bispo de um continente, pode resultar estranho, quase um escândalo para outro bispo de outro continente; aquilo que se considera violação de um direito numa sociedade, pode ser preceito óbvio e intocável noutra; aquilo que para alguns é liberdade de consciência, para outros pode ser só confusão. Na realidade, as culturas são muito diferentes entre si e cada princípio geral, se quiser ser observado e aplicado, precisa de ser inculturado.  E o Sínodo terminava: “Significa que procuramos abrir os horizontes para superar toda a hermenêutica conspiradora ou perspectiva fechada, para defender e difundir a liberdade dos filhos de Deus, para transmitir a beleza da novidade cristã, por vezes coberta pela ferrugem duma linguagem arcaica ou simplesmente incompreensível. Significa também que espoliamos os corações fechados que, frequentemente, se escondem mesmo por detrás dos ensinamentos da Igreja ou das boas intenções para se sentar na cátedra de Moisés e julgar, às vezes com superioridade e superficialidade, os casos difíceis e as famílias feridas”. Isto ressoa como um apelo para que sejamos mais adultos e possamos avaliar mais a nossa responsabilidade. Como dizendo, você não é mais criança, seja adulto. Enfoca-se também a importância de defender o homem e não as ideias, defender o espírito e não a letra. “A experiência do Sínodo fez-nos compreender melhor também que os verdadeiros defensores da doutrina não são os que defendem a letra, mas o espírito; não as ideias, mas o homem; não as fórmulas, mas a gratuidade  do amor de Deus e do seu perdão”. Outra constatação do Sínodo: “O primeiro dever da Igreja não é aplicar condenações ou anátemas, mas proclamar a misericórdia de Deus, chamar à conversão e conduzir à salvação do Senhor” (cf. Jo.12,44-50). É por isso que o Sínodo deixou ao discernimento e ao critério do pároco e dos bispos assuntos delicados como a comunhão dos recasados em segundas núpcias.

Conclusão. Nessas reflexões do sínodo houve muito senso na seguinte constatação de um olho clínico apurado: “A experiência do Sínodo fez-nos compreender melhor também que os verdadeiros defensores da doutrina não são os que defendem a letra, mas o espírito; não as ideias, mas o homem; não as fórmulas, mas a gratuidade  do amor de Deus e do seu perdão”.

P.Casimiro João        smbn

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